sábado, 9 de maio de 2009

O ENCONTRO ENTRE DOIS MUNDOS



No fim do século XV, navegadores europeus atravessaram o mar tenebroso, mais conhecido como Oceano Atlântico e chegaram ao continente americano, até então desconhecido na Europa. A colonização do novo continente, se deu sobre a ação dos conquistadores europeus, sobretudo, portugueses e espanhóis, associada a cumplicidade da Igreja Católica.

Estimulados pela atividade comercial e pela descoberta de novos territórios, esses aventureiros dos mares tinham um único objetivo -- procurar riquezas. Em 1492, um navegador genovês de nome Cristóvão Colombo, sai do porto de Palos, na Espanha, com as caravelas Pinta, Niña e Santa Maria. Em outubro do mesmo ano, Colombo desembarca na ilha de Guanahani (São Salvador), pensando ter alcançado às Índias. A chegada de Colombo a América abriu o continente americano (Novo Mundo) à conquista européia.

Esse episódio, segundo o historiador francês Pierre Chaunu, (...) contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do mundo de para a unificação do planeta. Entretanto, esse acontecimento irá estabelecer o encontro entre dois mundos completamente distintos. De um lado, encontramos um mundo marcado pelo eurocentrismo, historicamente triunfante, onde teremos como protagonistas desse encontro espanhóis e portugueses, que de forma direta e decisiva descortinaram o Novo Mundo para o deleite da 'velha Europa'. De outro lado, observamos as culturas indígenas, que através dos seus valores e costumes foram submetidos ao jugo do homem civilizado.

Por sua vez, a "descoberta" da América comprova não só a chegada dos europeus ao Novo Mundo, mas o início do genocídio perpetrado pelos conquistadores na terra recém-descoberta. Para os povos indígenas da América, a chegada dos invasores de além-mar não possibilitou descoberta nenhuma e sim a invasão de suas terras.

A palavara descoberta dentro do contexto histórico, foi uma idéia forjada pelo colonialismo europeu. Para o historiador Ronaldo Vainfas, (...) a linguagem do colonialismo triunfou em toda parte, inclusive nas idéias de defensor máximo dos nativos contra a cobiça dos conquistadores. A idéia de 'defensor máximo', é vista como um paradoxo, uma vez que o europeu menosprezou a diversidade e a legitimidade cultural das sociedades indígenas. Portanto, o relativismo cultural impregnado na visão do europeu, impediou o reconhecimento da densidade histórica das culturas ameríndias que habitavam o Novo Mundo em sua multiplicidade e complexidade. Como diria Darcy Ribeiro, (...) os invasores se lançaram sobre o gentio, prontos a subjuga-los pela honra de Deus e pela prosperidade cristã.

Ademais, os nativos, jamais, foram vistos pelos conquistadores, especialmente, Colombo, como seres humanos, mas sim como "objetos vivos de um cenário paradisíaco", observa Vainfas. Por não encontrar os metais preciosos (ouro e prata), que tanto desejavam os Reis de Castela e Aragão, o navegador genovês tratava os habitantes das Antilhas de animais, de monstros. Para se ter idéia da não aceitação dos índios como figuras humanas, basta observar que a Igreja Católica só irá reconhecê-los a partir do século XVI.

Esse menosprezo e preconceito pela cultura indígena, também é visível nas declarações de Hernan Cortez, onde chamavam os astecas de infiéis e os templos de Tenochtitlan (atual Cidade do México) de mesquitas, comparando-os a figura do mouro, antigo adversário dos espanhóis.

O etnocentrismo de Cristóvão Colombo, assim como de outros conquistadores que viam os silvícolas como "figuras estranhas", refletia a visão de que os europeus, além de serem escolhidos por Deus eram humanos e vinham para conquistá-los.

O encadeamento de processos que fomentou o descobrimento e a colonização do continente americano há mais de 500 anos foi marcado pelo encontro, desencontro e confronto entre a cultura européia e a indígena, violentamente derrotada e arrasada pelos invasores europeus. Logo, o Novo Mundo foi cenário de conflitos existentes entre dois mundos diferentes que resultou no genocídio generalizado dos ameríndios.

No conjunto de fatores que caracterizam a crise demográfica indígena na América, deve-se contudo aos efeitos danosos do sistema colonial ibérico, tais como: a introdução da monocultura do açúcar, do gado vacum e outros cultivos que de forma direta proporcionou a desorganização das atividades agrícolas dos índios; a superexplorção do trabalho indígena, seja através da mita ou do cuatequil (sistemas de trabalho forçado utilizado pelos espanhóis nas minas do Peru e do México), que provocou a escravidão (ou servidão) em ritmo e intensidade jamais visto na história humana; a ação dos missionários a perseguir e destruir os costumes e tradições dos povos indígenas, uma vez que para a"Santa Igreja", era necessário a cristianização, afim de acabar com as práticas diabólicas dos nativos.

A invasão européia na América foi uma das mais arrasadas da história ocidental, só tendo paralelo histórico com às invasões bárbaras no Império Romano e a dos muçulmanos na Península Ibérica.

De acordo com a visão européia dos séculos XV e XVI,a América é vista como algo obscuro, infernal. Como consequência dessa visão, os ameríndios foram submetidos á submissão para assegurar o domínio europeu sobre o novo continente. Ao contrário do que se possa imaginar, à conquista e a colonização da América se fez sobre o poder da espada (o colonizador) e da cruz (da igreja), para atender, assim, os interesses mercantilistas da época. " A espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem", enfatiza o poeta chileno Pablo Neruda.

Com os descobrimentos, da América (1492) e do Brasil (1500), foi implantado no Novo Mundo o modo de vida do europeu para sustentção da subserviência. Para realizar tal empreendimento,o conquistador europeu contou com o auxílio da Igreja Católica, que de forma decisiva contribuiu para garantir a dominação e destruição de inúmras culturas indígenas.

Por qualquer víeis que possamos analisar o contexto histórico da época (não na visão da historiografia oficial), parece explicável que as missões ou reduções, estabelecidas pelas Ordens religiosas, especificamente as que se estabeleceram no Brasil, colaboraram para o ajustamento do sistema de dominação. Dentro dos limites das missões, os religiosos, sobretuo, os jesuítas detinham o poder político e econômico em detrimento da Coroa Portuguesa. Essa ação causou para a Companha de Jesus a expulsão dos missionários, resultou no processo de aculturação, ou seja, modo de ser e de viver dos índios foram deformados. Portanto, o sistema de idéias e representações dos indígenas cristianizados passa a ser impregnados de valores e preconceitos do grupo social dominante.

Apesar do pensamento cristão da época questionar a injustiça que envolvia o processo de dominação das culturas indígenas, vejamos o que diz o pesquisador John Monteiro com relação ao sistema de dominação (colonizador/missionário) durante o período colonial: "... ao longo do segundo século da colonização portuguesa no Brasil, colonos e missionários empreenderam várias expedições para o interior do continente, destruindo aldeias indígenas, deslocando milhares, talvez centenas de cativos para as unidades de produção e missões dos brancos".

Como consequência do vazio demográfico deixado na história dos povos indígenas, Monteiro ressalta que "(...) os bandeirantes paulistas, as tropas de resgates da região amazônica e os 'discimentos' dos missionários concorreram para a devastação de inúmeros povos nativos". Assim sendo, ao ínido brasileiro foi imposto pelos colonizadores portugueses a cultura ocidental e o cristianismo do ocidente, encharcando os aldeiamentos.

Antes, os missionários foram exploradores do que tutores dos povos indígenas. O índio reagiu contra o sistema de catequese e escravidão, que os desenraizavam dos sertões para fixarem em núcleos de povoamento de estilo europeu: as missões.

Concomitante a isso, ver a América como uma criação da Europa, é observar a história pela ótica dominador, falseando a realidade histórica.

Antes da chegada dos invasores portugueses as terras brasileiras, os números relatios aos índios que aqui viviam eram cerca de 5 milhões de nativos. Hoje, esse número não ultrapassa de 330 mil índios. É visível, a situação de miséria e abandono em que vivem os índios no campo ou nas cidades. Fora do convívio tribal, eles passam a ingressar a fileira dos marginalizados e excluídos e passam a fazer parte da camada social mais pobre do país.

sábado, 2 de maio de 2009

ÍNDIOS E NEGROS: a luta de quinhentos anos

Às lutas do povo brasileiro teve início com o índio contra o invasor europeu. A cultua indígena foi desarticulada em nome da ideologia e da geopolítica das classes dominantes, fundamentada nos princípios mercantilista do século XVI.

Sob a luz espiritual da cristandade, a Igreja Católica facilitou a colonização européia servindo o índio ao opressor. Explicada pela visão dos vencedores, a colonização se fez necessária uma vez que, os primeiros brasileiros representavam o atraso. A ideologia dominante justificou o extermínio dos índios e a ocupação de suas terras "como necessário para o progresso do Brasil", enfatiza Júlio José Chiavenato.

Os gentios eram vistos como animais ferozes e praticantes da antropofagia. Para os índios, a antropofagia é vista como um rito mágico. Acreditavam que "comendo dos músculos de um lutador adquiria sua força ou comendo os pés de um bom corredor adquiria sua velocidade".
Antes da invasão dos europeus, eram cerca de 5 milhões de índios, hoje só restam aproximadamente 350 mil indígenas, submetidos ao jugo do homem branco. É sintomático, que uma historiografia servil ao poder, sem uma visão crítica dos fatos enalteça e glorifique os bandeirantes como heróis nacionais.

Capturados na África em guerras fraticidas e trazidos para o Brasil, o escravo africano foi "os pés e mãos" dos latifundiários. Para justificar a escravidão, a Igreja , a partir do século XVI decreta através da bula do Papa Inocêncio IV, que o negro não tem alma, portanto, passível de escravização. Através dos atos de dominação entre as etnias africanas para impedir que as mesmas se rebelassem contra seus senhores e passou a incutir nos cativos o conformismo.

Desejosos de liberdade, os escravos revoltaram contra a opressão de seus senhores. Para os que ameaçavam a sociedade, as classes dominantes jusficaram à tortura e a repressão como meios de coibir as revoltas negras, como ocorreu com o esmagamento de Palmares. Portanto, temendo ver destruído todo sistema econômico e social, os "homens bons" para garantir o desenvolvimento das práticas colonialistas procuraram alija-los do processo. É evidente que durante os três séculos de escravismo no Brasil, os castigos físicos e a violação das negras escravas eram frequentes. Na verdade, a negra sempre "serviu de pasto para o ardor sexual" dos senhores de terras de alguns padres. Dessa violação gerou-se filhos mulatos, apesar do "aborto forçado pelas mães negras, que não legaram filhos à crueldade branca",observa Chiavenato.

A abolição da escravatura (1888) preservou o mito de que a História é feita pelos "grandes homens". Apesar da liberdade, o negro não foi absorvido como força de trabalho pela nova sociedade que surgia. Fora substituído pelo trablho do imigrante europeu. Com a abolição o africano deixou de ser "peça de ébano", como era tratado, e passou ser negro. Assim como, o índio foi considerado "preguiçoso", negro foi visto como uma mancha na constituição do povo brasileiro.
Segundo Nina Rodrigues, "A Raça Negra no Brasil, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo". Já Sílvio Romero enfatiza: "A vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá, no porvir, ao branco". É com esse discurso etnocêntrico que se elaborou uma campanha para estigmatizar o negro do processo histórico. Portanto, é necessário, que as Ciências Humanas adquiram uma reelaboração e um repensar da história, em busca de um processo metodológico mais rigorosso. Não devemos deixar que esse repensar siga o caminho alienante que alguns teóricos percorreram provocando um verdadeiro anacronismo.

Em síntese, a miopia colonizadora e a visão tradicional de alguns historiadores não foram capazes de apreender o processo de desenvolvimento social do ser humano, isto é, explicar o papel das três "raças" como agentes do contexto histórico. Enquanto não reconhecer como grupos humanos, que se tente resgatar verdadeira historicidade. Assim, as lutas do povo brasileiro tem importância ímpar na história do Brasil.

CANUDOS: o desafio da miséria II

Canudos representa o conflito entre o bem e o mal. Antônio Conselheiro estava isento de partidarismos, procurou mostrar algo por trás da face do homem do campo, preocupado com a realidade social existente, cuja imagem foi distorcida e difamada pelas elites dirigentes.

No sertão nordestino, a luta do sertanejo era a única forma de modificar essa intensa contradição. Conselheiro, expressava o desejo, a busca do arraial de Canudos por redenção, justiça e liberdade. Suas pregações religiosas, fundamentadas nos textos sagrados da Santa Escritura é superada pelo discurso politico-social inflamado. Conselheiro deixou uma péssima impressão nas autoridades políticas e nos proprietários de terras. As classes poderosas temiam as revoltas, porque elas poderiam colocar em "questão" as bases de sustentação do seu poder: latifúndio, servidão e submissão.

Pragmático, o "velho beato" usa a religião para levar a comunidade à ação. Transformação essa, engajada por idéias políticas e sociais. Antônio Conselheiro estabeleceu uma política apoiada no trinômio: oração-trabalho-disciplina. Preso a um relativo messianismo, Conselheiro acreditava no surgimento de uma era de plena felicidade espiritual e social.

O movimento de Canudos, aborda a problemática social existente na época, expondo a anatomia da sociedade nordestina. Que nos revela um país e uma região dominada pelas idéias políticas das elites. Evidencia a distância entre o sonho (a posse da terra) e a realidade (opressão e miséria). Canduos foi o primeiro grito pela reforma agrária. Antônio Conselheiro era a voz que clama no sertão, que denuncia o preconceito social e a máquina burocrática do governo republicano.

O governo afastava-se cada vez mais das massas, principalmente, da massa rural. Conselheiro era contrário a escravidão e ojeriza contra a Igreja Católica. Considerado como doente mental e simpatizante da monarquia, Conselheiro foi capaz de dominar e vencer generais em quatro expedições militares. Canudos fora antes de tudo, o partido dos oprimidos numa região onde a classe política se fazia ausente.
Euclides da Cunha, correspondente de guerra do jornal "O Estado de São Paulo" e autor de "Os Sertões", apresenta Antônio Conselheiro como um ser doentio e transmite em sua obra uma forte impressão da realidade. Se não tivesse mergulhado no etnocentrismo, talvez seu trabalho literário servisse como instrumento de denúncia social. Mas, Euclides foi um homem do seu tempo. O erro do jornalista foi não ter se comprometido da defesa da massa campesina, mas ter ficado preso ao posivitismo republicano. Suas idéias não tiveram o propósito de uma literatura empenhada no engajamento social, "no registro objetivo e simples da realidade brasileira", visível em "Triste Fim de Policarpio Quaresma" de Lima Barreto, publicado em 1915, destacando os contrastes e as desigualdades sociais de dois "Brasis", o rico e o pobre.

Ele, Euclides, não transpõe para as páginas da sua célebre obra, o cotidiano dos camponeses, a burocracia e a política da época. Esqueceu de questionar o mandonismo dos "coronéis", senhores do poder político-econômico e responsável pelo modo de vida de milhares de sertanejos. Ao caricaturar o "velho beato" e o sertanejo, descreve um velho asceta e um bando de fanáticos atordoados a sua volta. Procurou observar as práticas de devoção e penitências, a vida contemplativa. Porém, não viu Conselheiro, como um ser político, capaz de questionar a ordem vigente. Captada em diversos níveis, a vida cotidiana do sertanejo foi ridicularizada, visto como famintos vivendo num ambiente infecundo e precário.

Na comundiade do Belo Monte, como era chamada Canudos, agitam-se as várias camadas da população sertaneja: escravos, ex-escravos, trabalhadores rurais, ex-soldados, vaqueiros, donas de casas etc. O conjunto dessas pessoas forma uma sociedade igualitária contra as condições imposta pelo governo republicano, pelos proprietários rurais e pelo Clero. A imprensa traça um vasto painel da sociedade sertaneja de Canudos a partir do retrato impiedoso de um velho beato, louco e anti-republicano com seus aspectos repugnantes e grotescos. Rui Facó, em sua obra "Cangaceiros e Fanáticos", descreve a visão do jornal "O País", do Rio de Janeiro, a respeito do Conselheiro: "(...) E o testa-de-ferro asceta (Antônio Conselheiro) tem em torno de si criminosos de todos os Estados e malfeitores de toda ordem, e com eles arrebata fazendas, estabelecimentos rurais, grandes propriedades, abrigando nelas a sua gente depois de trucidar os donos e suas famílias".

O sertanejo esperava surgir nesse sertão devastado um salvador da pobreza, um D. Sebastião, por isso elege o "velho beato" como guia e redentor. Aquele que imbuído e uma "religiosidade singular" e um "messianismo fanático" seria o porta-voz dos oprimidos.

Na poeira, no sol forte e escaldante, e, na inóspita caatinga nasceu o ódio ao Conselheiro e sua gente. A "matadeira", termo utilizado pelos sertanejos aos canhões do Exército, surge para derruba-lo. Ao terminar 1897, o governo republicano podia orgulhar-se da notável vitória. Acabava a "revolução dos fanáticos", Canudos cai sob terra.

O pensamento de Darcy Ribeiro expressa o verdadeiro motivo, pelo qual era necessário destruir Canudos. "Os ensinamentos de Antônio Conselheiro pregava uma ordem social nova, sem fazendeiros, sem autoridades". As elites brasileiras temiam que às sementes desse ensinamento germinassem em outras regiões do país. A ordem era aniquilar com o arraial.

Destruir Canudos era uma "questão de honra", o acabou acontecendo, em 5 de outubro de 1897, após um verdadeiro genocídio. Designar a "Guerra de Canudos" como um levante feito por simpatizantes da Monarquia, equivale ver a História a partir do ponto de vista do dominador. Esse procedimento caracteriza-se num estilo de compreensão e análise dos fatos históricos sempre pautado na ótica da historiografia oficial.

CANUDOS: o desafio da miséria I

Antônio Conselheiro 

O final do século XIX foi marcado por um dos mais importantes movimentos sociais pela luta da posse da terra no Brasil. Época onde o país era "constituído por vários brasis".

Às margens do Rio Vaza-Barris, no sertão baiano, surge das ruínas de uma velha fazenda a comunidade do arraial de Canudos. Era uma sociedade moldada no 'comunismo primitivo' (segundo a visão de alguns historiadores), onde a produção era coletiva, não havendo a exploração do homem pelo homem. Lá, não havia fome e desemprego. Liderado pelo "beato" Antônio Conselheiro, milhares de sertanejos migravam para a comunidade do Belo Monte em busca de melhores condições de vida. Para àqueles desesperados ele era a voz da esperança, observa Rui Facó.

Nesta sociedade igualitária, os sertanejos se consideravam membros de uma comunidade, cujo trabalho é o fio condutor pára as relações sociais. Em Canudos não havia uma diferenciação entre ricos e pobres, e nem uma estratificação social. A relação entre o sertanejo e a terra tinha uma dimensão sagrada e não era vista como um recurso meramente econômico.

Para os latifundiários, a grande extensão de terra significava riqueza, poder econômico. Para os sertanejos, a posse da terra significaria, ser homens livres, isto é, longe do julgo das elites agrárias. Talvez, o interesse de Antônio Conselheiro fosse o de não representar os interesses das classes dominantes e sim representar o anseio e os interesses de todos os membros da comunidade. Portanto, o sentiimento anti-republicano expresso nas idéias do velho beato, nos possibilita observar que a ideologia dominante não deveria ser vistas como as "únicas racionais e válidas".

As idéias de Antônio Conselheiro provocaram nas elites brasileiras uma reação de repúdio e de aversão aos habitantes de Canudos. O arraial do Belo Monte seria o caos, diziam os senhores rurais. Do ponto de vista das elites agrárias, Canudos poderia colocar em ruína muitos senhores de terra, uma vez que o trabalhador rural necessário em suas fazendas estava desviando-se par a "Jerusalém brasileira". Antônio Conselheiro, incitava no povo campesino idéias de justiça. Pelas suas andanças no sertão nordestino, Conselheiro pode observar que os sertanejos poderiam transformar a sua realidade.

Percebendo que era possível alterar às condições de vida da classe camponesa, o 'velho beato' viu que era necessário modificar a ordem social existente para transformar em uma sociedade mais justa, onde não houvesse o poder político-econômico dos poderosos interferindo nos interesses da coletividade.

Preso a um forte misticismo e calcado no mesianismo e no sebastianismo (crença segundo a qual, acreditava-se na volta do rei português D. Sebastião morto pelos mouros em 1578, e que voltaria para salva-los da opressão, trazendo-lhesa redenção), Antônio Conselheiro procurou fazer de Canudos um movimento pela luta da terra e não um, especificamente, movimento religioso. A religiosidade deve ser observada como instrumento para obtenção da terra.

No sertão nordestino, havia o antagonismo entre as classes existentes. O conflito entre a classe que explora e a que é explorada, evidencia a expressão de lutas entre as classes sociais. No entanto, Canudos foi um conflito entre os possuíam terras e aqueles que não tinham.

A idéias de não pagar impostos e a queima dos editais de cobrança em via pública provocaram uma reação no governo republicano, que busca nesta desobediência um subterfúgio para combater Antônio Conselheiro. O não pagamento dos impostos implicaria prejuízo ao erário público estadual e federal. O ato de desobediência civil do 'velho beato', causou a ira nas autoridades. Tal atitude foi considerada uma afronta ao novo regime. Seu discurso era uma crítica mordaz ao autoritarismo paternalista das elites brasileiras. Para as autoridades políticas, Canudos era visto como uma vergonha nacional, um mal que deveria ser extirpado.

Considerado como místico, louco e monarquista, Conselheiro era tido como profanador de idéias subversivas. Para o 'velho beato', o monopólio da terra nas mãos de um minoria signficava a escravidão, o atraso e a degradação dos sertanejos.

Para o governo republicano não haveria porque a sociedade, sobretudo, Canudos discutir política, de opinar sobre a direção do país. Caberia a ela, aceitar os "valores democráticos" do governo sem o direito de questiona-los. Na história da humanidade perpassa a idéia do governante superior. Contudo, a opressão e a miséria, ainda latente e enquadrada nas comunidades campesinas era fruto do centralismo autoritário do presidente Prudente de Morais (1894-1898).

Era evidente no Brasil da época, uma dicotomia existente na sociedade brasileira. De um lado, encontra-se um Brasil rústico, interiorano e rural, inteiramente atrasado, um país mergulhado na pobreza, na fome e na miséria. Do outro lado, um Brasil urbano, burguês e integrado ao capitalismo agrário e ao modismo europeu. As massas de sertanejos que compunha a comunidade de Canudos e que viviam interiorizadas nos lugares mais longínquos desse país, encontravam-se marginalizados pelo progresso da sociedade urbana-litorânea, onde o capital acumulado promoveu o desenvolvimento e a urbanização dos grandes centros.

A massa rural sempre esteve sob o domínio político-econômico das elites agrárias. Há bastante tempo que a política dos Estados é a política dos "coronéis", portanto, o sertão baiano não estava longe desta realidade.

Para destruir Canudos foi necessário quatro expedições militares, composta por cerca de 11.000 soldados, provenientes das forças federais e estaduais. Assim sendo, o governo procurou asfixiar a voz dos opositores e impedir a reação revolucionária dos conselheiristas.

No centro do Arraial surge a palavra liberdade, gravada com o sangue do sertanejo. Canudos não foi uma sublevação de camponeses, foi antes de tudo o desafio de milhares de camponeses que lutaram contra a miséria, a fome e a servidão imposta pelas elites dirigentes. Segundo Conselheiro, a República significaria outra forma de cativeiro para o povo.