sábado, 18 de dezembro de 2010

SOMOS MARCIANOS

18/12/2010 -

A busca por vida extraterrestre: "Seríamos todos nós marcianos?"

El País
  • O lago Mono, na Califórnia, onde a Nasa encontrou uma bactéria diferente de tudo o que já foi visto
O lago Mono, na Califórnia, onde a Nasa encontrou uma bactéria diferente de tudo o que já foi visto
Cientistas da NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço, a agência espacial dos Estados Unidos) anunciaram recentemente que descobriram um organismo que utiliza arsênico, em vez de fósforo, no seu metabolismo. O geólogo Dirk Schulze-Makuch deu uma entrevista a “Der Spiegel” a respeito dessa descoberta e da probabilidade de que a vida possa existir em outros planetas.

Spiegel: Cientistas da Nasa descobriram estranhas bactérias no Lago Mono, na Califórnia. Os micróbios incorporam arsênico, que geralmente é venenoso para os seres vivos, às suas células. Essas bactérias são oriundas de um outro planeta?

Dirk Schulze-Makuch: Não, essa hipótese pode ser descartada. As bactérias que utilizam arsênico não surgiram independentemente de outros organismos na Terra. Assim como todos os micróbios, elas se multiplicam melhor quando existe uma quantidade suficiente de fósforo por perto. Elas só usam arsênico quando não há fósforo suficiente – mendicantes não podem se dar ao luxo de escolher. As bactérias com arsênico são um exemplo maravilhoso da adaptabilidade dos micro-organismos.

Spiegel: O que essa descoberta significa para a busca por formas de vida inteligente?

Schulze-Makuch: A bactéria que contém arsênico nos ajuda a ampliar os nossos horizontes. Se é possível encontrar organismos tão exóticos aqui na Terra, que criaturas estranhas não poderiam existir em outros planetas? Nós temos que nos livrar dessa ideia de que formas de vida alienígena serão parecidas com aquilo que conhecemos na Terra.

Spiegel: Você pode imaginar que tipo de diferença existiria entre a vida terrestre e as formas de vida extraterrestre?

Schulze-Makuch: A nossa fixação com a noção de que o oxigênio é essencial à vida já é uma ideia limitada. Esse elemento agressivo provoca danos às nossas células na forma de radicais livres. Talvez organismos que habitem outras regiões do espaço tenham encontrado uma alternativa mais suave. Quando nós enviarmos sondas espaciais a outros mundos, devemos esperar o inesperado. A vida é capaz de surgir em qualquer lugar: em mares venenosos ou em nuvens quentes.

Spiegel: E onde as bactérias resistentes ao arsênico viveriam?

Schulze-Makuch: Micróbios comedores de arsênico provavelmente se sentiriam em casa no nosso planeta vizinho, Marte. As condições ambientais marcianas são bastante apropriadas para eles. Dados obtidos por sondas robotizadas que pousaram em Marte podem ser de fato interpretados como evidência de vida bacteriana. No entanto, seria possível que qualquer forma de vida eventualmente encontrada em Marte não fosse realmente alienígena, mas sim um tipo de parente nosso.

Spiegel: Como assim?

Schulze-Makuch: Há quase quatro bilhões de anos, Marte era um planeta bem apropriado à sustentação da vida, dotado de enormes rios e lagos. Naquela época, os primeiros organismos primitivos apareceram na Terra. Essas formas de vida unicelular provavelmente chegaram ao nosso vizinho, o planeta Marte, viajando em meteoritos e se estabeleceram por lá. É possível que descendentes daquelas bactérias primitivas possam ter sobrevivido em rachaduras e frestas do terreno marciano até hoje. E a possibilidade oposta é igualmente fascinante: a vida poderia ter começado em Marte e, a seguir, chegado à Terra em um meteorito. Isso faria surgir a questão: seríamos todos nós marcianos?

Spiegel: Que planeta no nosso sistema solar tem maior probabilidade de sustentar uma forma de vida que contraste significativamente com a vida na Terra?

Schulze-Makuch: O distante Titã, uma lua de Saturno, parece ser completamente diferente para nós. A temperatura na sua superfície é de 160ºC negativos, e a sua atmosfera não contém oxigênio. Em vez de água, os seus lagos são formados de gás natural em estado líquido. Metano cai do céu em forma de chuva, e a paisagem faz lembrar o cenário que se seguiria a um vazamento de petróleo na Antártida. Se descobríssemos vida lá, ela certamente seria completamente diferente da vida como a conhecemos na Terra.

Spiegel: E quais são as probabilidades de que haja vida em Titã?

Schulze-Makuch: Surpreendentemente elevadas! Na ilha de Trinidadee, no Caribe, existe uma reserva natural de asfalto chamada Pitch Lake, que é alimentada por substâncias oleaginosas oriundas da crosta terrestre. É uma atração turística. As condições são parecidas com aquelas de um lago de Titã. A minha equipe e eu recentemente coletamos amostras no local em busca de indícios de vida.

Spiegel: E que resultados vocês obtiveram?

Schulze-Makuch: Para a nossa surpresa, nós encontramos massas de bactérias que transformaram longas cadeias de carbono em metano no lago de asfalto. Ninguém sabe ainda como essas criaturas foram capazes de sobreviver na ausência praticamente total de água. E se considerarmos que tantos micro-organismos sobrevivem no lago de asfalto, isso também deve ser possível em Titã.

Spiegel: Mas isso está longe de se constituir em uma prova.

Schulze-Makuch: É claro que não é prova alguma. Nós teremos um quadro mais claro quanto a isso pela primeira vez quando uma missão feita com uma sonda robotizada explorar Titã. A descoberta das bactérias dotadas de arsênico e das bactérias do asfalto demonstram, no entanto, que quando a vida for descoberta em um outro planeta, ela encontrará uma maneira bioquímica de sobreviver. O único problema é que, infelizmente, nós não sabemos como exatamente a vida teve início na Terra – e muito menos como ela poderia se desenvolver em um outro planeta.

Entrevista conduzida por Olaf Stampf

Fonte: Uol Notícias



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