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sexta-feira, 9 de março de 2012

Dia 8 de Março: do feminismo à valorização conservadora da mulher
Posted: 08 Mar 2012 09:06 AM PST
Por Alípio de Sousa
(Sociólogo e Professor do Dep. de Ciências Sociais – UFRN)


O dia 8 de março, instituído como o Dia Internacional da Mulher, em sua origem foi criação dos movimentos feministas. Pensado como um dia de luta política para a manifestação pública dos diversos grupos feministas, com vistas a denunciar situações de opressão, desigualdades e violências vividas ainda por grande parte das mulheres nas nossas sociedades, a data vem, mais e mais, e não apenas no Brasil, transformando-se em um verdadeiro segundo Dia das Mães. Basta a observação dos discursos que circulam hoje nos jornais, rádios, tvs, nas mensagens governamentais e até de empresas privadas para que, com análise crítica, se perceba o esvaziamento do sentido político da data.
Na maior parte das mensagens, o que encontramos são retóricas morais conservadoras que, disfarçando-se em dignificação da mulher, no fundo reiteram todos os estereótipos sociais produzidos historicamente sobre o feminino, que confinam as mulheres às representações ideológicas da mulher “dedicada”, “sacrificada”, “amorosa”, “maternal”, “compreensiva”, “nutridora”. Isto é, mulher como sinônimo de “cuidadora” e que encontra na figura da “mãe” seu ideal. Como estamos na conservadora sociedade burguesa e cristã, essa mãe não pode ser senão sempre-já a “esposa” fiel ao marido e devotada aos filhos. Ideologia do casamento heterossexual como destino para todas as mulheres e ideologia da maternidade como realização máxima da mulher.
Assim, com jornais ofertando rosas impressas em suas capas, governadores/as, prefeitos/as, comunicadores/as e também empresários/as (que não perdem a chance de fazer a propagando de seus negócios) fazendo seus delicodoces e manteigueiros discursos sobre “o valor da mulher”, o que, de fato, realizam é o esvaziamento do sentido político da luta feminista pela emancipação social das mulheres. Emancipação que inclui rupturas com modelos culturais e morais impostos às mulheres que constituem estruturas, instituições e padrões de relações sociais que inferiorizam e oprimem as mulheres. Nesse sentido, as lutas feministas priorizaram sempre as bandeiras das liberdades sexuais, do fim das desigualdades entre homens e mulheres mantidas em diversos âmbitos, a luta pela legalização do aborto, por leis de proteção às mulheres contra violências praticadas no domínio doméstico ou público, por políticas públicas promotoras de novas condições para as mulheres.
A valorização conservadora da mulher que se pratica nos discursos que usurparam a cena pública do 8 de março é antifeminista. É hipócrita e ardilosa. Visa fazer crer que, hoje, por mérito das próprias mulheres “guerreiras”, “lutadoras”, mas também “sacrificadas” (a mater dolorosa cristã!), já temos um “reconhecimento do valor da mulher”: que, agora, pode ser presidente (e há aqueles que se escondem no “presidenta” para fingir maior valorização da mulher, não por autêntico feminismo radical, mas por mulherismo  linguístico adulatório), governadora, prefeita, parlamentar, empresária. Mesmo quando algumas delas, ocupantes desses postos, nada tenham de feministas ou experimentem, em suas histórias pessoais, algo que se possa chamar de emancipação feminina. Do lar, fabricadas por concepções antiemancipatórias que vigoram nas famílias e na sociedade em geral – o que inclui retrógadas crenças religiosas e alienantes valores morais –, vão para a esfera pública (governar, dirigir, representar etc.) como meras replicadoras de ideias e práticas que constituem não apenas as bases fundamentais de estruturas de opressão e alienação das mulheres em nossas sociedades, mas igualmente de estruturas econômicas e de poder, além de instituições culturais, que mantêm a sociedade de desigualdades e violências que conhecemos.
Oxalá os grupos feministas consigam retomar a palavra e a cena pública no 8 de março e reinstituam o sentido de luta política da data! O que interessa não apenas às mulheres mas a todos/as que lutam por transformações radicais de estruturas, instituições, relações e práticas sociais, prevalentes em nossas sociedades, que perpetuam a dominação masculina, hierarquias infundadas de gênero, a ideologia da heterossexualidade obrigatória, a homofobia e igualmente desigualdades econômico-sociais e mecanismos de poder para privilégio de poucos e miséria e sofrimento de muitos.

Fonte: Carta Potiguar

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Por Heloneida Studart
Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças. Levei apenas uma hora para saber o motivo.

Bete fora acusada de não ser mais virgem e os dois irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira, para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.

Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro alto do quintal de sua casa, para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo médico registrou “vestígios himenais dilacerados” e os pais internaram a pecadora no reformatório Bom Pastor para “se esquecer do mundo”. Esqueceu, morrendo tuberculosa.

Estes episódios marcaram para sempre a minha consciência e me fizeram perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das mulheres. Antes, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular, moldar, escravizar aos estereótipos.

Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias plásticas. Transformaram os seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem rebolativas e sensuais.
Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se adaptarem a moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens. E, com isso, Barbies de fancaria, provocaram em muitas outras mulheres – as baixinhas, as gordas, as de óculos – um sentimento de perda de auto-estima.

Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários (56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na pesquisa científica, na política, no jornalismo. E no momento em que as pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso feminilizar o mundo e torná-lo mais distante da barbárie mercantilista e mais próximo do humanismo.

Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico, tão bem representado por pistolas, revólveres, punhais.

Ninguém diz, de uma mulher, que ela é espada. Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto.

Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos.
É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam lata d’água e trouxa de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram crianças. Ao seu dorso que engrossou, porque ela carrega o país nas costas.

São mulheres que imporão um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer a ternura de suas mentes e corações. Viva Rita Lee, que canta: “nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda e meu peito não é de silicone… sou mais macho que muito homem”.

Heloneida Studart (1932-2007) – Escritora, ensaísta, seis vezes deputada estadual pelo PT-RJ, jornalista e teatróloga cearense