sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Revolucionário ou visionário?


Há quem ache Che Guevara um revolucionário; outros, um transgressor banal; e há ainda os que o idolatram como herói. Sua história se assemelha mais a um filme de ação do que a uma trajetória de vida.

 
por Giovanna Sapienza


Leandro Valquer
Seres humanos como Che Guevara nascem com um ideal, perseguem-no até o fim e buscam a melhor maneira de realizá-lo. Ambição, fraternidade, espírito de coletividade, não importa o nome que se dê a essa trajetória de vitórias.

CRIAÇÃO E FORMAÇÃO
Ernesto Rafael Guevara de La Serna nasceu em 14 de junho de 1928 na cidade de Rosário, Argentina. Ainda pequeno, sua família mudou-se para o campo, em uma região próxima à cidade de Córdoba, devido ao problema de asma que desenvolvera. Ao longo de sua vida, Che Guevara sempre se dedicou aos estudos e à leitura, hábito que aprendeu desde cedo com seus pais, já se aprofundando nas teorias socialistas e em livros de autores como Marx, Engels e Lênin. Sua mãe, Célia de La Serna y Llosa, descendia do último vice-rei do Peru, família de origem aristocrática e dona de muitos lotes de terras. Já seu pai, Ernesto Lynch, era estudante de arquitetura. Começou a trabalhar com 14 anos, sem largar seus estudos. Sua adolescência é fortemente marcada pela Guerra Civil Espanhola e, logo depois, pela Segunda Guerra Mundial, época em que seu pai forma uma organização antifascista, a "Ação Argentina", na qual inscreve seu filho. 
No colégio, destaca-se por ser um ótimo aluno em Ciências Humanas, como Literatura e Filosofia, e também exímio jogador de xadrez, brilhando nos tabuleiros da Olimpíada Universitária de 1948. Em 1946, conclui seus estudos, partindo com a família para Buenos Aires. Escolhe como graduação a Medicina, e com 18 anos alista-se no serviço militar obrigatório, sendo dispensado por seu problema de asma, fato considerado positivo, já que sua família era antiperonista. Em 1951 começa uma viagem de motocicleta com seu amigo Alberto Granado, que marcaria sua vida para sempre. Durante oito meses, os dois amigos percorreram cinco países da América Latina, visitando regiões carentes como, por exemplo, minas de cobre, povoados indígenas e leprosários. 
Nessa viagem, Che conhece a real situação política, social e econômica dos países e regiões vizinhas, marcando definitivamente sua ruptura com todos os laços nacionais. Para pagar as despesas da viagem, trabalharam como carregadores, lavadores de pratos, marinheiros e médicos. Ao retornar para casa, escreve em seu "Diário de Viagem" - que deu origem ao livro publicado em 1970 Já não sou mais o mesmo. Nesse diário, que gerou um grande boom editorial, podemos notar sua crescente politização e o choque que lhe provocaram a pobreza, a injustiça e a arbitrariedade encontradas pelo caminho. Decide voltar a Buenos Aires em agosto de 1952 para concluir seus estudos, formando-se em Medicina pela Universidade Nacional de Buenos Aires, posteriormente se especializando com pós-doutorado em alergia.
A luta armada de Che Guevara contra o regime ditatorial de Cuba, instalado desde 1952, começa no México. Ele se inscreve em setembro, dois meses após o alistamento de Fidel. Em 1957, o grupo se instala em Sierra Maestra com o intuito de derrubar o governo de Fulgencio Batista, apoiado pelos Estados Unidos.

EM BUSCA DE SEUS IDEAIS
Um mês após a conclusão de seus estudos na universidade, Che Guevara viaja para países como Bolívia, Peru, Panamá, Colômbia, Equador, Costa Rica, El Salvador e Guatemala na companhia de outro amigo, Calica Ferre. Ele vai trabalhar nessas regiões com o objetivo de achar a cura para a sua doença, a asma. Na Bolívia, reencontra o amigo Granado e é apresentado ao advogado, também argentino, Ricardo Rojo, refugiado naquele país por sua atividade política antiperonista. Rojo lhe propõe que vá com ele a Guatemala lutar em conjunto com a Revolução Social. Durante as cinco semanas em que ficou em La Paz, Che estuda os intentos de reforma agrária e vê o país viver seu primeiro ano do governo reformista de paz. Segundo os biógrafos, esse tempo é considerado vital para o amadurecimento do revolucionário, pois é por meio desses estudos que ele fixa seu direcionamento idealista. Em 1953, desembarca na Guatemala com Rojo e o dr. Eduardo Garcia, também exilado argentino. Juntos, buscavam formar um grupo armado de resistência contra a invasão norte-americana. 
Ao passar pela Costa Rica, onde faz contatos políticos, Che conhece em San José dois cubanos exilados que haviam escapado da célebre tentativa de tomada do Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, Calixto García e Severino Rossel. Forte admirador do idealismo da União Soviética, aos 26 anos busca inscreverse em qualquer partido comunista, de qualquer país, enquanto trabalha como médico para sindicatos guatemaltecos. Na Guatemala ainda, Ernesto Guevara conhece Hilda Gadea, marxista convicta e militante política peruana. Casa-se com ela, já grávida, em agosto de 1955 e decidem morar no México, fugidos de perseguições políticas. Lá, Che começa a ganhar a vida fotografando turistas nas ruas da capital. Posteriormente, é contratado por uma agência de notícias da Argentina para cobrir os Jogos Pan-Americanos de 1955, e em conjunto com a profissão, passa a escrever artigos científicos sobre sua especialidade: a alergia. Em junho do mesmo ano, é apresentado a Raúl Castro, líder estudantil cubano, e a seu irmão, Fidel Castro, ambos recém-saídos da prisão em Cuba, onde passaram um ano e dez meses presos na ilha de Pinos, pela invasão do Quartel Moncada.

*Guerra Civil Espanhola:
Foi um conflito desencadeado após o fracassado golpe de estado de um setor do exército contra o governo legal e democrático da Segunda República Espanhola. Militares rebeldes proclamaram a guerra em um pronunciamento entre 17 e 18 de julho de 1936. 1º de abril de 1939 é a data oficial do fim do conflito com a vitória dos rebeldes. Assim, o general Francisco Franco instaurou um regime ditatorial de caráter fascista.

Na Guatemala ainda, Ernesto Guevara conhece Hilda Gadea, marxista convicta e militante política peruana. Casa-se com ela, já grávida, em agosto de 1955 e decidem morar no México, fugidos de perseguições políticas.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Posted: 27 Sep 2011 10:53 PM PDT

Por Pedro Paulo (psicólogo em formação),


Em comemoração aos 150 anos da Caixa Econômica Federal, a instituição bancária lançou uma propaganda que pretendia engrandecer o patrimônio nacional e a memória brasileira a partir da história de Machado de Assis com o banco, porém o ator que interpretava o mestre da Literatura era branco.

 

Ao se desculpar pela falha, a Caixa cometeu outro erro quando tentou se justificar dizendo: “O banco pede desculpas a toda a população e, em especial, aos movimentos ligados às causas raciais, por não ter caracterizado o escritor, que era afro-brasileiro, com a sua origem racial.”.

A linguagem pode passar despercebida para muito de nós, porém ela se constitui como um reflexodas mais poderosas formas de representações sociais e nas principais formas da expressão de poder do nosso mundo. Neste sentido, discuto aqui não apenas o preconceito, mas um problema silencioso: a linguagem como forma de opressão.

Poderia haver algum mal no uso do termo “Afro-brasileiro”? Aparentemente não, mas então por que não fazemos também uso de termos como: “Euro-brasileiro” ou “Euro-descendente”?No Brasil pessoas brancas são chamadas de brasileiras, porém estas não se percebem como euro-brasileiros, enquanto que negros são chamados de Afro-brasileiros como se fossem de outro país.

Mas o que quer essa linguagem? A genealogia do termo afro-brasileiro tem seu antecessor na palavra “negro” que na sua origem etimológica descreve sujeitos com um fenótipo de pele escura que no Brasil ficou associado historicamente à escravidão. Após o fim da escravidão, a palavra negro é substituída gradualmente pelo vocábulo “afro-brasileiro” que se dissociado estigma da servidão, porém passou a representar pessoas que moram em uma nação mas não a constituem como povo, em outras palavras, quando o negro não pode ser escravo deve se torna estrangeiro(afro-brasileiro).

É certo e até mesmo evidente que a corrupção da linguagem é essencial para a manutenção de uma ideologia dominante que deseja manter o estado de diferenciação entre os sujeitos, mas o objetivo dessa linguagem segregacionista não se faz apenas no âmbito da ética ou do campo linguístico, se faz também no processo de concepção do próprio ser, no processo de subjetivação e na identidade, no qual o sujeito se constitue apenas enquanto vocábulo e não em uma relação social dialética no qual é o próprio autor de sua história.

Dado o exposto, podemos considerar que historicamente o sujeito negro ou afro-brasileiro é uma invenção do nosso modo de falar que constitui o sujeito enquanto indivíduo passivo, sem participação na formação de sua própria identidade e sendo assim um alvo fácil de manipulação.

Fonte: Carta Potiguar

domingo, 25 de setembro de 2011

A pedagogia do espetáculo


Por Honório de Medeiros
 

Ouço, muitas vezes, elogios feitos à capacidade de um professor ou palestrante de prender a atenção da platéia à custa de piadas, gracejos, histrionismo, até mesmo do que se convencionou denominar “perfomances’. Estas últimas abrangendo trejeitos, mogangas, interpretações corporais…
Quando isso ocorre sempre me lembro da história de um debate na área do Direito no qual um dos debatedores, um dos ícones do nosso ensino jurídico, após assistir, perplexo, durante um longo tempo toda a sorte de bizarrices encetadas por um seu colega no afã de levar os ouvintes à diversão, iniciou sua participação comunicando, secamente, aos estudantes, que “ali estava para os levar a pensar, não para diverti-los”.
Penso que essa é a missão do professor, palestrante ou conferencista: atrair e, se possível, até mesmo galvanizar a inteligência dos ouvintes, por intermédio da forma e do conteúdo do seu pronunciamento dirigido à razão.
Assim foi desde a Grécia de Demóstenes, passando pela Roma de Cícero, a Idade Média de Bossuet e Massilon, até os dias de hoje, quando reverenciamos Churchill e Martin Luther King, em todos os lugares, enfim, onde o respeito pelo saber e por aqueles que o honram se constitui em diferencial de civilização.
Pois bem, no Brasil, guardadas as exceções de praxe, prepondera o populismo pedagógico, ou seja, a concepção de que é a vontade da plateia, ávida por diversão, que deve balizar a forma da exposição do professor, ou palestrante. Quanto mais divertido o expositor, mais concorridas suas participações, ao ponto de aulas, ou palestras, se transformarem em verdadeiras sessões do humorismo que se convencionou denominar “stand up comedy”.
Essa prática de chamar a atenção divertindo, aparentemente válida na infância, levada a cabo ininterruptamente, conduz a uma conseqüência funesta: ao interromper a linearidade da argumentação – quando há – predispõe a mente, por si só tendente à agitação, a perder o foco, a concentração, a capacidade de apreender o todo e suas implicações na argumentação proferida, a se deter no episódico, no fragmentário, no superficial.
Aliás, disciplina intelectual é um verdadeiro anátema no ambiente acadêmico de hoje em dia. Não se lê, não se escreve, não se fala dentro dos padrões que a lógica da argumentação impõe. Não é a ditadura da regra gramatical que se quer; é a lógica da argumentação e a argumentação lógica. Não é a camisa-de-força das regras ortográficas que se deseja obedecer; é a linearidade do raciocínio e o raciocínio linear. Não é à técnica da língua a quem devemos nos submeter; é à clareza do pensar e ao pensamento claro. Não há, hoje, no geral, quando deveria – e muito – haver, rigor intelectivo, disciplina de pensamento, lógica argumentativa.
Há espasmos intuitivos, logorreia superficial, pensamento fragmentado. E, em muito contribui para essa realidade, a “pedagogia do espetáculo” e a incapacidade do ouvinte em firmar sua atenção no que lhe é dito. A rigor, nas universidades brasileiras, os estudantes são tratados com o mesmo método de ensino utilizado em sua meninice: gincanas, júris simulados, aulas-espetáculos, tudo vale a pena para se passar a idéia de que o aluno participa diretamente do processo de aprendizagem.
É uma equação sinistra: quanto mais se opta pelo espetáculo, que privilegia os sentidos, menor o desenvolvimento da capacidade de concentração, da disciplina da razão. Não por outra causa essa tendência amplia a quantidade de textos mal escritos e de pronunciamentos mal alinhavados, todos resultantes da incapacidade de se pensar com clareza.
A lição do passado está aí, para quem souber apreendê-la a partir das pesquisas especializadas: sem disciplina intelectual e física, não se chega a lugar algum.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

Fonte: Blog do Carlos Santos, em 25/09/2011, 10:02

sábado, 24 de setembro de 2011

A tecnologia e o ser humano

A tecnologia é imprescindível ao ser humano, sem ela não evoluímos. No curso evolutivo da Humanidade, desde o aparecimento dos hominídeos (Homo habilis, Homo erectus, Homo de neanderthal, Homo sapiens), houvesse a necessidade de modificar a natureza para sobreviver. 


Essa modificação só foi possível mediante o avanço tecnológico no percurso histórico do homem, quando a capacidade de produzir ferramentas e com elas mudar a natureza exigiu das pessoas esforço intelectual, físico, planejamento, enfim, relações sociais. Por tudo isso, o Homem teve que ter consciência de si mesmo e de tudo que o cerca.

A partir do final do século XIX, quando o mundo passou a sofrer fortes influências, dos mais diversos ramos do conhecimento humano (física, química, medicina, biologia, robótica...) possibilitando uma inovação tecnológica ao mundo contemporâneo de acordo com necessidade humana.

Diante do exposto, fica patente que o homem procurou desde  cedo produzir tecnologias e métodos para se comunicar tão necessários ao desenvolvimento humano. As chamadas NTICs (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação), surgidas a partir da segunda metade da década de 1970, tornando mais rápido a transmissão e a distribuição das informações, e, interligando as pessoas num mundo cada vez mais globalizado. Dentre as NTICs podemos destacar: os computadores pessoais (PCs, Notbook), Webcams, Cds, DVDs, disquetes, pendrives, cartões de memórias, telefonia móvel, internet, websites, entre outros.

 

Quanto à aplicação dessas “novas tecnologias” no ambiente escolar, é necessário que elas venham atender as reais necessidades dos alunos, de maneira que possam incentivar à aprendizagem ativa e significativa do educando. Com relação às invenções humanas podemos destaca-se a invenção da bomba atômica, que serviu para geração de energia e ao uso militar; a descoberta do petróleo que serviu de combustível para os meios de transporte automotivo, além de poluir negativamente o meio ambiente.

Assim sendo, com o trabalho e a técnica, a espécie humana garantiu a sobrevivência, transformou a natureza e desenvolveu a  sua humanidade. Portanto, o avanço tecnológico deve ser compreendido como uma evolução cultural e historicamente construída. É nesse contexto que o uso da tecnologia é viável ao desenvolvimento da sociedade como um todo.

José Lima Dias Júnior


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

A Educação e as Novas Tecnologias, publicado em 12/12/2007, por Edson Alves Bezerra em http://www.webartigos.com
PESSIS, Anne-Marie. A arte de ser humano. In: Revista Nossa História, ago. 2005. p. 37.
Novas tecnologias de informação e comunicação em http://www.wikipedia.org/

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

No passado, a fonte para o presente

Professor do Departamento de História da USP

Sérgio Buarque de Hollanda renovou a pesquisa da História do Brasil ao reconstituir as tensões entre a tradição e a mudança para compreender o País de sua época. Foto: F.Cícero/Folhapress.

Em bem-humorada crônica de 1929, Mário de Andrade nos conta a respeito do formidável bote de um jacaré comendo um pato, numa lagoa em Belém do Pará. O ligeiro nhoque do animal era comparado àquele conhecimento rápido e imediato do mundo: “Ver pato, saber pato, desejar pato, abocanhar pato, foi tudo uma coisa só”, exclamava o escritor, maravilhado com o poder da verdadeira intuição. No final da crônica, ele lamenta, por contraste, nossa incapacidade de juntar sensação, abstração, vontade e ação, conformando-se com a lentidão do conhecimento humano. Pitoresca, a crônica resumia o dilema da geração de intelectuais e artistas modernistas: repensar o Brasil em todas as suas peculiaridades, definindo-lhe um lugar cultural no contexto dos países civilizados. Mas o caminho para compreender o País seria pela intuição imediata (tão verdadeira quanto o nhoque do jacaré) ou pesquisando pacientemente as fontes de sua cultura e história?
Esse dilema também marcou a primeira fase da trajetória intelectual do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, cujo início se atrelou à pesquisa histórica. Até os 25 anos, atuando como jornalista, ele -voltou-se, -sobretudo, para a crítica literária. Engajado no movimento modernista, o jovem Sérgio Buarque partilhou da mesma inquietação daquela geração de intelectuais, ansiosos por compreender o Brasil. Isto implicava, de qualquer forma, um mergulho na história brasileira, para explicar rapidamente o que era o Brasil e a brasilidade. Publicado em 1936, Raízes do Brasil, o primeiro livro de SBH, integra (ao lado de Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr.) o trio clássico de interpretações que, por meio do ensaio sintético, respondem ao anseio de explicar rapidamente o Brasil pela sua história.
As “raízes” do título tiveram na época dois significados. O primeiro era uma referência às estruturas mentais mais profundas que forjaram a história brasileira. O segundo, uma indicação mais sutil, ao fato de que qualquer raiz é feita para ser arrancada. Num estilo eminentemente narrativo que sempre o caracterizou, SBH reconstitui, neste livro, o peso das heranças rurais, nos aspectos sociopolíticos e culturais. As raízes brasileiras germinam no solo profundo da decadência do império português no século XVI, no qual surgem sociedades de economia frágil e capitalismo incipiente, incapazes de gerar uma burguesia modernizadora, apta a impor sua dominação sobre a aristocracia.
Homo brasiliensis
Em lugar da colonização fundada no trato paciente da terra, nas virtudes do trabalho e no esforço comunitário, cria-se aqui uma civilização do ócio e da aventura, que enxerga a terra apenas como um meio de rápida riqueza, sem laços de sociabilidades, os quais, ainda mais entravados pela escravidão, regridem às relações familiares e patriarcais. Surgem daí formas de convívio nas quais predominam a familiaridade, o personalismo e a afetividade, que acabam exportadas para a vida pública- e estruturas políticas.
É daí que SBH utiliza a metáfora do homem cordial, que remete, afinal, ao peso das -relações familiares. Tal expressão não era um conceito sociológico, referia-se muito mais a certa maneira de ser no tempo. O universo dos afetos domésticos mistura-se com o universo impessoal do Estado. Daí o homo brasiliensis: o inventor de meios e jeitos sutis, sorridente sabotador tinhoso dos obstáculos abstratos e impessoais da lei ou do Estado, que ele contorna através dos contatos pessoais diretos. Daí também uma leitura da história brasileira sensível aos arranjos e conchavos que passam continuamente da esfera privada para a pública, numa mistura quase irreconhecível. As classes dominantes, desde os tempos da colonização, foram moldadas a tradições autoritárias provenientes do absolutismo da Coroa ou de instituições inquisitoriais – almejando apenas o poder imediato e a -satisfação de interesses adquiridos.
A prosa do historiador
Essa primeira fase, mais intuitiva e ensaística, da obra de Sérgio Buarque de Hollanda, da qual Raízes do Brasil foi exemplar, foi superada quando o historiador, sobretudo após 1946, dedicou-se plenamente às pesquisas históricas e, a partir de 1956, quando se tornou professor da USP. Isto não significa que as questões colocadas no primeiro livro tenham sido abandonadas – pelo contrário, cada um dos temas, apenas indicados em Raízes do Brasil, transformou-se em autênticos programas para novas pesquisas.
SBH possuía um estilo narrativo muito pessoal e sutil de reconstituição e interpretação do passado. Inspirado no filósofo alemão Dilthey, acreditava que a tarefa do historiador era “desocultar” o universal a partir do estudo dos pormenores: as partes é que levariam ao todo e jamais o contrário. Era preciso nos detalhes e hábil em captar com vivacidade pormenores significativos de toda uma época: o dormir em redes, o sentido simbólico dos calçados entre os bandeirantes paulistas, as “veredas de pé posto” que os desbravadores aprenderam com os índios e a facilidade com que os colonos adotaram dos índios as iguarias, os métodos de cura e até o arco e a flecha.
Na sua erudição e memória prodigiosa de historiador, Sérgio parecia já dispor da completa árvore genealógica da figura política, tão logo ela se introduzia na narrativa. No país do compadrio, do familismo e do nepotismo, todas as figuras já aparecem inteiramente nuas, despidas de quaisquer idea-lismos políticos. Mas na sua prosa de historiador não há nada de estritamente biográfico e analítico: ele está sempre contando uma história e os personagens vão brotando naturalmente como cogumelos.
Também nos seus ensaios sobre a história política do País – notadamente aqueles relacionados à passagem da Monarquia à República – reitera-se um cenário que a narrativa do historiador vai progressivamente desmistificando: no alto, um governo absoluto que não assume sequer a sua fisionomia, mascarando-se nas falsas instituições liberais. No meio os deputados, conservadores ou liberais, lutando por manter-se nos cargos, “atiravam uns e outros contra a sombra do imperador” recorrendo, quando muito, a um “liberalismo de emergência”. Na imensa base, o vazio político gerado pela completa ausência da sociedade civil: os “figurantes mudos” da história brasileira, manietados pelo escravismo e pela ética do favor – dois graníticos blocos de pedra a emparedar quaisquer possibilidades de organização.
Raízes fincadas
Setenta e cinco anos depois da publicação daquele primeiro livro intuitivo de SBH, teríamos, afinal, arrancado todas essas raízes-? Como algumas das passagens- do livro- ainda iluminam, de forma inesperada-, muitos episódios da atualidade brasileira, é provável que parte da resposta seja negativa. O personalismo e uma ética de fundo emocional ainda podem ser notados no cenário atual. A persistência do uso costumeiro de facções familiares e de particularismos dificulta a consolidação do Estado e o domínio das leis gerais. O personalismo exagerado, historicamente derivado do peso das relações familiares e da fraqueza das instituições públicas, -ainda continua- –imperando no Brasil recente. Entra governo, sai governo, acabamos nos surpreendendo com a endêmica incapacidade de tratar a coisa pública de forma impessoal. Continuamos tendo receio da distância provocada pela impessoalidade da lei e das instituições. A síndrome de Santa Terezinha (a santa francesa Teresa de Lisieux, único país no qual ela virou diminutivo) continua vigente, até nos apelidos mais comuns.
“Se quiser entender o passado, o bom historiador terá de se esforçar para uma boa inteligência do tempo presente’, escreveu Sérgio Buarque de Hollanda, em 1950. Sem ser completa, era uma descrição quase perfeita da trajetória intelectual de um historiador que sempre viu o estudo do passado fortemente relacionado ao presente. Com um olhar sempre voltado para a visão de uma sociedade aberta no tempo presente, sua obra pode ser definida como um esforço para reconstituir as tensões entre a tradição e a mudança histórica e um mergulho libertário no passado brasileiro. Nesse sentido, seus livros continuam sendo “clássicos”, pois, afinal, são aqueles que – como na definição de Italo Calvino – “nunca terminaram de dizer o que tinham para dizer”.

Fonte: Carta Capital

domingo, 18 de setembro de 2011

Letras: Prometeu Acorrentado, de Ésquilo

A importância da cultura grega é inquestionável, embora raramente tenhamos plena consciência do seu alcance. Ela, juntamente com o Cristianismo e a cultura romana, constitui um dos grandes pilares formadores do “homem ocidental”. A tragédia, claro, está inserida nesse legado. Não só como gênero em si, mas também como expressão de ideais que recebemos de herança e que estão profundamente arraigados em nós. E em Prometeu Acorrentado, a única parte salva de uma trilogia esquiliana (as outras seriam, na sequência, Prometeu Libertado e Prometeu Portador do Fogo), Ésquilo lida com a idéia do destino e faz desse titã a imagem da condição humana, a qual é constantemente retomada por poetas e filósofos.
Ésquilo, o primeiro poeta trágico clássico, vivenciou os tempos difíceis da tirania na Grécia e lutou nas batalhas de Maratona e Salamina, ambas contra a invasão persa. Foi no espírito de vitória, de reconstrução de Atenas e do crescimento do Estado ático democrático que o poeta forjou suas peças. Era uma época em que todos uniam forças para se reerguer da tirania e da guerra. No papel de poeta, tido como algo até mais importante do que o de líder político, Ésquilo representou em suas peças “a ressurreição do homem heróico dentro do espírito da liberdade”¹, ou seja, ele conseguiu recriar o herói em uma nova conjuntura social ateniense (não mais havendo lugar para aquela aristocracia dos tempos homéricos), na qual o Estado e o espírito do povo formavam uma “unidade perfeita”¹. Além disso, de acordo com Aristóteles, Ésquilo foi o criador da tragédia grega e é a ele que se atribui muitas inovações no drama.
Na mitologia grega, Prometeu é um titã artesão que fez o homem, ao qual Minerva (deusa da sabedoria) daria a vida colocando uma borboleta (símbolo da alma) sobre sua cabeça. Ele, como diz Ovídio, “após destemperar um pouco de terra com água, formou o homem à semelhança dos deuses”². Como Zeus planejava aniquilar a raça humana, Prometeu resolveu proteger a sua criação e roubar o fogo divino, entregando-o aos mortais. O fogo simboliza aquilo que tornaria possível qualquer trabalho, que “é pai de todas as artes”³ e que faria a vida do homem mais segura. Por essa razão, Zeus decide punir Prometeu e a humanidade. O castigo dos mortais seria Pandora, mãe dessa “raça fraca e delicada das mulheres, que os mortais conservam para desgraça deles. Nunca amiga da pobreza nem sequer da poupança, só amam o luxo e os gastos”² (Hesíodo). Já Prometeu seria acorrentado numa rocha e um “cão alado (…), o abutre sanguinário” iria devorar pedaços do seu corpo e mastigar “a negra iguaria que é o seu fígado”³.
A obra Prometeu Acorrentado é uma reinterpretação do mito de Prometeu. Aqui, o mito é adaptado de uma maneira em que a tragédia passa a ter uma única idéia como princípio formador de toda sua estrutura. No caso de Ésquilo, a idéia é a do destino da humanidade. Para o dramaturgo, o destino estava atrelado a uma “justiça” divina inerente ao mundo e, consequentemente, a um nexo causal entre a violação dessa justiça e o sofrimento. Quando o homem incorre na hybris (tudo aquilo que passa da medida, que diz respeito ao exagero de orgulho e presunção), ou quando cai nas malhas da Ate (deusa que personifica as ações irreflexivas e suas conseqüências), ele recebe a desventura como forma de compensação do cosmos. Apenas buscando o autoconhecimento e a força de vontade diante dessas forças divinas, que tragam o homem para o erro, torna-se possível evitar a desgraça. Na visão de Ésquilo, o homem já detém certa responsabilidade diante do próprio destino, apesar de suas tramas ainda estarem longe do entendimento humano.
Mas, para Werner Jaeger, helenista alemão do século XX, o pecado do titã não está exatamente no roubo do fogo, e sim numa relação trágica e imperfeita deste benefício. Neste sentido, chegaríamos ao ápice de toda tragédia esquiliana: à profética concepção de que somente através da dor se alcança o conhecimento mais elevado. Quando violamos a ordem do mundo, “nasce no coração a pena que recorda a culpa; e, assim, é de contra a vontade que vem ao espírito a salvação” (trecho da peça Agamemnon), ou seja, a sabedoria. Porque a ordem sempre vence o caos e todos nós temos que nos submeter a ela, mesmo sem entendê-la. Só assim aprendemos a viver em harmonia com o cosmos eterno. Esse é o nosso destino.
O Prometeu esquiliano encarna essa dor do destino humano. É uma imagem coletiva, da humanidade. Nesta tragédia, contemplamos o “sentido da ‘harmonia de Zeus’, que os desejos e pensamentos humanos nunca poderão ultrapassar, e à qual, em último recurso, também a titânica criação da cultura humana terá de submeter-se”¹. Assim que ela foi interpretada por toda a posteridade, em que “todos se sentiram agrilhoados ao rochedo e frequentemente participaram no grito do seu ódio impotente”¹.






¹JAERGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
²MÉNARD, René. Mitologia Greco-Romana. São Paulo: Opus, 1991. 2 v.
³ESQUILO. Prometeu Acorrentado. Tradução de Alberto Guzik. São Paulo: Abril Cultural, 1980.


Fonte: Carta Potiguar

sábado, 3 de setembro de 2011

O CAIS DOS ESCRAVOS

 Ricardo Westin

Por mais de três séculos, dos primórdios da colônia ao ocaso do império, a economia do Brasil foi sustentada pelos escravos. Os negros vindos da África trabalharam nas lavouras de cana-de-açúcar e café e nas minas de ouro de diamante. O tráfico negreiro, por si só, era um dos setores mais dinâmicos da economia. Os historiadores estima que 4 milhões de africanos foram trazidos à força para o Brasil. Deste total, 1 milhão entrou no país pelo Valongo, um cais construído no Rio Janeiro em 1758 especialmente para receber navios negreiros. Os escravos eram expostos e vendidos em logjas espalhadas pela vizinhança.O Valongo deixou ser por to negreiro em 1831, quando foi proibida a importação de escravos.

Ruínas do Valongo
O Valongo logo foi apagado. Sobre ele, o império construiu o Cais da Imperatriz, para o desembarque da mulher de Pedro II, Teresa Cristina, vinda do Reino das Duas Sicílias. Mais tarde, a república aterrou aquela zona e a cobriu com ruas e praças. O maior porto de chegada de escravos do mundo desapareceu como se nunca houvesse existido. Quase dois séculos depois, o Brasil se vê obrigado a encarar  novamente um dos cenários mais vergonhosos de sua história. Com o objetivo de embelezar o Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016, a prefeitura pôs em execução uma ampla reforma da decadente zona portuária. Antes de ser realizada qualquer obra urbana em áreas antigas, a lei exige que arqueólogos inspecionam o terreno, para impedir que relíquias enterradas sejam perdidas. Na varredura do subsolo, a quase 2 metros de profundidade, uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional encontrou o piso do Cais do Valongo. É a descoberta arqueológica mais importante da década do Brasil. As ruínas foram localizadas debaixo de uma praça malcuidada entre o Morro da Providência, o Elevado da Perimentral e a Praça Mauá.

O Cais do Valongo ficava longe da vista dos cariocas, na periferia da cidade. Ao redor funcionavam umas cinquenta "casas de carne", como então se dizia sem constrangimento. No andar de cima desses sobrados viviam os comerciantes coms suas famílias. No andar de baixo, em salões, os escravos ficavam expostos aos interessados. A maioria dos cativos à venda eram crianças e adolescentes. Não convinha a importação de adultos porque eles se mostravam menos resistentes aos maus-tratos -- eram poucos os que sobreviviam além dos 35 anos. "Essa imagem que temos de escravos mais velhos é coisa de Hollywood", explica o historiador Carlos Eurgênio Líbano Soares. No início do século XIX, um escravo custava em média 100 000 réis. Como comparação, uma casa pequena custava 1 conto de réis (o equivalente a dez escravos). Ao governo cabiam 5% de cada transação.

Mercado do Valongo - Rio de Janeiro, gravura de Debret (1820)

Os poucos desenhos e pinturas do Valongo mostram que os escravos normalmente não ficavam acorrentados. Não era necessário. Primeiro, porque a travessia do Atlântico, nos porões dos navios negreiros, era extenuante e eles desembarcavam desnutridos e doentes. Uma vez no Valongo, não tinham forças para tentar fugir. Depois, porque desconheciam a nova terra. Caso conseguissem escapar, não saberiam para onde correr nem onde se esconder. E, por fim, porque sabiam que se fugissem e acabassem capturados seriam impiedosamente dastigados. Curiosamente, a impressão incial que se tinha ao chegar ao Valongo era a de um lugar alegre. Os negros que ficavam expostos do lado de fora das lojas fazima batuques, batiam palmas, cantavam e dançavam os ritmos da África. Para os observadores desavisados, eles estavam felizes porque haviam saído do inferno que eram os navios negreiros. A impressão de alegria era ilusória. Na realidade, eles eram forçados pelos comerciantes, sob a ameaça de varas e chicotes, a exibir vitalidade. Dessa forma, valeriam mais.

Ruínas do Mercado do Valongo - Rio de Janeiro

Antes da abertura do Valongo, os navios negreiros desembarcavam sua carga na atual Praça Quize, no centro do Rio, justamente onde funcionavam as principais repartições públicas da colônia. Com o tempo, os burocratas começaram a ficar perturbados com as cenas degradantes do mercado de escravos. O cais do centro continuou funcionando depois da criação do Valongo, mas em mercadorias humanas. Portos do Nordeste também recebiam africanos, mas nenhum teve tanto movimento quanto o Valongo em seus 73 anos de funcionamento oficial. Após a proibição da importação de escravos, o cais seguiu recebendo cativos clandestinamente por alguns anos. Em 1843, as autoridades aproveitaram a chegada da mulher de dom Pedro II par erguer o Cais da Imperatriz em cima do Valongo. "Foi uma forma de apagar da cidade aquela chaga vergonhosa", afirma Tania Andrade Lima, a arqueóloga que conduz as escavações.

Fonte: Revista Veja, edição 2230, ano 44, nº 33, 17 de agosto de 2011, p. 126 e 128.