segunda-feira, 23 de abril de 2012

Abandono de crianças

Especial | Abandono de crianças
Os pequenos enjeitados
A rejeição, o infanticídio e a prática do abandono de crianças recém-nascidas pelas mães já eram uma realidade social na cidade de São Paulo no período dos anos oitocentos...

Por Robson Roberto da Silva


Montagem: Fabiana Neves
Acostumamo-nos a presenciar notícias horríveis nos noticiários televisivos - ou na grande imprensa - sobre crianças sendo abandonadas pelas ruas; cadáveres de recém-nascidos encontrados em sacos plásticos dentro de lixeiras; ou boiando em lagos e rios das cidades brasileiras. O que leva a essa tendência à rejeição e ao desamor das mulheres, que resulta em abandono de sua prole?
Dá-se a impressão de que este seja um problema social da modernidade, de que os valores familiares e o amor maternal se perderam no tempo. Entretanto, a questão da infância abandonada no Brasil é histórica - e remete ao período colonial, onde os filhos bastardos eram abandonados, enchendo os orfanatos das Igrejas; ou se tivessem sorte, terminavam acolhidos por parentes como afilhados - ou adotados pelas famílias como crianças expostas.
Acervo 2D
Vista do Largo da Sé, São Paulo, 1862
Infância marcada
Um exemplo peculiar foi que ocorreu na cidade de São Paulo no início do séc. XIX, onde as taxas de crianças abandonadas eram preocupantes. Os relatos daquela época mencionavam o horripilante cotidiano dos transeuntes que encontravam pelas ruas, terrenos baldios ou monturos de lixo, cadáveres de recém-nascidos devorados por porcos ou cães. Tais atitudes escandalizavam a moralidade das autoridades políticas e religiosas.
Até no final do século XVIII, era comum na sociedade colonial o costume de adotar crianças órfãs ou enjeitadas - tanto as famílias humildes quanto as ricas. Essas crianças adotadas eram inseridas dentro do ambiente patriarcal, onde os laços de dependência e obediência eram muito fortes. No caso das famílias ricas, muitas eram afilhadas do senhor da Casa-Grande através da prática do compadrio e, ao se tornarem adultos, convertiam-se em seus agregados. A convivência entre os sinhozinhos, moleques escravos e afilhados baseava-se no companheirismo nas suas brincadeiras e jogos, onde faziam suas diabruras e folguedos infantis.
Nas famílias pobres, que dependiam dos rendimentos de serviços temporários em artesanato ou no comércio das ruas da cidade, o acolhimento de crianças expostas tinha também um caráter utilitarista, pois elas seriam uma mão de obra muito utilizada na economia familiar, mais fiel e dócil do que adquirir um escravo.
Esse sistema de acolhimento familiar funcionou em São Paulo até o final do séc. 18, pois no século seguinte houve um relativo aumento no índice de rejeição e abandono de crianças recém-nascidas, fazendo com que a cidade paulista tivesse um dos maiores índices de expostos da época.
Acervo 2D
A roda, instalada na parede frontal de conventos e hospitais, garantia de anonimato
Vida bandida
Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês do início de século XIX, responsabilizava o alto índice de prostituição como uma das causas do aumento de bastardos na cidade. Essa hipótese se sustenta, pois a cidade de São Paulo, nas primeiras décadas do século 19 era um entreposto comercial das caravanas de tropeiros que transportavam mercadorias da região Sul para as Minas Gerais, Rio de Janeiro e Nordeste. Assim, sua população era muito itinerante e a ausência dos homens na cidade forçavam muitas mulheres a encontrarem na prostituição um meio de sobrevivência.

Segundo o historiador francês Philippe Áries, nas sociedades tradicionais o conceito de infância era diferente dos dias atuais: a infância era considerada uma fase sem importância e transitória. Devido às condições demográficas daquela época, a perda das crianças recém-nascidas era encarada com lamentações, mas sem desespero, pois dificilmente se guardavam lembranças dessas criaturinhas que se iam tão rápido e prematuramente

Mas somente a hipótese do alto índice de prostituição em São Paulo não basta para esclarecer a questão. A razão do aumento de expostos devesse principalmente à própria condição das mulheres, pois inseridas numa sociedade patriarcal e conservadora - na qual o valor da mulher era mínimo - elas estavam submetidas aos caprichos dos homens como concubinas e, ao abandoná-las, faziam com que elas assumissem sozinhas a responsabilidade pela prole. Desse modo, muitas delas não tinham as mínimas condições de criá-los e, tomadas pelo desespero, a alternativa era expor as crianças em varias circunstâncias: ou as deixavam em casas de parentes, ou de famílias, ou deixavam em qualquer lugar, correndo todo tipo de perigo.

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