sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Olimpíadas: Esporte e Poder


Claudio Recco*

Introdução
A Grécia Antiga deixou para toda humanidade, principalmente para o mundo ocidental, um dos mais expressivos legados culturais da história, com destaque para filosofia e dramaturgia. Outro aspecto que se desenvolve na sociedade grega é o esporte, pois até então, os exercícios executados pelo homem eram involuntários, em busca da caça para sobrevivência. 


O lema do atletismo “mais rápido, mais alto e mais forte” (“citius, altius e fortius”), representado pela trilogia correr, pular e arremessar, foi criado pelo padre Dére Didon em 1896, mas surgiu bem anteriormente, por volta de 776 a C. entre os jovens e soldados gregos, para desenvolver as habilidades físicas e criar competições. Os gregos iniciaram o culto ao corpo e, em homenagem a Zeus, inauguraram os Jogos Olímpicos.
Para os gregos cada idade tinha a sua própria beleza e a juventude tinha a posse de um corpo capaz de resistir a todas as formas de competição, seja na pista de corridas ou na força física. A estética, o físico e o intelecto faziam parte de sua busca para perfeição, sendo que um belo corpo era tão importante quanto uma mente brilhante.
Apesar de falarem a mesma língua e de terem unidade cultural, os gregos antigos não tinham unidade política, encontrando-se divididos em cidades-estado, ou seja, cidades com governos soberanos que, a cada quatro anos se reuniam num festival religioso na cidade de Olímpia, deixando de lado suas divergências.

Origem dos jogos

Originalmente conhecidas como Festival Olímpico, faziam parte dos quatro grandes festivais religiosos pan-helênicos celebrados na Grécia Antiga e eram assistidos por visitantes vindos de todas cidades-estado que formavam o mundo grego. Sediado na cidade de Olímpia, o Festival era muito antigo, mas foi a partir de 776 a C. que passou a ser feito um registro ininterrupto dos vencedores. 
Os primeiros jogos limitavam-se a uma única corrida com cerca de 192 metros. Em 600 a C., foi erguido o templo de Hera (esposa de Zeus), onde passaram a ser depositadas coroas de louros para os campeões e o estádio ganhou tribunas de honra e a cidade um reservatório de água.
Até 472 a C. as provas eram realizadas num único dia, sendo que apenas os cidadãos livres poderiam competir, além da participação feminina ser proibida. Os atletas que infringiam as regras estabelecidas eram multados rigorosamente, sendo que da receita das multas eram erigidas estátuas de bronze a Zeus. Os vencedores recebiam uma palma ou coroa de oliveira, além de outras recompensas de sua cidade, para a qual a vitória representava grande glória.
O caráter festivo dos jogos foi alterado a partir da segunda metade do século V a C., quando a rivalidade entre as cidades, principalmente entre Esparta e Atenas, resultou numa guerra civil conhecida na história como Guerra do Peloponeso; o mundo grego estava mais do que nunca esfacelado e enfraquecido. Na Grécia antiga, a cada quatro anos declarava-se uma trégua nas guerras, a fim de que a população pudesse participar dos jogos de Olímpia, competição que originou os modernos Jogos Olímpicos, e que eram realizados em honra de Zeus;


Durante o Império Romano, as modalidades de combate foram mais valorizadas e apesar da sobrevida, os Jogos Olímpicos acabaram juntamente com a antiga cultura grega, tendo sido banidos em 393 pelo imperador cristão Teodósio, possivelmente por suas práticas pagãs.

Retomada
Tolerância, fraternidade e igualdade: foi com esses ideais em mente que, em 1892, o barão Pierre de Coubertin apresentou à comunidade esportiva internacional a idéia de ressuscitar os Jogos Olímpicos. Na Grécia antiga, os jogos da cidade sagrada de Olímpia enfatizavam que competir sem vencer equivalia a desonra suprema. As corridas, as lutas, os saltos e os lançamentos de disco e de dardo serviam como a coroação da superioridade do indivíduo, oferecida em homenagem ao deus Zeus.
No entanto, na sociedade contemporânea, embora mantenham como ideal o congraçamento entre os povos, os Jogos Olímpicos têm sido palco de manifestações de conflitos políticos. Em abril de 1896, depois de 15 séculos de interrupção, as Olimpíadas voltaram a ser realizadas, com a participação de 311 atletas de treze países.
Ao contrário do que ocorreu na antiguidade, as guerras não foram suspensas e os conflitos políticos e militares entre as nações afetaram as Olimpíadas ao longo do século XX.
Os Jogos Olímpicos de Londres em 1908 foram marcados por disputas políticas. A Rússia conseguiu que a bandeira da Finlândia não fosse hasteada quando foram entregues as medalhas para o país, pois alegavam que a Finlândia era sua possessão.
Na cerimônia de abertura dos Jogos, o porta-bandeiras dos EUA James Sullivan, nascido na Irlanda e naturalizado norte-americano, recusou-se a prestar reverência à família real em um protesto contra o domínio inglês em seu antigo país.
Em 1932, os Jogos de Los Angeles foram duramente afetados pela depressão econômica que atingia grande parte do mundo, após a quebra da Bolsa de valores de Nova York. No ano em  que o presidente Roosevelt elaborou o New Deal, para a recuperação da economia, mas que teve seus efeitos percebidos nos anos subseqüentes.

As Guerras
Nos anos de 1916, 1940 e 1944, os jogos não ocorreram devido as Grandes Guerras. Terminada a Primeira Guerra Mundial, a Olimpíada seguinte foi realizada na cidade de Antuérpia e não contou com a participação da Alemanha e de seus aliados no conflito que terminara, pois não foram convidados para o evento como parte das punições do pós-guerra. Situação semelhante ocorreu em 1948 (Londres), com o banimento de Alemanha, porém Japão e Itália foram convidados, mas os orientais não compareceram.
Os Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, tornaram-se, para muitos, o exemplo emblemático dos esforços dos nazistas para comprovar a superioridade dos arianos, glorificando a força física, a saúde e a pureza racial dos alemães. No entanto, esse mito nazista de superioridade da "raça ariana" foi derrubado pelo negro norte-americano Jesse Owens, vencedor de quatro medalhas de ouro nessa Olimpíada.
A política internacional teve grande impacto nos Jogos de Melbourne, em 1956. Alguns países árabes como Egito, Iraque e Líbano não participaram do evento devido à guerra árabe-israelense, após a nacionalização do Canal de Suez. Holanda, Espanha e Suíça boicotaram os Jogos como protesto pela intervenção do Exército soviético na Hungria. A China Popular abandonou os Jogos para evitar competir com Taiwan.
Guerra Fria
O clima de “Guerra Fria”, apresentada como a disputa internacional entre os blocos capitalista e socialista, liderada por Estados Unidos e União Soviética, apresentou situações distintas; em 1956 as duas “Alemanhas” desfilaram e competiram sob a mesma bandeira, como uma única nação. Em 1949 as zonas de ocupação dos países ocidentais foram transformadas na República Federal da Alemanha capitalista), enquanto que a zona sob influência soviética tornou-se a República Democrática Alemã. Na época ainda não existia o muro de Berlim, construído 6 anos depois das Olimpíadas.
Um certo clima de cordialidade ainda existiu em 1960, em Roma, quando na cerimônia  de encerramento os atletas dos Estados Unidos e da União Soviética trocaram os uniformes e caminharam juntos no estádio Olímpico. Nesse ano, a África do Sul fez sua última aparição antes de ter sua participação interditada por 32 anos devido à política do apartheid.
A Guerra Fria também produziu o efeito inverso, com o boicote dos Estados Unidos e de outros países ocidentais aos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 – primeira olimpíada organizada por uma país comunista – por conta da invasão soviética no Afeganistão. Em 1984 foi a URSS e 16 de seus aliados que boicotaram os jogos de Los Angeles dos Estados Unidos. Mas isto não impediu um recorde de participações, com representação de 140 países, entre eles China, que voltou depois de 32 anos de ausência.

1968
Duas semanas antes da abertura dos Jogos Olímpicos na Cidade do México, os primeiros na América Latina, aproximadamente 10 mil estudantes ocuparam a Plaza de lãs Três Culturas para protestar contra a presença de soldados nas Universidades públicas e foram violentamente reprimidos numa ação que matou cerca de 300 pessoas. O presidente do COI, o americano Avery Brundage, considerou o problema "problema interno". Durante as competições os atletas estadunidenses Tommie Smith e John Carlos, primeiro e terceiro colocados nos 200 m, subiram ao pódio e, ao som dos primeiros acordes do hino dos Estados Unidos, abaixaram a cabeça e ergueram o punho cerrado com luvas pretas, no gesto de luta tradicional do movimento negro “black power”, diante de milhões de espectadores de todo o mundo. Foram expulsos da delegação dos Estados Unidos, apesar de conservarem suas medalhas.

Munique
No dia 5 de setembro de 1972 um grupo de terroristas invade a Vila Olímpica, mata dois e toma nove integrantes do restante da delegação de Israel como reféns. Assim começou o mais trágico episódio dos Jogos Olímpicos. Membros de um grupo  denominado "Setembro Negro", os seqüestradores queriam a libertação de 236 palestinos presos em Israel, além de um avião para fugir da Alemanha.



A resposta irredutível do governo israelense levou os governo alemão a buscar negociações ao mesmo tempo em que procuraram organizar uma ação armada para o resgate dos reféns. A emboscada preparada pela polícia alemã no aeroporto Fuerstenfeldbrueck foi descoberta pelos terroristas que explodiram um avião e mataram todos os reféns. Cinco terroristas, um atirador de elite e um piloto de helicóptero também morreram após a troca de tiros. O incidente provocou a paralisação dos Jogos por 34 horas. Alguns países, como a Holanda e a Noruega, abandonaram a competição.

O “fim da Guerra Fria”
Em 1988, as olimpíadas ocorreram em Seul, na Coréia do Sul e apenas 6 países boicotaram o evento, em solidariedade á Coréia do Norte. Quatro anos depois, na cidade de Barcelona, a Alemanha unificada competiu com uma única equipe e as quinze repúblicas da antiga União Soviética participaram sob a bandeira da CEI (Comunidade de Estados Independentes)


Claudio Recco é o coordenador do HISTORIANET
Esse texto é parte do livro História em Manchete – no vestibular, editado em 2008

Fonte: www.historianet.com.br

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Por Heloneida Studart
Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo.

Bete fora acusada de não ser mais virgem e os dois irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.

Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal de sua casa, para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou “vestígios himenais dilacerados” e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor para “se esquecer do mundo”. Esqueceu, morrendo tuberculosa.

Estes episódios marcaram para sempre a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres. Antes, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos.

Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram os seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais.
Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem a moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens. E, com isso, Barbies de fancaria, provocaram em muitas outras mulheres – as baixinhas, as gordas, as de óculos – um sentimento de perda de auto-estima.

Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo.

Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico, tão bem representado por pistolas, revólveres, punhais.

Ninguém diz, de uma mulher, que ela é espada. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto.

Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos.
É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam lata d’água e trouxa de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram crianças. Ao seu dorso que engrossou, porque ela carrega o país nas costas.

São mulheres que imporão um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer a ternura de suas mentes e corações. Viva Rita Lee, que canta: “nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda e meu peito não é de silicone… sou mais macho que muito homem”.

Heloneida Studart (1932-2007) – Escritora, ensaísta, seis vezes deputada estadual pelo PT-RJ, jornalista e teatróloga cearense

segunda-feira, 22 de agosto de 2011


Por Márcio de Lima Dantas
(Professor de Literatura Portuguesa da UFRN, ensaísta e tradutor).

A estátua do ex-governador Dix-Sept Rosado Maia ergue-se no centro da cidade de Mossoró (RN), na praça vigário Antônio Joaquim, conhecida pela população como “praça do Cid”. Antes havia um busto dedicado ao sacerdote que nomina o espaço; hoje, essa pequena estátua de bronze foi transferida para o lado direito da catedral de Santa Luzia. O traçado inicial da praça foi modificado inúmeras vezes, exceto no que diz respeito à estátua, que permaneceu intacta, e sempre no mesmo lugar.

Procuraremos demonstrar neste trabalho as interações dos diversos elementos constituintes do conjunto escultural de granito e bronze. Os monumentos erigidos por determinada sociedade a seus mitos, fundadores, heróis ou eventos históricos não apenas detêm um discurso por meio de suas formas organizadas, a partir de uma sua própria lógica interna, mas, sobretudo, vivem através dos arquétipos que estão presentes e rememorados, propagando representações, sedimentando ideias, reforçando estruturas, que é o que podemos chamar de imaginário de uma cidade. Esse contorno de mitos, temas recorrentes, constelações de imagens, contém, em sua morfologia e sintaxe, sentidos latentes, ultrapassando de longe os signos empiricamente reconhecíveis. Dizem sem falar, repousando seus olhos sobre o cotidiano da cidade. Veem mais do que são vistos pelos apressados transeuntes que cortam a praça, trecho obrigatório de passagem.

O corpus a ser utilizado neste trabalho é unicamente a estátua do ex-governador Jerônimo Dix-Sept-Rosado Maia (1911-1951), um dos 21 filhos de Jerônimo Rosado e Isaura Rosado Maia. Prefeito de Mossoró (1948), governador do Rio Grande do Norte (1950). Cinco meses após sua posse, faleceu num acidente de avião, próximo à cidade de Aracaju. Concluiu apenas o antigo curso ginasial. Reputado como empreendedor ousado e administrador, pessoa pragmática e vinculada à ação, diz-se que com dezessete anos já gerenciava empresas da família (do ramo do gesso). Seus pendores estavam circunscritos a um âmbito semântico tradicionalmente masculino: esportes náuticos, mecânica, marcenaria e aviação. Quando prefeito de Mossoró, empreendeu projetos na área de infraestrutura: estradas, barragens e escolas Inscreveu seu nome na história da cidade como pessoa de ideias avançadas para a época. Na área da cultura, criou o Museu Municipal e a Biblioteca Pública.

Consideraremos a informação de que ao mito estabelecido significações complementares, reforçadoras e reprodutoras das instituições políticas e culturais (costumes, tradições, maneiras de ser, etc.), ao longo do tempo, vieram colar-se a isso Gilbert Durand chama de imperialismo mítico. Imagens, símbolos e metonímias encostam-se à metafora de base a que está subordinada a imagem. Quer dizer: o herói civilizador, com seus atributos do poder, atrai por meio de sua força simbólica outros elementos, que vão se adicionando ou se engendrando na paisagem ao redor. A lógica e a força simbólica do mito dispensam a realidade empírica, quer dizer, permanecem como um espaço, alimentando-se com o tempo de signos que reforçam suas energias. Trocando em miúdos, a representação traz em si a necessidade da forma, porém é também seu conteúdo. O meio não é a mensagem? Se começarmos, por exemplo, pelos materiais de que ela foi feita. O granito e o bronze são materiais feitos para durar, permanecer, conquanto detentores de um manancial simbólico capaz de alimentar muitas gerações.

Ao longo do tempo, a chamada “praça do Cid” foi-se constituindo em um superdiagrama da polis. Do conjunto escultórico, irradiam-se linhas semânticas para as quatro direções. Em contrapartida, os símbolos que constituem uma cidade, suas instituições e imagens foram se arrumando em torno da estátua, reforçando e confirmando nossa tese inicial de que o conjunto escultórico e suas adjacências organizam múltiplas formas do imaginário da gente de Mossoró.

Podemos fazer um breve passeio pela praça na qual está a estátua para ver o que podemos encontrar de paradigmas organizadores da vida social. Esclarecemos que o sintagma agora considerado, para efeito de nossa demonstração, não é mais a estátua, mas a cidade em sua totalidade.

Do lado esquerdo, encontra-se o prédio do Poder Legislativo municipal, a Câmara do Vereadores (alojado atualmente no que fora durante muito tempo o melhor hotel da cidade). Ora, os que estão hospedados num hotel estão de passagem, como a maior parte dos vereadores, que quase não consegue se reeleger. E também a mais famosa livraria da cidade. Um pouco ao lado, a Coletoria Estadual, responsável pela coleta e pelo controle dos impostos. Do lado direito, o Banco do Brasil, o principal e mais conhecido banco público. Atrás, o cinema e teatro, simbolizando a cultura. Finalmente, a estátua está em frente à catedral de Santa Luzia, marcando o lugar da mais importante religião (atrás da igreja, encontra-se o Mercado Público). A maior parte das instituições que constituem a fisionomia da polis orbitam em torno do conjunto escultórico, como a significar que fazem parte de um mesmo conjunto de sentidos e pragmáticas. Com efeito, a estátua é o centro de uma simetria radial de atividades mentais da cidade, uma poderosa força centrípeta que contamina e atrai para seus arredores signos que a legitimam e revigoram seus arquétipos, confundindo história e mito. Ou, como disse muito bem Gilbert Durand: “A história e os seus documentos vêm deitar-se no leito eterno das estruturas mentais”.

Em suma, o pensador francês nomina esse complexo simbólico síndrome do gládio. Tal área semântica lança seus vetores em direção às coisas que dizem respeito ao imóvel, ao sólido, ao rígido, na medida em que sua signância tem sempre a ver com discernir e separar, refratando tudo o que tem relação com o intuitivo e com o movente (remetem ao universo do noturno e do feminino). Ora, a figura do governador e sua constelação de signos seria a própria razão ordenadora, na medida em que, como elemento civilizador, pleno de índices cristalizando-se em torno do universo masculino, trouxe avanços em vários campos da cidade. De outra parte, é curioso constatar a exata simetria bilateral do monumento. Ora, sabemos muito bem, e na pele, que nunca houve, tampouco haverá, regularidade nem muito menos simetria na condição humana. Até parece que o conjunto arquitetônico deseja ordenar a realidade, a história, sugerindo uma moral, uma determinada forma de ser.

Para não estender conversa, o monumento, de resto, se constitui em um grande reservatório de figuras pertencentes à paisagem mental da cidade. A coerência de todas as imagens, na medida em que constatamos que todas estão submetidas ao mesmo regime diurno, segundo a classificação de Durand, discorrem sobre o pensamento contra as trevas, da animalidade e de Cronos, o tempo mortal. Símbolos ascensionais por excelência, sintetizados na figura heróica do lutador erguido contra as trevas e contra o abismo. Em suma, signos solares, congregados no entorno da imagem do governador: a virilidade, representada na pose hierática e vertical, sobretudo no símbolo por excelência do falo, da masculinidade, aqui, no nosso caso, simbolizado pelo canudo que porta na mão. Por sua vez, evoca o bastão dos reis e imperadoras, atributo-símbolo da autoridade constituída. O gigantismo já foi explicado.

Cemitério de São Sebastião: excursus

Gostaria de chamar a atenção para o espantoso paralelismo entre o jazigo do governador Dix-Sept-Rosado no cemitério São Sebastião[1] e outros monumentos funerários dos indigitados grandes homens da humanidade. O sepulcro do governador retoma uma tradição da arte funerária associada aos grandes homens e heróis da pátria. O túmulo de mármore e produz, quase ipsis literis, o estilo do túmulo de Napoleão Bonaparte[2] e de seus generais, que se encontram na Igreja do Dôme, nos Inválidos, em Paris. Em Florença, na Itália, os túmulos da Capela dos Medicis[3] também obedecem a esse estilo. São urnas funerárias formadas quase por uma só pedra esculpida, retomando a tradição egípcia do sarcófago de pedra externo formado por apenas duas peças, num despojamento estilístico que parece querer resguardar a preciosidade de seu conteúdo.

Despojada, solenes, elegantes e de uma simplicidade clássica[4], essas urnas funerárias evocam de imediato a importância do morto. São quase abstratas: normalmente predominam linhas curvas circunscritas a um retângulo-paralelepípedo. Esse tipo de escultura tumular, imitando um caixão de defunto em suas formas, sugere ao espectador o silêncio, a contrição e o respeito pelo morto, na medida em que não existe nenhum elemento que desloque a visão para outra coisa que não a própria pedra esculpida em que dentro se encontram os restos mortais. Via de regra, são talhadas em pedras nobres, como o mármore negro, o pórfiro ou o alabastro. Ora, é inútil remarcar que tudo o que é abstrato, no universo da arte, se constitui em sugestão mais difícil de definir, sendo mais complicado para encontrar-se o significado que encaixe sobre o significante que está diante dos sentidos que o fruem. Tomemos apenas um exemplo da música, a forma de arte mais abstrata. Se compararmos o Concerto de Brandenburg n° 2 en Fa maior de Bach, com a Bachianas n° 5, de Villa Lobos, veremos quanto não é difícil saber que a segunda sugere estados anímicos assemelhados ao luto e à melancolia – dificilmente um ouvinte a associaria à alegria – , enquanto o primeiro, por lidar com acordes e harmonias não miméticas, digamos assim, adentra por áreas de nossa psicologia mais profunda, causando estados de indefinição, pois não conseguimos precisar de que se trata; sabemos apenas que a música adentra por regiões desconhecidas.

Outro signo bastante eloquente portador do sinete da importância do defunto é o lugar onde se encontra o túmulo. O cemitério é cortado por dois eixos em forma de cruz, dividindo-o em quatro partes. A pequena capela neogótica, cujo orago é S. Sebastião, se situa exatamente onde as duas linhas se cruzam. O túmulo fica numa das quinas das duas linhas, lugar de passagem dos transeuntes. Está exatamente no coração da cruz latina, evocando os sentimentos cristãos do governador, e quase obrigando os passantes a mirarem a belíssima pedra negra com o mapa do estado do Rio Grande do Norte ao fundo.
De outra parte, a morte do governador também é muito rica de significações reforçadoras do mito do herói. Morreu de uma morte moderna: como “gente rica” morre, de um desastre de avião, e, claro, só os ricos têm acesso a esse tipo de morte. Tipo de morte que retira, em parte, o trágico daquele que sofreu muito para morrer. É uma morte quase ascéptica. Estava num “pássaro de ferro”, estava no cimo, no alto, no céu, elementos que integram áreas do regime diurno.

Conclusões: a cidade e sua caprichosa letra

A cidade de Mossoró, como qualquer outra, escreveu sua própria caligrafia, deitando índices na geografia da cidade. Ao aceitar o presente ofertado pela cidade de Ceará-Mirim[5], que construiu o sóbrio monumento escultórico em homenagem ao ex-governador do estado Dix-Sept Rosado, filho da terra, caprichou na feitura das letras e dos números, revelando numerosos aspectos presentes em seu imaginário. A gravidade aparente da figura de bronze, expressa pela ausência de movimento em sua totalidade, especialmente no alto hieratismo do personagem principal, permanece como um dos atributos das outras estátuas: o silêncio e a não necessidade de se explicar, de se justificar. Queda-se no espaço sem talvez mesmo demandar uma deferência. De outra parte, esse silêncio detém um discurso pleno de idiossincrasias, inerentes a uma classe social e comprometidas com a reprodução do status quo. O silêncio da estátua, tão cantado pelos poetas em todas as épocas, aqui não serve, nem que se queira, para decalcar uma metáfora circundadora do indiferente contemplador do destino, das coisas que passam (e só ela quedando-se impermanente). Aqui o silêncio é interessado, pois a estátua vibra em sua aura como um grande reservatório de figuras pertencentes à paisagem mental da cidade, propondo didascálias, uma moral, dizendo da superioridade de uns sobre outros.

A história da cidade é como se fosse um rio subterrâneo, ininterrupto e calmo. Parece que nada o fará parar de escorrer. O rio Mossoró espelha muito bem a cidade: águas opacas, inermes, plácidas, limosas, com seus desvios, canais artificiais, sem mais o direito de uma cheia ou outra[6].

Retomaríamos mais uma vez, agora para encerrar nossa leitura, um dístico da poeta Orides Fontela, num poema em que trata da estátua:
Fluência detida do ser; forma
- apenas equilíbrio de ritmos.

[1] Túmulo do governador, no cemitério mais antigo de Mossoró.
[2] Ludovico Tullius Visconti (1791-1853), O túmulo de Napoleão I, Igreja do Domo, Inválidos.
[3] Capelas da Casa dos Medicis, Florença. Observem a forma dos dois túmulos de príncipes ladeando o altar-mor.
[4] Fazemos uso da classificação de Clássico e Barroco como duas categorias universais da arte. O clássico caracteriza-se pelo linear e pelo plástico, fechando a composição e propondo pensar a totalidade; encerrando a composição, reporta cada elemento ao todo.
[5] O monumento foi doado pelo município de Ceará-Mirim (RN).
[6] Lembramos que é prerrogativa do sagrado, de Deus, não se explicar, porque vale por si, não em relação a algo ou alguém. Vejamos o que disse sobrinha neta do governador, a deputada federal Sandra Rosado, na abertura de um seminário dedicado ao governador: “Somos o que somos: Rosado!” (ROSADO: 2001, p. 15). Frase extremamente curiosa e plena de simbolismo bíblico, não muito diferente do que disse Deus a Moisés, no monte Sinai: “Qual é o seu nome? Que lhes hei de responder? Deus disse a Moisés: ‘EU SOU O QUE SOU’” (Êxodo: 3, 13-14).

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011


Encontradas frases escritas por operários que construíram o Congresso.

Ontem, 11 de agosto de 2011, uma das notícias (dentre as que comumente escutamos: violência, corrupção, descaso com a educação, etc) foi a de uma descoberta, pode-se dizer, tanto arqueológica quanto histórica [opinião minha, claro, mas sintam-se livres para discordar].

No fosso do Congresso Nacional foram encontradas mensagens deixadas pelos operários que o construíram. Ou seja, mensagens escritas no cimento das lajes do Congresso. São mensagens que expressam os mais variados sentimentos: saudades, esperança, etc.

“Amor, palavra sublime que domina qualquer ser humano”.
"Si todos brasileiros focem digninos de honra e honestidade, teríamos um Brazil bem melhor. Só temos uma esperança nos brasileiros de amanhã. Brazilia de hoje, Brazil de amanhã."
“Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham a compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra”.


Essas mensagens foram descobertas por acaso. O conserto de uma infiltração "indicou o caminho" até esses escritos. Isso ocorreu na segunda-feira, 08 de agosto, mas só foi noticiado ontem (pelo menos eu só fiquei sabendo ontem).
As mensagens originais não foram removidas, foram e ficarão no acervo do Museu da Câmara. [Ao menos estão usando do bom senso e preservando a História do país, né?]
O que importa nessa descoberta é que a partir desse achado podemos fazer perguntas (e investigar) para tentar compreender como viviam os operários que atuaram na construção de Brasília.
 
Fontes:
Por Janaína Bento

Espécie de réptil associada ao Monstro do Lago Ness dava à luz como baleias e golfinhos

Plesiossauros são associados ao Montro do Lago Ness. (Ilustração: SAbramowicz/Dinosaur-Institut …

Uma dupla de palentólogos estudou um fóssil de uma fêmea de plesiossauro grávida com 80 milhões de anos. A espécie - um  réptil marinho da Era dos Dinossauros - é associada ao Monstro do Lago Ness, na Escócia. A pesquisa foi publicado na revista especializada “Science”.

O material foi encontrado em 1987, no Estado americano do Kansas, mas só foi estudado agora pelos pesquisadores. Até então, o método reprodutivo adotado pelo animal era incerto. Sabia-se, apenas, que os mares da época em que a espécie viveu eram cheios de répteis que não botavam ovos e tinham seus filhotes na água.

Luis Chiappe, do Museu de História Natural de Los Angeles, e Frank O'Keefe, da Universidade Marshall (EUA), determinaram que o bicho estava mais para uma baleia do que para um lagarto na hora de dar à luz.

O exemplar de Polycotylus latippinus teria medido cinco metros quando vivo e estava misturado a ossos menores e mais delicados, posicionados por dentro do esqueleto maior. Segundo os palenontólogos, o bebê era grandalhão. Ele e a mãe morreram antes do fim da gestação, mas o feto teria alcançado entre 35% e 50% do comprimento do animal maior caso tivesse nascido. A proporção não é normal entre répteis, nem mesmo os da Era dos Dinossauros. Mas, tem a ver com bichos como orcas e outros mamíferos de grande porte.

Aposta-se que a vida dos plesiossauros era parecido com o de baleias, golfinhos e “e outros mamíferos marinhos altamente sociais”, bem diferente da reputação de Nessie (o monstro da Escócia).

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

CIDADANIA

Cidadania

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Cidadania (do latim, civitas, "cidade")[1] é o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive.[2]
O conceito de cidadania sempre esteve fortemente "ligado" à noção de direitos, especialmente os direitos políticos, que permitem ao indivíduo intervir na direção dos negócios públicos do Estado, participando de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a um cargo público (indireto).[3] No entanto, dentro de uma democracia, a própria definição de Direito, pressupõe a contrapartida de deveres, uma vez que em uma coletividade os direitos de um indivíduo são garantidos a partir do cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade[4] Cidadania, direitos e deveres.

História

O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e das decisões políticas. Cidadania, pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade.[5]
Ao longo da história, o conceito de cidadania foi ampliado, passando a englobar um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão "Cidadania: direito de ter direito".[2]

Nacionalidade

A nacionalidade é pressuposto da cidadania - ser nacional de um Estado é condição primordial para o exercício dos direitos políticos. Entretanto, se todo cidadão é nacional de um Estado, nem todo nacional é cidadão - os indivíduos que não estejam investidos de direitos políticos podem ser nacionais de um Estado sem serem cidadãos.

] No Brasil







Os direitos políticos são regulados no Brasil pela Constituição Federal em seu artigo 14[6], que estabelece como princípio da participação na vida política nacional o sufrágio universal. Nos termos da norma constitucional, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos, e facultativos para os analfabetos, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos e os maiores de setenta anos.
A Constituição proíbe o alistamento eleitoral dos estrangeiros e dos brasileiros conscritos no serviço militar obrigatório, considera a nacionalidade brasileira como condição de elegibilidade e remete à legislação infra-constitucional a regulamentação de outros casos de inelegibilidade (lei complementar n. 64, de 18 de maio de 1990).

História e análise da cidadania no Brasil

O historiador José Murilo de Carvalho define cidadania como o exercício pleno dos direitos políticos, civis e sociais, uma liberdade completa que combina igualdade e participação numa sociedade ideal, talvez inatingível.[7] Carvalho entende que esta categoria de liberdade consciente é imperfeita numa sociedade igualmente imperfeita. Neste sentido, numa sociedade de bem-estar social, utópica, por assim dizer, a cidadania ideal é naturalizada pelo cotidiano das pessoas, como um bem ou um valor pessoal, individual e, portanto, intransferível.
Esta cidadania naturalizada é a liberdade dos modernos, como estabelece o artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948: "toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal."[8] A origem desta carta remonta das revoluções burguesas no final do século XVIII, sobretudo na França e nas colônias inglesas na América do Norte; o termo cidadão designa, nesta circunstância e contexto, o habitante da cidade "no cumprimento de seus simples deveres, em oposição a parasitas ou a pretensos parasitas sociais”.[9]
A etimologia da palavra cidadania vem do latim civitas, cidade, tal como cidadão (ciudadano ou vecino no espanhol, ciutadan em provençal, citoyen em francês). Neste sentido, a palavra-raiz, cidade, diz muito sobre o verbete. O habitante da cidade no cumprimento dos seus deveres é um sujeito da ação, em contraposição ao sujeito de contemplação, omisso e absorvido por si e para si mesmo, ou seja, não basta estar na cidade, mas agir na cidade. A cidadania, neste contexto, refere-se à qualidade de cidadão,[10] indivíduo de ação estabelecido na cidade moderna.[11] A rigor, cidadania não combina com individualismo e com omissões individuais frente aos problemas da cidade; a cidade e os problemas da cidade dizem respeito a todos os cidadãos.
No Brasil, nos léxicos da língua portuguesa que circularam no início do século XIX, observa-se bem a distinção entre os termos cidadão (em português arcaico, cidadam) e o fidalgo, prevalecendo o segundo para designar aquele indivíduo detentor dos privilégios da cidade na sociedade de corte.[12] Neste contexto, o fidalgo é o detentor dos deveres e obrigações na cidade portuguesa; o cidadão é uma maneira genérica de designar a origem e o trânsito dos vassalos do rei nas cidades do vasto império português. Com a reconfiguração do Estado a partir de 1822, vários conceitos políticos passaram por um processo de resignificação; cidadão e cidadania entram no vocabulário dos discursos políticos, assim como os termos Brasil, brasileiros, em oposição a brasílicos. Por exemplo: povo, povos, nação, história, opinião pública, América, americanos, entre outros.[13]
A partir disso, o termo cidadania pode ser compreendido racionalmente pelas lutas, conquistas e derrotas do cidadão brasileiro ao longo da história nacional, a começar da história republicana, na medida em que esta ideia moderna, a relação indivíduo-cidade --- ou indivíduo-Estado -- "expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo (...)”.[14] Em outros termos, fundamenta-se na concessão do Estado das garantias individuais de vida, liberdade e segurança. O significado moderno da palavra é, portanto, incompatível com o regime monárquico, escravista e centralizador, anterior à independência política do Brasil. No entanto, este o divisor (monarquia-república) não significa no Brasil uma nova ordem onde a cidadania tem um papel na construção de sociedade justa e igualitária. Este aspecto é bem pronunciado na cidadania brasileira: estas garantias individuais jamais foram concedidas, conquistadas e/ou exercidas plena e simultaneamente em circunstâncias democráticas, de estado de direito político ou de bem-estar social.
O longo caminho inferido por José Murilo de Carvalho refere-se a isto: uma cidadania no papel e outra cidadania cotidiana. É o caso da cidadania dos brasileiros negros: a recente Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989[15] é um prolongamento da luta pela cidadania dos "homens de cor", cujo marco histórico formal é a Lei Áurea de 1888; ou seja, um século para garantir, através de uma lei, a cidadania civil de metade da população brasileira, se os números do ultimo censo demográfico estão corretos;[16] portanto, há uma cidadania no papel e outra cidadania cotidiana, conquistada no dia-a-dia, no exercício da vida prática; tal é que ainda hoje discute-se nas altas esferas da jurisprudência brasileira se o cidadão negro é ou não é injustiçado pela história da nação.[17] Considere-se que na perspectiva de uma cidadania plena, equilibrada e consciente, não haveria de persistir por tanto tempo tal dúvida.
O mesmo se pode dizer da cidadania da mulher brasileira: a Lei 11.340 de 7 de Agosto de 2006[18], a chamada "Lei Maria da Penha", criou mecanismos "para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher". Ou seja, garantir sua liberdade civil, seu direito de ir e vir sem ser agredida ou maltratada. No caso da mulher, em geral, a lei chega com atraso, como forma de compensação, como retificação de várias injustiças históricas com o gênero; o direito de votar, por exemplo, conquistado através de um "código eleitoral provisório" em 1932, ratificado em 1946.[19] A lei do divórcio obtida em 1977,[20] ratificada recentemente pela chamada Nova Lei do Divórcio,[21] ampliando a conquista da liberdade civil de outra metade da população brasileira.[22] São exemplos de como a cidadania é conquistada, de forma dramática -- por assim dizer --, a custa de esgotamentos e longas negociações políticas.
Neste contexto, a lei torna-se o último recurso da cidadania, aquela cidadania desejada, praticada no cotidiano, não é difícil encontrar nas manchetes e notícias dos jornais diários brasileiros práticas que contradizem as leis e subvertem o estado do direito, não apenas contra negros e mulheres, mas também contra trabalhadores assalariados, agricultores sem-terra, indígenas, deficientes físicos, deficientes mentais, homossexuais, crianças, adolescentes, idosos, aposentados, etc.[23] Um caso prático para ilustrar esta realidade cotidiana é a superlotação dos presídios e casas de custódia; a rigor, os direitos humanos contemplam também os infratores, uma vez que, conforme mencionamos, “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Se existem leis que visam reparar injustiças, existe também uma longa história de lutas cotidianas para conquistar estes direitos: o direito à liberdade de expressão,[24] o direito de organizar e participar de associações comunitárias, sindicatos trabalhistas e partidos políticos,[25] o direito a um salário justo, a uma renda mínima e a condições para sobreviver,[26] o direito a um pedaço de terra para plantar e colher,[27] o direito de votar e ser votado --[28] talvez o mais elementar da democracia moderna, negado a sociedade, na já longa história da cidadania brasileira.[29] É esta luta cotidiana por direitos elementares que define a cidadania brasileira e não os apelos ao pertencimento, ao nacionalismo, a democracia e ao patriotismo do cidadão-comum.
Pode-se entender, portanto, que a cidadania brasileira é a soma de conquistas cotidianas, na forma da lei, de reparações a injustiças sociais, civis e políticas, no percurso de sua história e, em contrapartida, a prática efetiva e consciente, o exercício diário destas conquistas com o objetivo exemplar de ampliar estes direitos na sociedade. Neste sentido, para exercer a cidadania brasileira em sua plenitude torna-se absolutamente necessário a percepção da dimensão histórica destas conquistas no percurso entre passado, presente e futuro da nação. Este é o caminho longo e cheio de incertezas, inferido por José Murilo de Carvalho. Esta é a originalidade e especificidade da cidadania brasileira.

[

Os direitos políticos são regulados em Portugal pela Constituição da República Portuguesa de 1976, com Revisão Constitucional de 2005, nos seus artigos 15º, 31º, 50º e 269º.[30]


  • PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi, HISTÓRIA DA CIDADANIA, Editora Contexto, ISBN 85-7244-217-0
  • GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva, Nacionalidade: Aquisição, Perda e Reaquisição, 1ª edição, Forense, 1995.


Referências

  1. Conceito de cidadania
  2. a b Luiz Flávio Borges D´Urso, A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
  3. Dalmo Dallari, O que é cidadania?
  4. Câmara dos deputados - Plenarinho
  5. Evolução histórica do conceito de cidadania.
  6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
  7. CARVALHO, Jose Murilo. Cidadania no Brasil – o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 9-10.
  8. Declaração Universal dos Direitos Humanos; disponível em http://www.amde.ufop.br/arquivos/Download/Declaracao/DeclaracaoUniversaldosDireitosHumanos.pdf
  9. GUÉRIOS, Mansur. Dicionário de etimologias da língua portuguesa. São Paulo: Ed. Nacional; Curitiba: Ed. UFPR, 1979, p. 57; cf. a propósito dos direitos universais do homem, HITCHENS, Christopher. Os direitos do Homem de Thomas Paine. Trad. Sérgio Lopes. São Paulo: Zahar, 2007, p. 15 et seq.
  10. Cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, in: http://www.priberam.pt/dlpo/Default.aspx.
  11. Para este indivíduo de ação, cf. ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 17 et seq.
  12. Cf. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v.; ver também SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza - recompilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado... Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813; PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria da Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Ouro Preto: Typographia de Silva, 1832. Estes dicionários estão disponíveis em na coleção digital da USP em http://www.brasiliana.usp.br/dicionario.
  13. Cf. FERES JUNIOR, José. Léxico da História dos conceitos políticos no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
  14. DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p. 14; apud SANTANA, MARCOS Silvio de. O que é cidadania. In: http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/fadipa/marcossilviodesantana/cidadania.htm
  15. BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Disponível em http://www.amde.ufop.br/arquivos/Download/Leis/Lein7716.pdf
  16. Segundo a tabela 4 dos resultados preliminares do censo, pardos e negros somam 96.196.795.297 brasileiros, cf. IBGE. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/preliminar_tab_uf_zip.shtm
  17. Cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://pagina13.org.br/?p=927; cf. também MARTINS, Rodrigo. Que democracia racial é essa? In: Carta Capital, 20/04/2011, disponível em http://www.cartacapital.com.br/politica/que-democracia-racial-e-essa; SADER, Emir. A discriminação no Brasil é étnica, social e regional. In: Carta Maior, 03/07/2011, disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=704
  18. BRASIL. Lei 11.340, de 7 de Agosto de 2006; disponível em http://www.amde.ufop.br/arquivos/Download/Leis/LeiMariadaPenha.pdf
  19. Segundo a Folha de São Paulo de 24/02/2008, “O código permitia apenas que mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria pudessem votar. (...) As restrições ao pleno exercício do voto feminino só foram eliminadas no Código Eleitoral de 1934. No entanto, o código não tornava obrigatório o voto feminino. Apenas o masculino. O voto feminino, sem restrições, só passou a ser obrigatório em 1946” [grifos nossos].
  20. BRASIL. Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977; disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6515.htm
  21. Emenda Constitucional n. 66, de 13 de julho de 2010. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc66.htm
  22. As mulheres, segundo o último censo demográfico, somam 97 348 809 cidadãos na população brasileira, ou seja, 51,03% dos brasileiros; cf. tabela 1.12 da Sinopse do Censo Demográfico, disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/Brasil_tab_1_12.pdf
  23. Cf. esta legislação em http://www.amde.ufop.br/index.php?option=com_content&view=section&layout=blog&id=6&Itemid=91
  24. Cf. NAPOLITANO, Marcos. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política (1968-1981). Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 24, n. 47, p. 103-126, 2004, disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/a05v2447.pdf; FICO, Carlos. “Prezada Censura": cartas ao regime militar. Revista Topoi, Rio de Janeiro, vol. 3, n. 5, jul.-dez.2002, disponível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a11.pdf; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Os olhos do regime militar brasileiro nos campi. As assessorias de segurança e informações das universidades. Revista Topoi, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, p.30-67, jan.-jun. 2008, disponível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi16/topoi16a2.pdf; RISÉRIO, Manoel. Playboy VS Censura: 1975 – 1980. Disponível em: http://playboy.abril.com.br/sociedade/historia/playboy-vs-censura-1975-%E2%80%93-1980/; BIROLI, Flávia. Representações do golpe de 1964 e da ditadura na mídia - sentidos e silenciamentos na atribuição de papéis à imprensa, 1984-2004. In: Varia História, Belo Horizonte, vol. 25, n. 41, jan./jun., 2009; disponível em: http://www.scielo.br/pdf/vh/v25n41/v25n41a14.pdf.
  25. Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. Greves, sindicatos e repressão policial no Rio de Janeiro (1954-1964), Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 24, n. 47, p. 241-270, 2004; disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/a10v2447.pdf; NORONHA, Eduardo. Ciclo de greves, transição política e estabilização: Brasil, 1978-2007. In: Lua Nova, São Paulo, pp. 119-168.2009; disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n76/n76a05.pdf; REIS, Daniel Aarão. O Partido dos Trabalhadores: trajetória, metamorfoses e perspectivas; disponível em: http://www.historia.uff.br/culturaspoliticas/files/daniel4.pdf; FELTRAN, Gabriel de Santis. Vinte anos depois: a construção da democracia brasileira vista da periferia de São Paulo. In: Lua Nova, São Paulo, p. 83-114, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n72/a04n72.pdf;
  26. REGO, Walquíria Leão. Aspectos teóricos das políticas de cidadania: uma aproximação ao Bolsa Família. In: Lua Nova, São Paulo, p. 147-185, 2008, disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n73/n73a07.pdf; também em http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/bpsociais/bps_17/volume02/01_apresentacao.pdf; cf. também, cf. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Destaques: ações e programas do Governo Federal / Secretaria de Comunicação Social – Brasília, 2010. Disponível em http://wikicoi.planalto.gov.br/coi/Caderno_Destaques/Destaque_dezembro10.pdf; para o aproximadamente de 29% dos brasileiros são pobres; este número pouco explica a nação brasileira, a não considerar-se que 55 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$ 18,17 por dia para satisfazer suas necessidades cotidianas. Cf. também SILVA, José Graziano da. A bastilha da exclusão. Disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5070;
  27. Cf. MONTENEGRO, Antônio Torres. As ligas camponesas e a construção do golpe de 1964. Disponível em: http://www.fundaj.gov.br/licitacao/observa_pernambuco_02.pdf; BORGES, Maria Eliza Linhares. Representações do universo rural e luta pela reforma agrária no Leste de Minas Gerais. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 24, n. 47, p. 303-326, 2004. disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/a12v2447.pdf; ROSA, Marcelo Carvalho. Sem-Terra: os sentidos e as transformações de uma categoria de ação coletiva no Brasil. In: Lua Nova, São Paulo, p.197-227, 2009, disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n76/n76a07.pdf.
  28. Cf. BERTONCELO, Edison Ricardo Emiliano. “Eu quero votar para presidente”: uma análise sobre a campanha das Diretas. In: Lua Nova, São Paulo, p. 169-196, 2009, disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n76/n76a06.pdf;
  29. Cf. FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2006; FERREIRA, Jorge. 1946 – 1964: a experiência democrática no Brasil. In: Tempo, Niterói, vol. 14, n. 28, p.11-18, jun. 2010, Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-77042010000100001&lng=pt&nrm=iso; FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática (1945-1964). Vol. 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003; FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 24, n. 47, p. 29-60, 2004; Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882004000100003&lng=pt&nrm=iso; FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: a frente de mobilização popular. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.24, n.47, pp. 181-212. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n47/a08v2447.pdf; REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerda e sociedade. Jorge Zahar, 2000; disponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv148.htm; FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). Brasil Republicano. O tempo da ditadura. Vol. 4. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003; REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura, Anistia e Reconciliação. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro,vol. 23, n. 45, p. 171-186, jan./jun. 2010; disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2914/1835; VASCONCELOS, Claudio. As análises da memória militar sobre a ditadura: balanços e possibilidades. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 22, n. 43, p. 65-84, jan./jun., 2009; disponível em: http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1545/1007; FILHO, Daniel Aarão Reis. Os muitos véus da impunidade: sociedade, tortura e ditadura no Brasil. In: Colóquio sobre impunidade, 1998, Fundação Humberto Delgado. Ditadura Militar, esquerda e sociedade. Editora: Jorge Zahar, 2000; dDisponível em: http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv94.htm; LEMOS, Renato. Anistia e crise política no Brasil pós-1964. In: Topoi, Rio de Janeiro, vol. 3, n. 5, p.287-313, jul./dez., 2002, disponível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi05/topoi5a12.pdf.
  30. Constituição da República Portuguesa 
  31. Fonte: Wikipédia