AFOGADORES E AFOGADOS
Pablo Capistrano
Quando a guerra de Canudos começou, um grupo substancial das castas intelectuais do país advogou a tese de que aquele era um combate entre a civilização e a barbárie, entre o progresso do sul e as sombras ignorantes de um passado medieval que ainda insistia em sobreviver nos sertões do Brasil. Euclides da Cunha, que escreveu uma das mais fundamentais obras da literatura brasileira (os Sertões) disse sobre aquela guerra: “abriu-se separação radical entre o sul e o norte”. No sul, “novas tendências, uma subdivisão maior na atividade (...) um largo movimento progressista em suma”. No norte e nordeste a “figura dos nossos patrícios retardatários”.
Mais de cem anos depois, bastou um mapa do Brasil pintado de vermelho e azul depois da eleição, um gosto amargo de ressentimento por parte de alguns eleitores do candidato ex-governador de São Paulo para que aquele velho sentimento xenofóbico, latente e oculto nos espaços recalcados da consciência nacional viesse à tona.
Para variar tudo começou no twitter quando uma abestada (Evoé mestre Tiririca!) postou o seguinte: “Nordestisto (sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!”. A estudante de Direito de São Paulo (Mayara Petruso) não sabia, mas ela estava se tornando o centro de uma discussão que há muito tempo se mantém latente no país.
Entender o preconceito contra nordestinos no Brasil não é tarefa fácil. Em tese somos o mesmo povo, falamos uma mesma língua, e, na grande maioria dos casos, partilhamos uma mesma religião de base cristã (católica ou protestante).
Para o professor da UFRN Durval Albuquerque Jr. (citado em artigo na Carta Capital), o preconceito contra nordestinos em São Paulo teria surgido na década de 1920, quando levas de migrantes bahianos chegaram no sudeste e passaram a competir com os imigrantes europeus por postos de trabalho.
O fato é que a divisão eleitoral vermelho/azul, que mostra o norte e o nordeste com Dilma e o sul e sudeste com Serra, usada em um primeiro momento para diminuir o impacto da derrota tucana, não se sustenta. Dilma venceria mesmo sem os votos dos nordestinos. Na verdade, o que é duro admitir, é que foi o Brasil que rejeitou a opção do PSDB paulista e não nós, os nordestinos.
No portal Terra (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4772959-EI6578,00-Querem+vitimizar+Nordeste+diz+Movimento+SP+para+Paulistas.html), Fabiana Pereira, uma das porta-vozes do Movimento São Paulo Para Os Paulistas tentou defender Mayara Petruso com o seguinte argumento: “Acho também que não estão sendo debatidas quais as causas da revolta dela. O fato de - não que justifique-, mas o fato de São Paulo sustentar o Bolsa Família, e aí esses beneficiários emergem e São Paulo fica subjugado a um governo que não elegeu, né?! (...)São Paulo sustenta e eles (nordestinos) decidem quem vai nos governar.”
Fabiana é mais uma vítima de uma síndrome de 1932 que vez ou outra toma conta de setores da sociedade paulista. A sensação que apenas São Paulo trabalha no Brasil e que o resto do país vive em uma simbiose parasitológica com o mais rico estado da nação é um dos sintomas psicossociais dessa doença psicossocial. São Paulo precisa reagir a isso. É preciso que aqueles que entendem São Paulo como a síntese, como um espaço aberto para o diverso e para o múltiplo não permitam que, de dentro para fora, esse tipo de excrescência ideológica prospere, porque a humanidade já está cansada daquilo que nos separa, daquilo que nos isola, daquilo que nos torna vítimas e carrascos dos outros. Nessa brincadeirinha nazista que divide o Brasil em povos distintos não importa se você é o afogador ou o afogado, no final todos perdem.
Fonte: Jornal O Mossoroense, 10 de novembro de 2010.
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