domingo, 17 de outubro de 2010

As rabinas no Brasil colônia

Angelo Adriano Faria de Assis é doutor em História
pela Uninversidade Federal Fluminense.

Embora ainda hoje a existência de rabinas cause estranhamento em parte da comunidade judaica, no Brasil do século XVI algumas mulheres acabariam processadas pelo Santo Ofício, acusadas de divulgar o judaísmo.

Ana d'Oliveira era filha de Maria Lopes e de Mestre Afonso, cirurgião do rei que viera para o Brasil com o governador-geral Mem de Sá em 1558, sendo conselheiro dos criptojudeus nas questões religiosas e no respeito às tradições. Maria confessaria costumes judaicos, como lançar a água em caso de falecimento e guardar os sábados. Branca de Leão, sua filha falecida, era acusada por criticar o culto cristão de imagens, e de desrespeitar o crucifixo, arremessando-lhe certa vez um vaso de água.

Ana seria a única acusada -- durante a primeira visitação -- de praticar cerimônia tradicionalmente realizada por homens: circuncidava os filhos depois do batismo, "e uma vez fora vista uma criança sua ensanguentada, e fora ouvida chorar quando a circuncidava". Processada por judaísmo, receberia pena branda por ser nova quando delinquiu: abjuração de leve suspeita na fé, julgada pelo visitador, sem que o caso fosse enviado para Lisboa, mais "admoestação e penitências espirituais".

Outra a causar escândalo seria a octogenária Ana Rodrigues. Viera do reino como o marido Heitor Antunes, senhor de engenho e cavaleiro do rei, que dizia descender dos Macabeus, família de sacerdotes e militares judeus do século II a. C. Morto Heitor, a esposa o enterrara segundo a tradição judaica, em terra virgem.

A descendência dos Macabeus viraria escárnio sobre Ana e as filhas, chamadas de Macabéias. No parto de uma das filhas, clamando-se por Nossa Senhora, afirmou, "não me faleis nisso que não posso dizer!" Doente, suas filhas lhe mostravam um crucifixo, que ela rejeitava dizendo "tirai-o lá". Seria acusada da fazer bênçãos, orações e luto ao modo judaico, respeitar jejuns e interdições alimentares e guardar o sábado.

Apesar de comparecer para confessar as culpas, seria presa e enviada para Lisboa, onde morreria no cárcere. Anos depois, condenada, teve os ossos desenterrados, "queimados e feitos em pó em detestação de tão grande crime".

Mártires do judaísmo proibido, mulheres-rabi sofreriam pressões, ofensas e discriminações por lutar pelo resgate e continuidade da identidade de seu povo, criando e educando os filhos de acordo com os ideais da religião que acreditavam.

Fonte: Revista Nossa História, Ano 3, Nº 32, Junho 2006.


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