quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Sedução para o consumo

Sedução para o consumo
Da tradição tecnicista vem a "necessidade vital" do consumo, e as poderosas técnicas da publicidade têm no homem atual presa fácil pelo vazio existencial proporcionado na era pós-moderna

Por Renato Nunes Bittencourt



 
Uma re flexão filosófica sobre as influências comportamentais das práticas comunicativas na subjetividade do indivíduo regido pelos signos do ideário capitalista não pode se furtar em analisar criteriosamente os mecanismos publicitários da persuasão sobre as qualidades atribuídas aos produtos disponíveis no sistema de mercado no qual estamos inseridos. O grande motor da propaganda consiste na sua habilidade em estimular o indivíduo a consumir um dado produto, destacando-se as características que se julga como potenciais fontes de atração da percepção do indivíduo. As técnicas publicitárias geralmente associam a imagem do produto divulgado com elementos que não correspondem imediatamente ao objeto destacado, pois esse procedimento gera, na mentalidade do consumidor, a ideia de que, ao adquirir um produto específico, as qualidades supostamente contidas nesse produto serão assimiladas. O especialista em Comunicação Social, Gino Giacomini Filho, destaca que “a publicidade nasceu com o claro propósito de fomentar a transação econômica, principalmente diminuindo a resistência do consumidor”¹.
O consumidor caracterizado por seguir os normativos mandamentos publicitários, propagadores das imagens espetaculares de sucesso pessoal e pro- ssional, se encontra na obrigação de ser feliz, mas esse estado de beatitude não se concretiza da maneira esperada na vida cotidiana. Este é seu maior malogro, havendo assim uma descontinuidade entre aquisição de bens materiais e felicidade genuína. Conforme complementa Adriana Santos, especialista em Imagens e Culturas Midiáticas: “Cada vez mais, os meios de comunicação, não apenas sinônimos de troca de informação como também de publicidade e propaganda – acenam com maiores quantidades de objetos de desejo para os consumidores, fazendo com que, um dia, o paraíso e o bem-estar prometidos por tais produtos possam ser nalmente encontrados”².
Renato Nunes Bittencourt é doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ, professor do curso de Comunicação Social da Faculdade CCAA e da Faculdade Flama e membro do Grupo de Pesquisa Spinoza & Nietzsche
O prazer existencial prometido pelo consumo de bens materiais não se encontra de modo algum imediatamente associado a esses, ainda que haja uma maciça campanha publicitária que promova o poder mágico desses bens como acessórios por excelência para que o consumidor conquiste o patamar de satisfação material esperado. Consumir é sempre uma atividade supressora do estresse; logo, por qual motivo não se aproveitar da sensação geral de instabilidade psíquica reinante nos agitados centros urbanos para se promover a comercialização dos diversos tipos de objetos disponíveis, revestindo-os com os efeitos espetaculares da propaganda? Vejamos o parecer crítico de Schröder e Vestergaard: “Mostrando gente incrivelmente feliz e fascinante, cujo êxito em termos de carreira ou de sexo – ou ambos – é óbvio, a propaganda constrói um universo imaginário em que o leitor consegue materializar os desejos insatisfeitos da sua vida diária”³.
Os critérios “morais” da sociedade consumista, herdeira do tecnicismo industrial, consistem na obrigação incondicional do indivíduo se apresentar publicamente como alguém plenamente capacitado a consumir, mesmo sem que isso resulte na realização de uma necessidade vital básica; com efeito, a lógica consumista faz da disposição de consumir coisas uma necessidade vital irrevogável. A doutora em crítica literária, Lucia Santaella, destaca que, “fascinado diante da miríade de estímulos, diante do espetáculo volátil das luzes, das imagens, dos cenários e das coisas, nas grandes cidades, o olhar moderno aprendeu a desejar o corpo enfeitiçado das mercadorias que, sacralizadas pela publicidade, cam expostas à cobiça por trás dos vidros reluzentes das vitrines.4O discurso da publicidade consumista se utiliza da insatisfação existencial do indivíduo para melhor dominá-lo, insu ando-lhe tendências heterônomas em relação ao seu apreço pelos bens materiais. Conforme destacam os sociólogos Philippe Breton e Serge Proulx, “a publicidade, se inserindo na problemática de marketing das empresas, tornou-se um mecanismo essencial para a organização da produção da demanda e das necessidades a preencher pelo consumo”5. A publicidade fabrica consenso para atender aos interesses do poder econômico, prosperando assim por meio das carências existenciais de cada indivíduo, que consomem sofregamente em nome de uma postulada “satisfação interior”. O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, argumenta com muita precisão que “a liberdade do consumidor signi ca uma orientação da vida para as mercadorias aprovadas pelo mercado, assim impedindo uma liberdade crucial: a de se libertar do mercado, liberdade que signi ca tudo menos a escolha entre produtos comerciais padronizados.”6

A aquisição de bens materiais traz não só a ilusão da felicidade, mas a “obrigação” de ser feliz. Promessas reiteradas da publicidade que não se concretizam ao não preencherem verdadeiramente o homem

A OBRA DE JEAN Baudrillard, A Sociedade de Consumo, discute o consumismo como mito que se transforma na nova moral do mundo moderno e como somos impelidos a consumir orientados pelos meios de comunicação
Torna-se tecnicamente impossível pensarmos em “liberdade de escolha” ou “liberdade individual” quando existe um mecanismo social, a publicidade, que cria, em nome de conveniências econômicas, demandas desiderativas que exigem da parte do consumidor a sua satisfação imediata, para que a paz psíquica se estabeleça em sua consciência. O comunicólogo francês, Abraham Moles, a rma que “o papel da agência de publicidade é, de um lado, manter as necessidades, e de outro, transformar os “desejos” em “necessidades”, na medida em que o indivíduo tenha uma margem de escolha imposta”7.
Os publicitários conhecem um campo de possibilidades de reações dos indivíduos diante de um produto e com a propaganda que é feita em torno dele. Detendo uma ampla percepção psicológica da afetividade do consumidor, o pro ssional da publicidade consegue elaborar um tipo de discurso que se encaixa perfeitamente nas aspirações pessoais da massa consumidora, levando-a ao pronto consumo da coisa divulgada na propaganda social, que é usualmente contextualizada em situações de prazer, de alegria, contando com a presença de pessoas belas e saudáveis.
Para o sociólogo e lósofo francês, Jean Baudrillard, “o narcisismo do indivíduo na sociedade de consumo não é fruição da singularidade, é refração de traços coletivos” 8. Tal colocação desmisti ca o discurso ideológico da publicidade que apregoa a capacidade mágica de singularização do ser humano por meio da aquisição dos produtos revestidos de uma aura soteriológica, capaz de libertar o consumidor de sua mediocridade existencial. Marilena Chaui destrincha esse paradoxo ideológico da moral publicitária, argumentando que “a propaganda tenta garantir ao consumidor que ele será, ao mesmo tempo, igual a todo mundo e não um deslocado (pois consumirá o que os outros consomem) e será diferente de todo mundo (pois o produto lhe dará uma individualidade especial)”9.
Os meios de comunicação, seja rádio, internet ou tv cada vez mais se prestam aos desígnos da publicidade, com enxurradas de propagandas a todo o momento
É impossível negarmos a inexistência de qualquer responsabilidade social dos agentes publicitários, especuladores dos desejos coletivos, em forjar novas demandas consumistas, como forma de pretensamente outorgar aos consumidores tanto uma sensação de pertencimento social quanto de status quo. Para o sociólogo, Don Slater, “as pessoas compram a versão mais cara de um produto não porque tem mais valor de uso do que a versão mais barata (embora possam usar essa racionalização), mas porque signi fica status e exclusividade; e, claro está, esse status provavelmente será indicado pela etiqueta de um designer ou de uma loja de departamentos”10.
A sociedade de consumo faz com que os indivíduos, psicologicamente massi cados pela ideologia mercantilista apregoada pela publicidade comercial, atuem de maneira heterônoma no tocante ao ato de aquisição dos gêneros ofertados, o que resulta no curioso caso de que muitas vezes os indivíduos adquirem os produtos à disposição do mercado consumidor em decorrência direta dos estímulos externos transmitidos pelos mecanismos midiáticos. O desenvolvimento das técnicas do neuromarketing, dispositivo comunicacional caracterizado pelo uso de mecanismos subliminares na divulgação da propaganda é um dos fatores que geram a criação arti cial de demandas consumistas nos indivíduos seduzidos pelas imagens prometedoras do gozo existencial mediante o usufruto do produto divulgado. Uma pergunta se torna imprescindível: comprovando-se a propaganda subliminar, é possível pensarmos na ideia de liberdade de escolha do consumidor? O consultor corporativo dinamarquês, Martin Lindstrom defende a ideia de que em breve um número cada vez maior de empresas vai se esforçar para manipular medos e inseguranças a respeito de nós mesmos para nos fazer pensar que não somos su cientemente bons, que se não comprarmos um determinado produto, estaremos de alguma forma perdendo algo.11 A in nidade de impulsos inconscientes em busca de satisfação, manipulados com maestria pelo sistema publicitário, pode ser considerada como a motivação ao ato de comprar através desses estímulos da propaganda, mantendo-se, todavia, uma distância muito estreita entre desejo e gozo.

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Fonte: Portal Ciência & Vida

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