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quarta-feira, 3 de abril de 2013

Memórias e histórias de cativeiro e liberdade

Dossiê
Memórias e histórias de cativeiro e liberdade
Há 120 anos os escravos brasileiros eram libertados. O que faziam e quem eram os cativos tão importantes para a formação nacional.

POR FLAVIO GOMES E PIETRA DIWAN









SHUTTERSTOCK

A escravidão marcou a sociedade brasileira de várias formas. Foram quase 400 anos de trabalho escravo com indígenas e africanos. O fim da escravidão para várias sociedades nas Américas começou nas primeiras décadas do século XIX. O Brasil - que recebeu cerca de 40% de todos os africanos escravizados enviados para as Américas - foi o último país a abolir a escravidão. Não muitos anos depois do 13 de maio de 1888, setores das elites, intelectuais, cientistas e literatos já falavam da escravidão como coisa de um passado muito distante. A idéia era apagar a "mancha" da escravidão e eliminar a memória das lutas abolicionistas do final do século XIX. Escravos e libertos eram transformados em "negros" e "pretos" numa perspectiva racial de classificação estigmatizante das novas hierarquias sociais do alvorecer do século XX. A abolição não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem terras, educação e direitos civis plenos aos descendentes de escravos e libertos. Pelo contrário, políticas públicas urbanas e higienistas refundaram as diferenças sob novas bases sociais e étnicas. Até a década de 1930, o 13 de maio era feriado nacional e com festas cívicas, além de comemorações populares. Apesar da manutenção de faces da desigualdade, descendentes de escravos e mesmo libertos comemoravam - se não a cidadania plena - a liberdade conquistada com a Lei Áurea. O passado não era muito distante. Mesmo hoje não seria difícil encontrar pessoas de mais de 90 anos de idade e filhos diretos de escravos nascidos antes de 1871, quando uma lei decretou o ventre livre para mães cativas. Caso seus pais tivessem também alcançado a idade semelhante, teria falado como foi ser escravo até os 20 anos de idade. A geração negra mais idosa alcançada hoje nos nossos censos modernos e abrangentes do IBGE pode ser filha e é predominantemente neta de ex-escravos do 13 de maio de 1888.
Ainda conhecemos pouco sobre o pós-emancipação no Brasil. O que representaram, em áreas rurais e urbanas, as primeiras décadas da liberdade para milhares de homens e mulheres - e seus filhos, netos e sobrinhos - que conheceram a escravidão? Já sabemos mais, e cada vez melhor, como viveram os escravos e como pensaram os senhores nos séculos XVII, XVIII e XIX. A influência da África no Brasil tem sido um importante eixo dos renovados estudos sobre o tráfico negreiro e seus impactos, os cenários de captura, embarque e desembarque, assim como comparações com outras áreas coloniais. Da mesma maneira, as imagens de uma África précolonial homogênea ou do comércio europeu, visto somente a partir do mercantilismo, têm sido rediscutidas em pesquisas nas universidades brasileiras e procuram redefinir os interesses do mercado de escravos também pelas dinâmicas internas das várias sociedades africanas e suas transformações, inclusive participando de várias maneiras no tráfico negreiro. Ao contrário das perspectivas quantitativas e generalizantes, útil também tem sido repensar as origens e culturas africanas no Brasil, não só enfatizando os ciclos do açúcar, do ouro e do café e suas áreas econômicas correspondentes, mas igualmente outras rotas africanas, impactos demográficos e as redefinições das identidades africanas na diáspora. O cotidiano de escravos, libertos, senhores e fazendeiros surgem como novas pesquisas e enfoques diversos.

Por essa razão, a revista Leituras da História preparou esse dossiê especialmente para comemorar os 120 Anos da Abolição da Escravidão no Brasil. Mostrando como novas pesquisas desenvolvidas em programas de pós-graduação de universidades de norte a sul do país podem ajudar a sociedade brasileira a entender e refletir sobre os caminhos que levaram a escravidão no Brasil a ser uma das mais longas e diversificadas do planeta. Esse fato não merece nenhum mérito especial e, se merece alguma atenção, é pelo compromisso com a diversidade dessas pesquisas que pretendem captar e elucidar fragmentos de um período tão complexo e importante da história brasileira que ainda tem muito a ser contada.

FLÁVIO GOMES é professor do departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
PIETRA DIWAN é editora e mestre em História pela PUC-SP.



Fonte: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/10/artigo95995-1.asp
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A Bahia de São Salvador de todos os santos e africanos Brasil e Caribe: a escravidão e o gosto amargo do açúcar Outras rotas de um comércio atlântico
Moradias da resistência Saúde e doença escrava Liberdade na Pia batismal
A falência da escravaria Por entre quilombos e senzalas Pioneiros da abolição
 
Heranças africanas da invenção da liberdade     

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Silêncio ensurdecedor

Por Leandro Antonio de Alemeida, doutorando em História pela USP e professor da UFRB

09.03.2012 18:05
Como o regime militar instalou mecanismos de censura nos meios artísticos e de comunicação. Foto: Acervo UH/Folhapress


Prezada censura e amigos, é com prazer que pego nesta caneta, a fim de lhe cumprimentar a suas pessoa (sic), que esta ao chegar em suas mãos esteje (sic) com saúde e felicidades.” Assim começa uma carta reproduzida pelo historiador Carlos Fico, datada de 23 de setembro de 1974. Foi escrita por uma mulher doente que, a pedido de 50 mães, remetia um “apelo à censura, em nome de Deus,” para esta “dar uma ordem para as TV, aonde estiver com bandalheiras, falta de moral, falta de respeito, em plenas câmeras de TV, nos programas”. Em períodos de fechamento político, pedidos como esse ecoam fortemente ao legitimar a legislação que restringe a veiculação de conteúdos.
Em todo o período republicano brasileiro a censura foi legalmente exercida. Apesar de a Constituição de 1891 garantir a liberdade de expressão, desde o início do século XX cabia à polícia exercer a censura prévia nos teatros e cinemas. Por outro lado, em 1923 uma lei de imprensa foi promulgada pelo senador Adolfo Gordo e sancionada pelo presidente Arthur Bernardes (1922-1926), que dela se valeu para conter os opositores ao estado de sítio do seu instável governo, marcado por revoltas de militares de baixa patente, como a Coluna Prestes.
Essa lei também previa uma censura moral punitiva aos livros, que foi usada por uma instituição católica denominada Liga da Moralidade para denunciar à Justiça um romance de sucesso, Mademoiselle Cinema, de Benjamin Costallat. Já nas livrarias, o livro foi apreendido pela polícia porque continha cenas de sexo, amores fugazes, adultério e consumo de -cocaína. Mas seu autor foi absolvido porque o juiz comprou a tese “educacional” do prefácio: “A menina, educada sob certos costumes da época, nunca poderá ser mãe e esposa. Ficam-lhe vedadas as mais puras e as melhores alegrias da vida”.
Depois do golpe em 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, a censura foi reorganizada. Inicialmente, algumas leis foram promulgadas com a nova Constituição, em 1934, mas vigoraram por pouco tempo. Após sete anos na Presidência, a tentativa de um golpe comunista organizado por Luiz Carlos Prestes, em 1935, criou o pretexto para fechamento do País através de uma Lei de Segurança Nacional. Em 1937 foi implantado o Estado Novo.
A concentração do poder exigiu do governo autoritário uma maior aproximação com as massas, por meio de propaganda ostensiva, acompanhada da centralização da censura prévia de apresentações, irradiações e impressos, -retirando-a da órbita da polícia.
A dupla tarefa ficou sob a responsabilidade do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em dezembro de 1939 e subordinado diretamente ao presidente. A censura do DIP atuou para depurar os aspectos malandros e boêmios, contrários aos valores de trabalho e nacionalidade promovidos pelo regime, das canções veiculadas pelo rádio, mídia que se tornou popular a partir dos anos 30.
O exemplo mais conhecido foi a alteração da letra de O Bonde São Januário, composta por Wilson Batista e Ataulfo Alves: no lugar de “O bonde São Januário/ Leva mais um sócio otário/ Só eu que não vou trabalhar”, os censores liberaram “Leva mais um operário/ Sou eu quem vou trabalhar”. Na mesma época, jornais e jornalistas necessitavam de registro cedido pelo governo e tiveram de se submeter à censura prévia, sob pena de sofrer intervenção.
Além disso, edições inteiras de livros foram apreendidas nas livrarias de todo o Brasil, tanto pelo conteúdo considerado comunista, como os livros de Jorge Amado, quanto pela imoralidade, a exemplo do romance de um escritor hoje desconhecido, João de Minas, intitulado A Mulher Carioca aos 22 Anos.
A censura prévia manteve-se após a democratização, em 1945, sendo regulamentada no ano seguinte, para atuar no teatro, cinema e demais apresentações, através do Serviço de Censura e Diversões Públicas (SCDP), ligado à Polícia Federal. O regulamento e o órgão serviram de base para a censura nas décadas seguintes, mas foram reestruturados pelos militares após 1968.
O mundo pós-1945 presenciou a polarização em torno de duas superpotências militares, os Estados Unidos e a União Soviética, rivalizando capitalismo e comunismo numa Guerra Fria cujo palco era todo o globo. No Brasil, a perspectiva de justiça social avançava nos anos 1950 e 1960, inspirando a criação de movimentos sociais como as Ligas Camponesas do Nordeste e os movimentos de cultura popular ou o fortalecimento do movimento estudantil e dos sindicatos.
A perspectiva comunista encontrava simpatizantes no Congresso, na burocracia e mesmo no Exército. O próprio presidente João Goulart, que assumiu o governo em 1961, foi considerado comunista pelos mais conservadores por encampar reformas de base que atendiam a essas reivindicações.
Junto ao temor de um levante de esquerda, como o que ocorreu em Cuba a partir de 1959, tais movimentações e propostas levaram militares, no fim de março de 1964, a executar um golpe militar no Brasil, com franco apoio de parte conservadora da população civil e do governo dos Estados Unidos, que deu suporte a golpes semelhantes na América Latina. A partir daí, implantou-se o regime militar e, em 1967, promulgou-se uma nova Constituição, baseada na doutrina da Segurança Nacional. A mais violenta reação às oposições ocorreu entre 1968 e 1974, com a suspensão de direitos civis e políticos (AI-5), exílio, aumento de prisões, tortura e mortes.
A repressão ficou a cargo de instituições como o Serviço Nacional de Informações (SNI), centrado na espionagem; a polícia política, via Exército, pelo DOI-Codi, e via Polícia Militar, pelo Dops, voltados ao controle da “subversão”; e a Comissão Geral de Investigações (CGI), responsável pelo difícil combate à corrupção.
O braço ideológico do governo militar, diferentemente do DIP nos anos 30, foi fragmentado na Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp), que fazia propaganda exaltando o governo; na censura política, entre 1968 e 1978, feita por censores nas redações e contatos das autoridades com os donos dos jornais; e na duradoura censura moral, a cargo da -Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP).
Às vésperas do AI-5, a Lei 5.536, de 1968, deu novas cores à censura teatral e cinematográfica, incorporando a televisiva, além de criar o Conselho Superior de Censura, operacionalizado apenas em 1978. Em 1970, o Decreto 1.077 passou a exigir a verificação prévia do conteúdo moral das publicações nacionais e estrangeiras antes de sua divulgação, temendo a degeneração da família pela pornografia, associada à difusão do comunismo soviético. Por causa volume de obras editadas no País, na prática a interdição operava a partir de denúncias, cujo teor replicava a avaliação dos censores em relação a obras literárias, de cunho político ou não, ou abertamente eróticas, como as publicadas por Cassandra Rios e Adelaide Carraro.
Daí o conteúdo revelador de algumas cartas enviadas à DCDP. Não por acaso, o período de maior incidência das cartas e da atuação da censura moral de filmes, peças teatrais e livros coincide com a abertura do regime, entre 1975 e 1981. A continuidade do discurso que associava a pornografia ao comunismo, no senso comum das classes médias urbanas, contribuiu para legitimar a vida longa da “prezada censura”.
A censura foi abolida pela Constituição de 1988 e, com ela, a DCDP foi desmantelada. De 1990 em diante, a política brasileira se democratizou e o comunismo deixou de representar uma ameaça real ao capitalismo triunfante.
Para arrepio dos moralistas à moda antiga, a partir dai corpos quase nus conformados a um rígido padrão de beleza, aludindo ao ato sexual, são veiculados cada vez mais abertamente nas mídias de massa, com o objetivo de vender mercadorias ou cativar atenção do público. Para desgosto dos mais libertários, o fim da censura não significou necessariamente uma liberação da representação dos corpos, mas sua prisão nas malhas anônimas e difusas de outra interdição. 

Fonte: Carta Capital 
 http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/silencio-ensurdecedor/

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Nem as margens ouviram

O Grito do Ipiranga não teve qualquer repercussão na época.

Lucia Bastos
16/9/2009 

  • “Independência ou Morte!” Consagrado pela História, o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, quase não causou repercussão entre seus contemporâneos. Na imprensa do Rio de Janeiro, somente o número de 20 de setembro do jornal O Espelho exaltou “o grito acorde de todos os brasileiros”. Na prática, a Independência estava longe de chegar.

    Três séculos depois do descobrimento, o Brasil não passava de cinco regiões distintas, que compartilhavam a mesma língua, a mesma religião e, sobretudo, a aversão ou o desprezo pelos naturais do reino, como definiu o historiador Capistrano de Abreu. Em 1808, os ventos começaram a mudar. A vinda da Corte e a presença inédita de um soberano em terras americanas motivaram novas esperanças entre a elite intelectual luso-brasileira. Àquela altura, ninguém vislumbrava a ideia de uma separação, mas esperava-se ao menos que a metrópole deixasse de ser tão centralizadora em suas políticas. Vã ilusão: o império instalado no Rio de Janeiro simplesmente copiou as principais estruturas administrativas de Portugal, o que contribuiu para reforçar o lugar central da metrópole, agora na América, não só em relação às demais capitanias do Brasil, mas até ao próprio território europeu.

    O auge do questionamento das práticas do Antigo Regime aconteceu em 24 de agosto de 1820, quando estourou a Revolução Liberal do Porto. Clamava-se por uma Constituição baseada nas liberdades e direitos do liberalismo nascente. A revolução teve importante eco no Brasil, por meio de uma espantosa quantidade de jornais e folhetos políticos. Durante todo o ano de 1821, porém, não surgiu nesses impressos qualquer proposta favorável à emancipação.
    Até o início de 1822, ninguém falava de Brasil. Ao partir para as Cortes de Lisboa, para a discussão da Constituição do Reino, os deputados americanos pensavam apenas em suas “pátrias locais”, ou seja, em suas províncias. Só os paulistas demonstraram alguma preocupação em construir uma proposta para o conjunto da América portuguesa. Nem por isso abriam mão da integridade do Reino Unido: sugeriam o Brasil como sede da monarquia, ou então a alternância da residência do rei entre um lado e outro do Atlântico. “Independência” significava, antes de mais nada, autonomia.

    Ao longo daquele ano, porém, o discurso se radicalizou. A insatisfação com a metrópole crescia, pois das Cortes vinham propostas para retomar algumas das antigas restrições políticas e econômicas que tinham limitado a autonomia do Brasil no passado. Junto com o projeto constitucionalista surgia a ideia separatista, embora ainda não direcionada a toda a América portuguesa.

    Considerada na época como a data que oficializou a separação do Brasil de sua antiga metrópole, a aclamação de Pedro I como imperador, em 12 de outubro de 1822, não significou a unidade política do novo Império. A proposta foi aceita pelas Câmaras Municipais de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Pernambuco titubeou durante algum tempo. Por causa das dificuldades de comunicação, Goiás e Mato Grosso só prestaram juramento de fidelidade ao Império em janeiro de 1823. Enquanto isso, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará, além de parte da Bahia e da província Cisplatina, permaneceram leais a Portugal, refratárias ao governo do Rio de Janeiro. Foram tempos de guerra. No início de 1823, enquanto várias províncias já escolhiam seus deputados para a Assembleia Legislativa e Constituinte do Rio de Janeiro, o Maranhão elegia deputados para as Cortes ordinárias de Portugal.

    Enfim, apesar dos horrores da guerra e das tensões que não desapareceram, esboçou-se pela força a unidade territorial do Brasil. Mas o rompimento total e definitivo mantinha-se sub judice. Afinal, o imperador era português e sucessor do trono dos Bragança. Capaz, portanto, de reunir novamente, após a morte do pai, os dois territórios que o Atlântico separava.

    Somente em 1825, depois de demoradas negociações, D. João VI reconheceu a Independência, em troca de indenizações. Mesmo assim, o gesto veio sob a forma de concessão, transferindo a soberania do reino português, que ele detinha, para o reino do Brasil, sob a autoridade de seu filho. E D. João foi além: reservou para si o título de imperador do novo país, registrado nos documentos que assinou até sua morte, em 1826.

    Os laços de sangue faziam da Independência um processo ambíguo e parcial. Foi preciso esperar outra data, a da abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, para que se rompesse definitivamente qualquer vínculo do Brasil com Portugal. Assumia o poder um soberano-menino, também ele um Bragança, mas nascido e criado no Brasil. No linguajar dos exaltados do período regencial, acabava-se “a farsa da independência Ipiranga”.

    Lucia Bastos Pereira das Neves é professora titular de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora de Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência (1808-1822) (Revan, 2003).

    Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/nem-as-margens-ouviram

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Abandono de crianças

Especial | Abandono de crianças
Os pequenos enjeitados
A rejeição, o infanticídio e a prática do abandono de crianças recém-nascidas pelas mães já eram uma realidade social na cidade de São Paulo no período dos anos oitocentos...

Por Robson Roberto da Silva


Montagem: Fabiana Neves
Acostumamo-nos a presenciar notícias horríveis nos noticiários televisivos - ou na grande imprensa - sobre crianças sendo abandonadas pelas ruas; cadáveres de recém-nascidos encontrados em sacos plásticos dentro de lixeiras; ou boiando em lagos e rios das cidades brasileiras. O que leva a essa tendência à rejeição e ao desamor das mulheres, que resulta em abandono de sua prole?
Dá-se a impressão de que este seja um problema social da modernidade, de que os valores familiares e o amor maternal se perderam no tempo. Entretanto, a questão da infância abandonada no Brasil é histórica - e remete ao período colonial, onde os filhos bastardos eram abandonados, enchendo os orfanatos das Igrejas; ou se tivessem sorte, terminavam acolhidos por parentes como afilhados - ou adotados pelas famílias como crianças expostas.
Acervo 2D
Vista do Largo da Sé, São Paulo, 1862
Infância marcada
Um exemplo peculiar foi que ocorreu na cidade de São Paulo no início do séc. XIX, onde as taxas de crianças abandonadas eram preocupantes. Os relatos daquela época mencionavam o horripilante cotidiano dos transeuntes que encontravam pelas ruas, terrenos baldios ou monturos de lixo, cadáveres de recém-nascidos devorados por porcos ou cães. Tais atitudes escandalizavam a moralidade das autoridades políticas e religiosas.
Até no final do século XVIII, era comum na sociedade colonial o costume de adotar crianças órfãs ou enjeitadas - tanto as famílias humildes quanto as ricas. Essas crianças adotadas eram inseridas dentro do ambiente patriarcal, onde os laços de dependência e obediência eram muito fortes. No caso das famílias ricas, muitas eram afilhadas do senhor da Casa-Grande através da prática do compadrio e, ao se tornarem adultos, convertiam-se em seus agregados. A convivência entre os sinhozinhos, moleques escravos e afilhados baseava-se no companheirismo nas suas brincadeiras e jogos, onde faziam suas diabruras e folguedos infantis.
Nas famílias pobres, que dependiam dos rendimentos de serviços temporários em artesanato ou no comércio das ruas da cidade, o acolhimento de crianças expostas tinha também um caráter utilitarista, pois elas seriam uma mão de obra muito utilizada na economia familiar, mais fiel e dócil do que adquirir um escravo.
Esse sistema de acolhimento familiar funcionou em São Paulo até o final do séc. 18, pois no século seguinte houve um relativo aumento no índice de rejeição e abandono de crianças recém-nascidas, fazendo com que a cidade paulista tivesse um dos maiores índices de expostos da época.
Acervo 2D
A roda, instalada na parede frontal de conventos e hospitais, garantia de anonimato
Vida bandida
Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês do início de século XIX, responsabilizava o alto índice de prostituição como uma das causas do aumento de bastardos na cidade. Essa hipótese se sustenta, pois a cidade de São Paulo, nas primeiras décadas do século 19 era um entreposto comercial das caravanas de tropeiros que transportavam mercadorias da região Sul para as Minas Gerais, Rio de Janeiro e Nordeste. Assim, sua população era muito itinerante e a ausência dos homens na cidade forçavam muitas mulheres a encontrarem na prostituição um meio de sobrevivência.

Segundo o historiador francês Philippe Áries, nas sociedades tradicionais o conceito de infância era diferente dos dias atuais: a infância era considerada uma fase sem importância e transitória. Devido às condições demográficas daquela época, a perda das crianças recém-nascidas era encarada com lamentações, mas sem desespero, pois dificilmente se guardavam lembranças dessas criaturinhas que se iam tão rápido e prematuramente

Mas somente a hipótese do alto índice de prostituição em São Paulo não basta para esclarecer a questão. A razão do aumento de expostos devesse principalmente à própria condição das mulheres, pois inseridas numa sociedade patriarcal e conservadora - na qual o valor da mulher era mínimo - elas estavam submetidas aos caprichos dos homens como concubinas e, ao abandoná-las, faziam com que elas assumissem sozinhas a responsabilidade pela prole. Desse modo, muitas delas não tinham as mínimas condições de criá-los e, tomadas pelo desespero, a alternativa era expor as crianças em varias circunstâncias: ou as deixavam em casas de parentes, ou de famílias, ou deixavam em qualquer lugar, correndo todo tipo de perigo.

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quarta-feira, 21 de março de 2012

O desenhista do Brasil

Ao negociar com os vizinhos cada palmo das fronteiras, o barão do Rio Branco criou uma cultura de paz impensável no mundo atual.

Rubens Ricupero
1/2/2012 

José Maria da Silva Paranhos Júnior, o "Barão do Rio Branco" (1902-1912). Foi quem deu ao mapa do Brasil o seu desenho atual.

O jornal A Noite resumiu o sentimento geral ao abrir a manchete “A morte de Rio Branco é uma catástrofe nacional” em 10 de fevereiro de 1912. Às 9h10 da manhã, expirara em seu gabinete de trabalho aquele que era considerado “o maior de todos os brasileiros”. O destino do barão foi paradoxal. Monarquista convicto teve papel fundamental na legitimação da República de 1889, que começara sob os piores auspícios: a inflação do Encilhamento, a ditadura militar de Floriano, a tragédia sanguinária de Canudos, a repressão à Revolta da Armada e a Rebelião Federalista no Sul. Foram os êxitos diplomáticos de Rio Branco, ainda antes de se tornar ministro, nas definições de limites com a Argentina e a França-Guiana Francesa, que forneceram ao governo republicano os primeiros sucessos de que precisava desesperadamente.  
Algo parecido ocorreu com sua projeção pessoal. Viveu semiesquecido em postos obscuros na Europa por 26 anos. Só a partir dos 50 anos (morreria com 66) alcançaria o reconhecimento tardio. Desde esse momento, no entanto, acumulou tantas vitórias, em especial como ministro das Relações Exteriores durante quase dez anos (1902-1912) sob quatro presidentes, que ofuscou todos os demais. Nenhum outro diplomata de carreira, em qualquer país, atingiu como ele o status de herói nacional de primeira grandeza, culminando com a reprodução da sua efígie no padrão monetário. Entre 1978 e 1989, a nota de 1.000 cruzeiros, a de maior valor, era chamada pelo povo de “barão”.
O futuro barão nasceu em 20 de abril de 1845 como José Maria da Silva Paranhos Júnior na velha Travessa do Senado, atual Rua 20 de abril, no Centro da cidade, num sobrado que se pode ver ainda hoje no Rio de Janeiro. Fez seus estudos no Liceu D. Pedro II e na Faculdade de Direito de São Paulo, transferindo-se no último ano para Recife, onde se formou. No começo, hesitou sobre o caminho a seguir: foi professor, promotor público e deputado por Mato Grosso em duas legislaturas.
Em 1876, conseguiu ser nomeado para o bem remunerado posto de cônsul geral em Liverpool, na Inglaterra, após vencer tenaz resistência de D. Pedro II e da princesa Isabel, escandalizados com sua reputação de boêmio na tacanha atmosfera provincial da Corte.  Já naquele tempo, mantinha ligação amorosa com a atriz belga Marie Philomène Stevens, com a qual só legalizaria a união muitos anos depois, em 1889.
Em meados de 1893, a morte do advogado brasileiro barão Aguiar de Andrada no arbitramento com a Argentina e sua nomeação para substituí-lo vão tirar do anonimato aquele que era o maior conhecedor do assunto. Como disse o grande jurista americano Basset Moore, ele foi a “maior combinação de estadista e de scholar que havia encontrado”. 
A disputa consistia na identificação no terreno dos rios Peperi Guaçu e Santo Antonio, que deveriam fixar a fronteira argentino-brasileira no que hoje constitui o extremo oeste dos estados do Paraná e de Santa Catarina. A região, denominada de comarca de Palmas pelo Brasil e de Missões pela Argentina, se afigurava indispensável ao perímetro de defesa brasileiro, além de constituir área agrícola de rico potencial, quase exclusivamente povoada por brasileiros.
Graças aos mapas e documentos inéditos revelados pelo barão do Rio Branco e à qualidade excepcional da exposição que fez dos argumentos nacionais, a sentença do árbitro, o presidente Cleveland, dos EUA, deu inteiro ganho de causa ao Brasil, assegurando o domínio sobre 36.000 quilômetros quadrados. De uma hora para outra, o ignorado funcionário se transformava em celebridade nacional.
Pouco depois, a reputação conquistada nesse caso inspirou sua escolha como representante do Brasil na contenda com a França por território contestado de 260.000 quilômetros quadrados na fronteira do Amapá. O problema era de novo a identificação de um rio, o Oiapoque ou de Vicente Pinzón, designado como limite no Tratado de Utrecht (1715). A questão foi submetida ao julgamento do presidente do Conselho Federal da Suíça, Walther Houser, que em 1º de dezembro de 1900 decidiu pela posição advogada por Rio Branco, o que consolidou sua fama de vencedor.
Foi tamanha a gratidão do país que o Congresso lhe concedeu um prêmio monetário e uma dotação anual transmissível a seus filhos. Não ficou nisso o reconhecimento. Decorridos menos de dois anos, quando o barão exercia as funções de ministro do Brasil em Berlim, o presidente eleito Rodrigues Alves o escolheu para seu ministro de Relações Exteriores, cargo que assumiu em dezembro de 1902.
Encontrou à sua espera o desafio mais espinhoso de toda a sua carreira. No extremo oeste da Amazônia, a região do Acre estava prestes a virar estopim de uma guerra com a Bolívia e o Peru. Diante da revolta dos seringueiros chefiados pelo rio-grandense Plácido de Castro, o governo boliviano, que não dispunha de presença local, resolveu arrendar o território a um consórcio de capitais internacionais, sobretudo americanos e ingleses.    
A situação se agravou quando o presidente da Bolívia, general Pando, anunciou a intenção de marchar à frente de uma expedição militar para sufocar a revolta. Rio Branco, ministro recém-empossado, não perdeu tempo. Demonstrando firmeza e capacidade de decisão, recusou a proposta peruana de negociação a três e isolou os adversários, tratando com cada um a seu tempo. Após prorrogar a proibição ao consórcio de navegação pelo Amazonas, único acesso ao Acre, o que tornava a concessão sem valor, adquiriu, mediante indenização de 110.000 libras esterlinas, a desistência dos especuladores e dos poderosos governos que os apoiavam.
Em seguida, obteve do governo brasileiro o envio de força militar que ocupou o território em litígio antes da chegada das tropas bolivianas. Dessa forma, pressionou o governo de La Paz a negociar, deixando claro, em todo o processo, que seu único intuito era tornar brasileira a região povoada por cerca de 60.000 compatriotas. Conseguiu que fosse assinado, em novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia cedia 191.000 quilômetros quadrados (posteriormente, uma parte seria reconhecida como peruana). Em troca, o Brasil transferia quase 2.300 quilômetros quadrados em Mato Grosso, habitados por bolivianos, e pagava indenização de dois milhões de libras, hoje correspondentes a mais de 200 milhões de dólares. Além disso, comprometia-se a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.  
Na opinião do próprio barão, o Acre foi sua maior e mais difícil vitória. Evitando o recurso extremo à guerra, conseguiu-se garantir à soberania nacional um território desbravado e povoado por brasileiros. Dizia Rio Branco que o Acre era o único exemplo indiscutível de expansão das fronteiras do país.
Alertado pela crise acriana, o chanceler tomou a decisão de resolver de modo sistemático todas as questões fronteiriças pendentes. Além dos limites com a Argentina (1893), a França-Guiana Francesa (1900) e a Bolívia (1903), foram definidas as fronteiras com o Equador (1904), com a Inglaterra-Guiana Inglesa (laudo de 1904), com a Venezuela (1905), com a Holanda-Guiana Holandesa ou Suriname (1906), com a Colômbia (1907), com o Peru (1909), e o tratado de retificação com o Uruguai (1909).
Em poucos anos se concluía uma das maiores realizações da história diplomática de qualquer país: todas as questões com os vizinhos foram resolvidas por meio de negociações ou arbitramentos, jamais por guerras. Quando se compara aos países que possuem número de vizinhos similar ao do Brasil ou menor (Rússia, China, Índia, e mesmo Alemanha ou França), verifica-se que em nenhum caso se encontra padrão negociador sempre pacífico como no exemplo brasileiro.
Rio Branco dizia que havia construído o “mapa do Brasil”. Definir o espaço da soberania, a linha entre nós e os outros, é o primeiro ato de inserção de um país no mundo. O barão costumava dizer que era melhor negociar e transigir do que ir à guerra, pois o “recurso à guerra é sempre desgraçado”.
Além de solucionar todas as disputas limítrofes, soube perceber antes dos contemporâneos a emergência dos Estados Unidos como a nova potência dominante no cenário mundial. Receoso do agressivo imperialismo europeu de então, transferiu de Londres para Washington o eixo da diplomacia brasileira.
Em 1º de março próximo, aniversário do fim da Guerra do Paraguai, completaremos 142 anos de paz ininterrupta com todos os nossos vizinhos, proeza possivelmente única no mundo. Rio Branco não poderia desejar homenagem maior no centenário de seu falecimento do que a que hoje lhe presta o Brasil ao se manter fiel à centenária herança de paz, no momento em que ingressa “na esfera das grandes amizades internacionais a que tem direito pela aspiração de sua cultura, pelo prestígio de sua grandeza territorial e pela força de sua população”.  

Rubens Ricupero foi embaixador do Brasil em Washington, Genebra e Roma, ministro do Meio Ambiente e da Amazônia e ministro da Fazenda. É autor de Rio Branco: O Brasil no mundo (Contraponto Editora, 2000).

Saiba Mais - Bibliografia
LINS, Álvaro. Rio Branco. 3ª ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1996.
VIANA FILHO, Luís. A vida do Barão do Rio Branco. São Paulo: Editora da Unesp, 2008


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Paixão pelo poder

A figura de D. Pedro, sempre polêmica, gerou tensões políticas, polarizando defensores e desafetos

Cecilia Helena de Salles Oliveira
14/11/2011

























  • Poucos protagonistas da história política do Brasil e de Portugal no século XIX foram tão estudados quanto ele. São inúmeras biografias de D. Pedro de Alcântara (1789-1834) e vasta a coleção de livros, teses e artigos que tratam das revoluções liberais em Portugal e do processo de Independência e fundação de um Império constitucional no Brasil. De todo o material emerge uma figura controvertida. Ora aparece como valoroso liberal, lutando pelos princípios constitucionais, ora como monarca absolutista, incapaz de compreender opiniões e reivindicações dos súditos. Quais seriam os fundamentos para imagens tão diversas?
    Nas biografias, são comuns as referências às paixões, ao espírito romântico e volúvel, à impulsividade nas atitudes e à falta de educação refinada. São corriqueiras, também, as menções, não menos românticas, ao fato de ser um homem partido, dividido entre duas pátrias: a de nascimento, Portugal, e aquela em que viveu entre 1808 e 1831, o Brasil.
    Por duas vezes abdicou do poder em favor de seus filhos – em 1826, para Maria da Glória se tornar rainha em Portugal, e, em 1831, para Pedro ser o segundo imperador do Brasil. Na sequência, envolveu-se numa guerra contra o irmão, Miguel, que pretendia apropriar-se do poder da sobrinha e mulher, Maria da Glória. Venceu o irmão e também os adversários da filha e da monarquia constitucional que defendia para Portugal, mas não pôde usufruir inteiramente essa conquista, pois faleceu de tuberculose, em 1834, no Palácio de Queluz, nas proximidades de Lisboa, no mesmo quarto onde nascera, rodeado por pinturas que reproduziam cenas de D. Quixote de la Mancha, do escritor espanhol Miguel de Cervantes.
     
    Restos mortais entre Brasil e Portugal
    Seu engajamento voluntarioso nessas batalhas é geralmente interpretado como heroico e vem acompanhado da convicção de que D. Pedro conseguiu criar raízes profundas, tanto lá como cá. Daí o enorme simbolismo que adquiriu a repartição de seus restos mortais entre os dois países. Desde 1835, seu coração foi depositado em relicário na Igreja de Nossa Senhora da Lapa, na cidade do Porto. E, a partir de 1972, por meio de acordo diplomático luso-brasileiro, os demais restos mortais foram transladados para a cidade de São Paulo e colocados na cripta do Monumento do Ipiranga, às margens do famoso riacho, hoje córrego canalizado e poluído. 
    Entretanto, em paralelo a essa memória gloriosa, há outra. A que divulga a imagem de D. Pedro como um político personalista e incapaz de superar o ranço do passado. O peso das tradições da monarquia portuguesa e a ambição de manter sob os Bragança as coroas do Brasil e de Portugal teriam feito com que adotasse medidas de força, atuando como um monarca absolutista, disposto a impor suas posições e poder.
    No Brasil, após a declaração de Independência e da coroação como imperador, teria ordenado que tropas sob seu comando fechassem a Assembleia Constituinte em 1823, outorgando uma Carta Constitucional, no ano seguinte, que contrariava reivindicações de vários segmentos da sociedade. Além disso, enquanto as oposições políticas não conseguiram impor barreira a seu governo, obrigando-o à abdicação, a ele se atribui ação à revelia do Poder Legislativo e da imprensa, governando com os ministros e conselheiros de Estado.
    Em Portugal, por poucos meses foi rei com o nome de D. Pedro IV. Com a morte de D. João VI, em 1826, tornou-se herdeiro do trono, abdicando em julho do mesmo ano em favor da filha Maria da Glória, então com sete anos, após a outorga de uma Carta Constitucional que reproduziu, na maior parte dos artigos, a Carta brasileira de 1824. Mas essas decisões não o distraíram da política europeia, tampouco do confronto que à distância manteve contra absolutistas, vinculados à mãe, Carlota Joaquina, e ao irmão e genro, D. Miguel.
    A guerra civil deflagrada abertamente em Portugal, a partir de 1828, não foi decorrente apenas da postura de D. Miguel, que se apoderou do trono, quebrando acordos anteriores, mas da decisão de D. Pedro de não abrir mão de reconquistar o poder para a filha. Foram os liberais moderados, exilados especialmente na Inglaterra, que se articularam com D. Pedro, ajudando-o a compor o exército e o suporte financeiro necessário na Europa para manter uma guerra até 1834. Durante essa campanha militar, recebeu apoio da população da cidade do Porto, importantíssimo para sua vitória. Destinou seu coração à cidade, em testamento, para manifestar seu apreço a essa adesão.
     
    Decisivo na unificação da nação brasileira
    O que chama a atenção nesses episódios é que D. Pedro se defrontou com situações complexas e cheias de labirintos, em que muitos interesses, valores, pessoas e grupos estavam envolvidos, em ambos os lados do Atlântico. Incoerências e reviravoltas em sua trajetória fazem parte da complexidade da época em que viveu e dos desafios que enfrentou.
    No Rio de Janeiro – em função da posição de príncipe regente que assumiu a partir de 1821, quando D. João retornou a Portugal –, passou a representar e a exercer o poder. É certo que procurou para si esse lugar, pois já demonstrava ambições políticas havia algum tempo. As memórias que cercaram sua personalidade e atitudes desde esta época foram construídas quer por meio de seus opositores, quer por partidários, cada qual buscando justificar versões e pontos de vista para convencer os contemporâneos e a posteridade. São frutos, também, daquilo que o próprio D. Pedro foi criando e registrando em cartas, proclamações, documentos oficiais ou vinculados à sua vida pessoal, à medida que ganhava experiência para governar e atuava na política como sujeito de uma história da qual participava ativamente e na qual sua autoridade foi lapidada e consolidada.
    É ingênuo imaginar que quando foi indicado príncipe regente do reino do Brasil, em abril de 1821, D. Pedro fosse reconhecido como tal por lideranças políticas da Corte, das províncias ou mesmo pelo conjunto da sociedade. Pelo contrário: nem no Rio de Janeiro havia uma opinião formada sobre o que poderia representar. Entre 1821 e 1822, a sociedade no Brasil estava profundamente dividida e o debate político era intenso, envolvendo diferentes projetos de futuro. Não havia consenso sobre a construção de uma monarquia e tampouco a separação de Portugal recebia o apoio da maioria da sociedade.  A figura do príncipe foi adquirindo importância aos poucos, e especialmente nas províncias do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais. Isto porque essas regiões eram interligadas pelo comércio, pelo tráfico de escravos, pela produção de gêneros de abastecimento e de exportação, assim como pela presença de estreitos interesses e relações pessoais com a Corte radicada na cidade do Rio de Janeiro.
    Dificuldades e incertezas, entretanto, não aparecem nos textos dos partidários do príncipe nem naqueles dos que lutavam por vê-lo ascender como monarca no Brasil. A memória que divulgaram foi a de que a proclamação da Independência foi obra exclusiva do regente. E mais: se não fosse sua atitude decisiva, a Colônia teria se dissolvido em diferentes regiões, inviabilizando o Império, a monarquia e a separação da antiga metrópole. Por outro lado, seus adversários, que desconfiavam de seu constitucionalismo desde 1821, passaram a fazer campanha aberta contra ele a partir de 1823, com o fechamento da Assembleia Constituinte. Ao longo do Primeiro Reinado, construíram uma memória na qual D. Pedro, mesmo sendo elogiado pelo 7 de setembro, é qualificado como  absolutista e déspota não só por ter outorgado a Carta de 1824, mas por demonstrar enorme incapacidade de se despregar dos problemas políticos de Portugal e de se assumir como efetivamente brasileiro.  Justificavam desse modo as pressões para que abdicasse.
    Entre uma memória que exalta e outra que só deprecia, perde-se a possibilidade de compreender D. Pedro como político, que muitas vezes atuou de modo incoerente, movido por razões, pressões e sentimentos múltiplos, vendo-se diante de decisões cujas consequências não podiam ser previamente determinadas, pois estavam inseridas no movimento revolucionário – aberto pela independência das treze colônias inglesas da América e pela Revolução Francesa – por meio do qual se forjaram as nações e os Estados nacionais no século XIX. Mais interessante do que condenar, absolver e fazer uma caricatura de um personagem histórico é certamente tentar compreendê-lo em sua densidade, divisando nuances e contornos que o tornam fascinante.
     
     
    Cecilia Helena de Salles Oliveira é diretora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo e autora de A astúcia liberal (Universidade São Francisco/Ícone, 1999).
                                                   
     
     
    Saiba Mais
    BITTENCOURT, Vera Lucia Nagib. “De alteza real a imperador: o governo do príncipe D. Pedro entre abril de 1821 e outubro de 1822”. Tese de doutorado. Série Produção Acadêmica Premiada (USP, 2007). Disponível no endereço http://spap.fflch.usp.br
    GRINBERG, Keila & SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, vol I, 1808-1831.
    SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada. O Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Unesp, 1999.
     
     

domingo, 16 de outubro de 2011

Luz de lampião

Luiz Bernardo Pericás
Luz de lampião
Historiador Luiz Bernardo Pericás lança luz nova sobre um tema ainda controverso na História brasileira

Por Robson Rodrigues

                     

LUIZ BERNARDO PERICÁS é formado em História pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor em Ciência Política pela FLACSO (México). Foi Visiting Scholar na Universidade do Texas. É também autor de Che Guevara: a luta revolucionária na Bolívia (Xamã, 1997), Um andarilho das Américas (Elevação, 2000), Che Guevara and the Economic Debate in Cuba (Atropos, 2009) e Mystery Train (Brasiliense, 2007)

O cangaço, um dos mais importantes fenômenos sociais brasileiros, volta a chamar a atenção da historiografia nacional. O livro Os Cangaceiros, Ensaio de Interpretação Histórica, do historiador Luiz Bernardo Pericás, esclarece aspectos de um tema ainda controverso na história do Brasil e pouco explorado por outros pesquisadores.
Tema já retratado por grandes nomes da literatura como Graciliano Ramos e José Lins do Rego, porém no caso destes autores com uma abordagem mais literária. O historiador Luiz Bernardo Pericás avança nas análises utilizando documentação nova, rigor científico e atenção ao contexto do assunto. O resultado do trabalho foi a publicação pela editora Boitempo.
O livro deve se tornar um clássico do assunto em pouco tempo, com um mergulho a fundo no mundo dos grandes personagens que marcaram a história do cangaço no Brasil. Pericás desmistifica impressões pré-estabelecidas a respeito do fenômeno que foi o cangaço e explicita a importância de um registro detalhado dessa peça da história do nordeste brasileiro, nos dias de hoje.
Entre herói e vilão, o cangaço trouxe à tona os problemas sociais do Brasil. Elucidar um entendimento mais amplo dessa questão, como o proposto pelo historiador talvez proporcione uma revisão histórica dos estigmas e mitos que o cangaço carrega até hoje. Na medida em que o movimento transformou a realidade nordestina, o que resta não é acusar ou perdoar, mas tão somente compreender.
Leituras da História (LDH) – Como surgiu o interesse pelo tema do Cangaço?
Luiz Bernardo Pericás (LBP) –
Desde meus tempos de garoto me interesso pelo tema, mas, como a maioria dos brasileiros, o que eu conhecia eram versões ficcionalizadas ou romantizadas daqueles bandoleiros em livros, cordéis e filmes. Talvez, a primeira imagem que me marcou profundamente em relação ao cangaço foi o filme Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha. Depois, assisti a uma grande quantidade de filmes sobre o assunto, como O cangaceiro, de Lima Barreto, Memórias do cangaço, de Paulo Gil Soares e Thomas Farkas, Baile perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, Corisco e Dadá, de Rosemberg Cariry, entre tantos outros. E li bastante sobre o cangaceirismo, assim como realizei viagens para o sertão e agreste do Nordeste brasileiro, para colher material e depoimentos.
Percebi que muito do que havia sido escrito era tratado de forma literária, sem rigor ou caráter científico. Diversos livros estavam esgotados, fora de catálogo; ou seja, eram de difícil acesso ao grande público. Também notei que as interpretações sobre esse fenômeno social eram por vezes divergentes, com pouca profundidade e excessivamente carregadas de preconceitos ou ideologias de época. Assim, achei que valia a pena tentar dar uma nova contribuição sobre esse assunto.


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Fonte: Portal Ciência & Vida 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Entre a Democracia e o Fascismo

Entre a Democracia e o Fascismo
Um General no arame
A história do delicado equilíbrio do Ministro da Guerra de Vargas entre a sedução exercida pelos Nazistas e a pressão do Governo Roosevelt

Por Roberto Lopes



DIP
DIP
DUTRA FOI O SEGUNDO MARIDO DA PROFESSORA CARMELA TELES, A SANTINHA, UMA CATÓLICA DEVOTA
“Como seja do seu possível interesse, informação recebida de uma fonte confidencial, acredita-se que confiável, aponta que a Sra. Santinha de Correa Dutra, esposa do Ministro da Guerra Brasileiro, General Eurico Dutra, exibe simpatias pró-Nazi e se reporta que está tentando converter suas ligações procedentes do mais alto estrato da sociedade Brasileira para o Nazismo. À Sra. Dutra também é atribuída a declaração de que se o Brasil for à guerra, seus dois filhos poderiam ser os primeiros a desertar do Exército Brasileiro”.
No início da segunda semana de outubro de 1942, esse curto alerta preparado por J. Edgar Hoover, o Diretor do FBI – a famosa Polícia Federal Americana –, “queimou” os dedos de Adolf A. Berle, o Secretário-Assistente de Estado (espécie de ministro adjunto das Relações Exteriores dos Estados Unidos) para Assuntos Latinoamericanos.
Hoover e Berle tinham a mesma idade – 47 anos – e, ao longo daqueles anos de guerra, desenvolveriam uma densa cooperação. Mas no último trimestre de 1942, espionar a irascível professora Carmela Teles Leite Dutra – a “Dona Santinha”, de 58 anos –, mulher do chefe do Exército do Brasil, era um atividade tão delicada quanto arriscada.
Afinal, há menos de dois meses o Governo Vargas declarara guerra à Alemanha de Hitler. Por tudo isso, Hoover classificou sua mensagem para Berle de “PESSOAL E CONFIDENCIAL”, e mandou que ela fosse entregue no gabinete do destinatário por “MENSAGEIRO ESPECIAL”.
Filhos
Na verdade, não apenas Berle a recebeu. As desconfianças do FBI acerca das inclinações políticas de Santinha Dutra foram parar também nas mesas do Diretor de Inteligência Naval – que mantinha um oficial informante no Rio de Janeiro –, e do General Hayes Adlai Kroner, de 52 anos, o respeitado Chefe do Serviço de Inteligência Militar da Força Terrestre Americana. Aquele era um tempo em que o General Dutra vinha se aproximando do Chefe do Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, General George C. Marshall. Deixar vazar aquela informação sobre a vigilância dos passos de “Dona Santinha”, equivaleria a colocar tudo a perder.
O GENERAL MARSHALL, DOS EUA, CONDECOROU O MINISTRO DA GUERRA DO BRASIL; DUTRA, MAIS TARDE VISITOU AS TROPAS BRASILEIRAS QUE LUTAVAM NA ITÁLIA (ABAIXO)

“Santinha” era viúva do oficial do Exército José Pinheiro Uchoa Cintra, com quem tivera um casal de filhos: Carmelita e José. A Eurico, 15 meses mais velho do que ela – e que desposou quando ele ainda era 2º Tenente –, era daria outro casal de rebentos: Emilia (nome da mãe dela) e Antônio. José seguiu carreira de oficial do Exército (e chegou a General), mas nem ele, nem os seus três irmãos jamais manifestaram um sentimento anti-americano.

Pêndulo
O cuiabano Dutra formou-se na Escola de Estado-Maior do Exército ainda em 1922, e apesar de ter cursado a Escola Preparatória e Tática do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, não participou da Revolução de 1930, chefiada pelo gaúcho Getúlio Dornelles Vargas. Bem ao contrário disso, ele esperou para sentir se a Revolução de 1930 vingaria – e só então, discretamente, aderiu a ela.
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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

sexta-feira, 12 de agosto de 2011


Encontradas frases escritas por operários que construíram o Congresso.

Ontem, 11 de agosto de 2011, uma das notícias (dentre as que comumente escutamos: violência, corrupção, descaso com a educação, etc) foi a de uma descoberta, pode-se dizer, tanto arqueológica quanto histórica [opinião minha, claro, mas sintam-se livres para discordar].

No fosso do Congresso Nacional foram encontradas mensagens deixadas pelos operários que o construíram. Ou seja, mensagens escritas no cimento das lajes do Congresso. São mensagens que expressam os mais variados sentimentos: saudades, esperança, etc.

“Amor, palavra sublime que domina qualquer ser humano”.
"Si todos brasileiros focem digninos de honra e honestidade, teríamos um Brazil bem melhor. Só temos uma esperança nos brasileiros de amanhã. Brazilia de hoje, Brazil de amanhã."
“Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham a compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra”.


Essas mensagens foram descobertas por acaso. O conserto de uma infiltração "indicou o caminho" até esses escritos. Isso ocorreu na segunda-feira, 08 de agosto, mas só foi noticiado ontem (pelo menos eu só fiquei sabendo ontem).
As mensagens originais não foram removidas, foram e ficarão no acervo do Museu da Câmara. [Ao menos estão usando do bom senso e preservando a História do país, né?]
O que importa nessa descoberta é que a partir desse achado podemos fazer perguntas (e investigar) para tentar compreender como viviam os operários que atuaram na construção de Brasília.
 
Fontes:
Por Janaína Bento