segunda-feira, 30 de abril de 2012

Movimento Liberal e as Nacionalidades

O Movimento Liberal, de 1848, incendeia a Europa

A partir do momento em que a ação repressora da Santa Aliança foi posta em prática para garantir as determinações do Congresso de Viena (1815), as forças de oposição reagiram, retomando os ideais da Revolução Francesa e articulando-os aos princípios do liberalismo e do nacionalismo.

A essas duas correntes que estão na origem das principais revoluções de 1830, juntou-se, a partir de 1848, o socialismo. Os socialistas propunham redução na jornada de trabalho, melhores condições de vida aos operários, etc. Na verdade, eles queriam uma real transformação da estrutura social e política imposta pelo regime vigente.

Revolução de 1848 em Berlim

A esses fatores políticos, somaram-se outros de ordem econômica (más colheitas, alta de preços, desemprego e baixos salários), que abalaram toda a Europa, gerando numerosas revoluções no ano de 1848. É nesse clima de intranquilidade, que iremos fazer uma análise sobre estas revoluções ocorridas em solo europeu.

Portanto, as varias revoluções que eclodiram na Europa teve como características comuns o nacionalismo, o liberalismo, e elementos socialistas. O nacionalismo faz com que os povos de mesma origem e cultura procurem se unir em busca da independência e da identidade nacional: o liberalismo se opõe aos princípios da monarquia e o socialismo direciona para reformas sociais e econômicas profundas contra a desigualdade. Os conservadores tentam consolidar a restauração monárquica, enquanto que os liberais querem a expansão econômica, social e política capitalista.

Apesar de violentamente esmagados (conflitos entre a massa e as forças conservadoras), os movimentos de 1848 tornaram-se um marco histórico, tanto pela participação de grandes massas populares, como por terem assegurado o domínio do poder político para a burguesia liberal ao final de cada confronto com o poder da aristocracia.


Por José Lima Dias Júnior

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Abandono de crianças

Especial | Abandono de crianças
Os pequenos enjeitados
A rejeição, o infanticídio e a prática do abandono de crianças recém-nascidas pelas mães já eram uma realidade social na cidade de São Paulo no período dos anos oitocentos...

Por Robson Roberto da Silva


Montagem: Fabiana Neves
Acostumamo-nos a presenciar notícias horríveis nos noticiários televisivos - ou na grande imprensa - sobre crianças sendo abandonadas pelas ruas; cadáveres de recém-nascidos encontrados em sacos plásticos dentro de lixeiras; ou boiando em lagos e rios das cidades brasileiras. O que leva a essa tendência à rejeição e ao desamor das mulheres, que resulta em abandono de sua prole?
Dá-se a impressão de que este seja um problema social da modernidade, de que os valores familiares e o amor maternal se perderam no tempo. Entretanto, a questão da infância abandonada no Brasil é histórica - e remete ao período colonial, onde os filhos bastardos eram abandonados, enchendo os orfanatos das Igrejas; ou se tivessem sorte, terminavam acolhidos por parentes como afilhados - ou adotados pelas famílias como crianças expostas.
Acervo 2D
Vista do Largo da Sé, São Paulo, 1862
Infância marcada
Um exemplo peculiar foi que ocorreu na cidade de São Paulo no início do séc. XIX, onde as taxas de crianças abandonadas eram preocupantes. Os relatos daquela época mencionavam o horripilante cotidiano dos transeuntes que encontravam pelas ruas, terrenos baldios ou monturos de lixo, cadáveres de recém-nascidos devorados por porcos ou cães. Tais atitudes escandalizavam a moralidade das autoridades políticas e religiosas.
Até no final do século XVIII, era comum na sociedade colonial o costume de adotar crianças órfãs ou enjeitadas - tanto as famílias humildes quanto as ricas. Essas crianças adotadas eram inseridas dentro do ambiente patriarcal, onde os laços de dependência e obediência eram muito fortes. No caso das famílias ricas, muitas eram afilhadas do senhor da Casa-Grande através da prática do compadrio e, ao se tornarem adultos, convertiam-se em seus agregados. A convivência entre os sinhozinhos, moleques escravos e afilhados baseava-se no companheirismo nas suas brincadeiras e jogos, onde faziam suas diabruras e folguedos infantis.
Nas famílias pobres, que dependiam dos rendimentos de serviços temporários em artesanato ou no comércio das ruas da cidade, o acolhimento de crianças expostas tinha também um caráter utilitarista, pois elas seriam uma mão de obra muito utilizada na economia familiar, mais fiel e dócil do que adquirir um escravo.
Esse sistema de acolhimento familiar funcionou em São Paulo até o final do séc. 18, pois no século seguinte houve um relativo aumento no índice de rejeição e abandono de crianças recém-nascidas, fazendo com que a cidade paulista tivesse um dos maiores índices de expostos da época.
Acervo 2D
A roda, instalada na parede frontal de conventos e hospitais, garantia de anonimato
Vida bandida
Auguste de Saint-Hilaire, naturalista francês do início de século XIX, responsabilizava o alto índice de prostituição como uma das causas do aumento de bastardos na cidade. Essa hipótese se sustenta, pois a cidade de São Paulo, nas primeiras décadas do século 19 era um entreposto comercial das caravanas de tropeiros que transportavam mercadorias da região Sul para as Minas Gerais, Rio de Janeiro e Nordeste. Assim, sua população era muito itinerante e a ausência dos homens na cidade forçavam muitas mulheres a encontrarem na prostituição um meio de sobrevivência.

Segundo o historiador francês Philippe Áries, nas sociedades tradicionais o conceito de infância era diferente dos dias atuais: a infância era considerada uma fase sem importância e transitória. Devido às condições demográficas daquela época, a perda das crianças recém-nascidas era encarada com lamentações, mas sem desespero, pois dificilmente se guardavam lembranças dessas criaturinhas que se iam tão rápido e prematuramente

Mas somente a hipótese do alto índice de prostituição em São Paulo não basta para esclarecer a questão. A razão do aumento de expostos devesse principalmente à própria condição das mulheres, pois inseridas numa sociedade patriarcal e conservadora - na qual o valor da mulher era mínimo - elas estavam submetidas aos caprichos dos homens como concubinas e, ao abandoná-las, faziam com que elas assumissem sozinhas a responsabilidade pela prole. Desse modo, muitas delas não tinham as mínimas condições de criá-los e, tomadas pelo desespero, a alternativa era expor as crianças em varias circunstâncias: ou as deixavam em casas de parentes, ou de famílias, ou deixavam em qualquer lugar, correndo todo tipo de perigo.

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terça-feira, 17 de abril de 2012

Fotos do Titanic mostram evidências de restos humanos

 
Disposição das botas indicaria que o corpo de alguém teria ficado naquele local. (Foto: AP)Cem anos depois do naufrágio do Titanic, fotografias inéditas indicam que o fundo do Oceano Atlântico ainda poderia abrigar restos humanos. Imagens sem corte feitas em 2004, divulgadas pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, sigla em inglês), mostram um casaco e botas enterradas nos sedimentos oceânicos da tragédia.

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O diretor da repartição de legado marítimo da NOAA, James Delgado, disse ao Yahoo! que acredita que a disposição das botas sugere que o corpo de alguém teria ficado naquele local. “Não se trata de calçados que cuidadosamente caíram da bolsa de alguém, um ao lado do outro”, teoriza Delgado.

O cineasta James Cameron, que visitou a carcaça do navio inúmeras vezes, afimou ter encontrado sapatos, mas nenhum resto humano. “Nós vimos sapatos. Vimos pares de sapatos, o que sugere fortemente que havia um corpo lá, em um ponto. Mas nós nunca vimos os restos humanos”.

“Como arqueólogo, eu diria que se trata de restos humanos. Que, nestes sedimentos, há muito provavelmente vestígios forenses desta pessoa”, argumenta Delgado, falando sobre as fotos divulgadas.

O cientista ainda lembra que o navio é um “cemitério submarino” e precisa ser melhor protegido e respeitado. “Existem alguns lugares que são tão especiais que deveríamos ter uma abordagem diferente”, afirmou Delgado.

No início deste mês, os destroços do Titanic ganharam proteção da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Segundo a entidade, mais de 700 mergulhadores já visitaram o local do naufrágio, a 4,3 mil metros de profundidade, no Atlântico Norte, ao largo da costa do Canadá.

Fonte: Yahoo Notícias

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Bullying escolar: reflexo da sociedade da intolerância
Posted: 10 Apr 2012 09:32 AM PDT
Por Anderson Soares
(Educador e Psicopedagogo)


A exacerbação das conseqüências das mudanças e transformações, resultantes no século XXI, tem se refletido de forma impactante nos ambientes escolares e uma delas é a intensificação da intolerância às diferenças, que neste momento tem gerado reflexões de educadores, psicólogos, sociólogos, etc.
As transformações sócio-econômicas e principalmente comportamentais trazem imensos desafios para os ambientes escolares, que parecem impotentes diante do anúncio de uma nova e complexa sociabilidade da qual os modelos tradicionais de educação não estão dando conta. Os pais dos alunos também parecem desorientados e perplexos diante da sua responsabilidade na formação pessoal e educacional de seus filhos. Estes pais não sabem lidar com as questões afetivas num cotidiano de pouco cultivo dos valores humanos.
Os vínculos humanos, consumados sob a égide das transformações citadas, são substancialmente frágeis e empobrecidos afetivamente (volúveis e descartáveis). Como conseqüência, não é projeto e nem prioridade para pais e mães a formação e educação de seus filhos, mesmo que estes pais acreditem na educação no ambiente familiar como sendo mero suprimento das necessidades materiais.
Aqueles que seriam os responsáveis pela formação pessoal e afetiva de seus filhos parecem impotentes diante da realidade dos mesmos que são expostos a excesso de informação, apegados a tecnologias e aos jogos eletrônicos, desmedidos no culto à estética, adeptos a futilidades diversas, doentiamente consumistas, emocionalmente precários, afetivamente embotados e quase nunca cultivam os valores humanos. Independente das diferenças econômicas entre os diversos responsáveis (pais, mães, cuidadores) todos vivenciam a mesma mazela psicossocial; tanto o executivo loiro, que usufrui todo privilégio do poder econômico (curso “superior”, bairro “nobre”, lugares “sofisticados”) e supre as necessidades materiais do filho quanto o pardo semi-alfabetizado (invisível socialmente) que se mantém com sua modesta carrocinha de cachorro-quente e minguados recursos.
O resultado macabro, nestas crianças e adolescentes que pouco recebem de afeto e orientação de seus pais (ou cuidadores), é, nos ambientes escolares, o seu comportamento problemático e permissivo, oriundo da precariedade emocional e desleixo em suas formações. Estamos nos referindo à infância e à adolescência como etapas de desenvolvimento primordiais à formação de futuros adultos que vão se expor às questões de ética, tolerância, cultivo dos valores humanos, percepção das próprias emoções e experiências de limites e frustrações. Diante desta realidade, o poder do exemplo e referência dos pais deveriam ser imperativos.
O que nós conhecemos como bullying, nos ambientes escolares, nada mais é do que um reflexo da sociedade da intolerância, na qual cada ser social doente reproduz as mazelas e valores conforme seu contexto. As agressões morais, simbólicas, opressão econômica, insultos, desrespeito à diferença, fazem parte do cotidiano de uma estrutura social doentia em que o ter sobrepuja o ser, o poder econômico prevalece diante dos valores humanos (tão pouco cultivados e subestimados pela sociedade quase psicopática).
A intolerância em nossa sociedade é estimulada de diversas formas, principalmente no campo simbólico. Reflitamos sobre a ideologia implícita nos valores que são cultivados, nos comportamentos que são glorificados, no que está embutido nos programas e propagandas da TV burrificadora, nos tipos físicos expostos nas capas de revista e outdoors. Também as religiões…Prestemos atenção aos discursos de “fraternidade” de padres, pastores e demais charlatães de várias tinturas e genealogias.
Lembremos que os nazistas da Alemanha hitlerista chegaram ao poder através do voto e suas ações tiveram respaldo da maioria dos alemães. Importante citar também um famoso deputado federal (de falas fascistas e extremistas) cujas idéias representam as crenças de parcela significativa da sociedade brasileira.
As crianças e adolescentes, seres em formação, são muito vulneráveis do ambiente: a intolerância é aprendida. Se não recebem afeto, orientação e formação sólida em seus ambientes domésticos, ficam à mercê da permissividade e da falta de capacidade de respeitar seu semelhante (seja ele quem for). A não existência de comportamentos de referência e exemplos vindos de seus pais é um ingrediente fatal para o cultivo diário da intolerância em seus ambientes escolares.
É nos ambientes escolares que, frequentemente, crianças e adolescentes extravasam suas perturbações subjetivas e inquietações psíquicas. É através de comportamento agressivo ou de excessivo retraimento que a vítima ou aquele que comete bullying se expressam.
E as escolas que, em pleno século XXI, seguem modelos arcaicos e contraproducentes priorizam os valores cognitivos em detrimento da emoção adoecida e da sensação de vazio de crianças e adolescentes, quase órfãos de pais vivos. Mesmo diante destas aberrações comportamentais, prevalece a idéia de que a escola boa é aquela que “aprova para o vestibular”. Diante destas mazelas, a precariedade e impotência estão presentes tanto em escolas abastadas, que formam os filhos das elites econômicas; quanto em escolas públicas depauperadas, que atendem os que não tem poder de capital: os figurantes mudos, que vivenciam a invisibilidade social cotidiana.
Torna-se decisiva uma profunda reflexão (novos olhares, novos direcionamentos) em torno de tão sérias transformações. A relação entre família e escola tem que ser reforçada e repensada sob os desígnios dos desafios do século XXI, entendendo o quanto o ambiente escolar é vulnerável diante da sociedade da intolerância: o bullying não pode ser pensado isoladamente!!
A escola deve ser exatamente o lugar onde o convívio e a tolerância com as diferenças devem ser trabalhados e estimulados na formação de crianças e adolescentes. Tal trabalho continuará contraproducente se todos os envolvidos (pais, mães, educadores, cuidadores, etc) deixarem prevalecer dentro de si os hábitos viciados, os preconceitos arraigados e a mentalidade doentia que são cultivados no dia-dia pela sociedade psicopática.


Fonte: Carta Potiguar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Seis mil anos de pão: a importância do pão para a humanidade

 

Vítima da fome (como judeu perseguido na Segunda Guerra), Heinrich Eduard Jacob fez um retrato apurado de um dos principais alimentos da história da Humanidade.

Ernani Fagundes | 29/03/2012 16h3

Há três mil anos, numa província egípcia próxima de Tebas, um grupo de operários trabalhava sob o sol forte em obras ordenadas pelo faraó Ramsés IX. Ao fim da jornada, aliviados e ansiosos, os trabalhadores esperam o salário pelo dia de labuta: três pães e duas canecas de cerveja. Mas a ração naquela tarde chegou diferente: gordura no lugar da mistura assada de farinha, água, sal e um pouco de fermento. Não deu outra: na manhã seguinte, recusaram-se a sair de casa. No registro do livro de pagamentos, a prova de uma das primeiras greves da História.

Um mês depois, a ração mais uma vez veio incompleta e os operários voltaram a cruzar os braços. Os grevistas foram protestar na capital, até serem atendidos, por ordem direta do governador. A falta de pão pode ter um duro efeito sobre qualquer patrão ou Estado - e, como se vê, há bastante tempo. Desde que ganhou espaço na dieta das famílias com base na receita inventada no Egito, por volta de 4000 a.C. Em Seis Mil Anos de Pão - A Civilização Humana através de Seu Principal Alimento, o escritor e historiador Heinrich Eduard Jacob revela a saga do pão de trigo, marcada por poucas mesas fartas e muitos períodos de fome e guerras.
Do Egito, o alimento seguiu para a Europa mediterrânea e se espalhou pelo planeta (ilustração: Vanessa Reyes)

O intelectual judeu alemão, autor de 29 livros, sobrevivente da Primeira Guerra e perseguido pelo nazismo, foi preso em Viena, em março de 1938, e teve seus bens confiscados. Ficou cativo no campo de concentração de Dachau, na Alemanha, até que um tio americano conseguisse libertá-lo, em 1939. Refugiou-se primeiro na Inglaterra e depois obteve asilo nos Estados Unidos. Lá escreveu Seis Mil Anos de Pão, publicado originalmente em 1944. Gravuras do antigo Egito são os rastros primordiais do pão. Os agricultores das margens férteis do Nilo conseguiram cultivar o trigo em safras regulares. Eles perceberam que, além de uma papa, o cereal fornecia uma massa que, levada ao forno, resultava num alimento saboroso e nutritivo. "Os cereais foram domesticados pelo homem no Egito e na Mesopotâmia na mesma época", afirma Pedro Paulo Funari, professor de arqueologia e história antiga da Unicamp, conhecedor da obra de Jacob. De acordo com o livro, o processo de levedura da massa, a fermentação, tardou algum tempo para ser dominado. Os egípcios perceberam que, se deixassem a massa "descansar" antes de assá-la, isso a fazia crescer e, se parte dela fosse acrescentada a outra massa, ela a faria crescer mais. "Tão logo isso aconteceu, os egípcios passaram a comer o pão assado com frutas como figos e tâmaras e, mais tarde, com azeite ou azeitonas, quando estabeleceram contatos com outros povos do Mediterrâneo, como os gregos", diz Funari.

"Não foi preciso muito tempo para que houvesse 50 variedades de pão. Assado, ele não tinha semelhança com nenhum dos ingredientes", escreve Jacob.

Até o fim do Novo Império (de 1550 a 1070 a.C.), os egípcios viviam quase isolados entre os desertos da Líbia, do Sinai e da Núbia (no atual Sudão). Nessa época, o pão já tinha o status de moeda. Esse isolamento foi rompido com as invasões dos hicsos, um povo de origem semita, e pelas guerras com os hititas (que habitavam a região da Turquia), o que gerou uma nova dinâmica para a cultura do trigo.

Rota

Os egípcios passaram a exportar seu excedente de produção para outros povos do Mediterrâneo pelas mãos de comerciantes fenícios. Foi dessa forma que os gregos (e toda a Europa, em seguida) conheceram o trigo e a arte de fermentar o pão.

Antes disso, os gregos comiam uma espécie de broa de cevada e uma bolacha de centeio. A chegada do trigo reservou ao cereal importado um papel de destaque em cerimônias ao culto de Deméter, "a mãe que faz crescer o povo" e de Dionísio, incorporado pelos romanos como Baco: o casamento perfeito entre pão e vinho.

Os judeus, sobretudo, atribuíram um significado sagrado a esse alimento - a Páscoa judaica tem raízes na comemoração da saída do Egito. No capítulo 13 do Êxodo, Moisés diz: "Recordai-vos deste dia em que saístes do Egito, da casa de servidão. Não se comerá pão fermentado. (...) Durante sete dias comer-se-ão pães ázimos, e no sétimo dia haverá uma festa em honra ao Senhor". Ele também proibiu que, nesse período, eles mantivessem em casa qualquer produto fermentado.

Historiadores interpretam a ordem para consumir o pão ázimo (sem fermento) como uma forma de diferenciação do pão egípcio. Jacob, porém, oferece outra hipótese e cita o mesmo costume de diversos povos nas oferendas às divindades. Ele lembra, por exemplo, que os sacerdotes de Júpiter, o deus supremo para os romanos, eram proibidos de usar farinam fermento imbutam, ou seja, farinha embebida em fermento.

O que civilizações tão diferentes tinham em comum? Consideravam o fermento "algo podre" e "impuro" para agradar aos deuses. O hábito de tornar alimentos sagrados era comum a vários povos da Antiguidade. Mais de mil anos depois da saída de Moisés do Egito, quando os judeus passavam fome para atender aos tributos romanos, Jesus Cristo repartiu o pão da Páscoa (em 27 d.C.) e o consagrou para bilhões de seguidores no futuro. Distribuiu os pedaços aos apóstolos como o "pão da vida", a transformação do alimento em sua própria carne.

Pão e circo

"Foi nesse mundo do Império Romano que apareceu Jesus Cristo. Era um mundo de carência, de verdadeira fome, um mundo em que especuladores retinham os cereais e no qual o Estado e o imperador se serviam do pão para fins políticos, dando alimento a quem apoiasse o seu poder", diz o autor, referindo-se ainda à prática dos governantes de oferecer trigo e diversão, como as disputas entre gladiadores. Para alimentar a plebe, sucessivos dirigentes canalizaram todo o trigo do Egito e das províncias para Roma, deixando a população mediterrânea sem pão.

Os romanos herdaram dos gregos o gosto pelo pão e a adoração a Deméter, batizada como Ceres e incluída nos mistérios de Elêusis, único culto que concorria seriamente com o cristianismo nascente da época. Tão importantes que eram no cotidiano romano, o pão e o azeite tinham preço e estoque controlados pelo Estado. Entre tipos e formatos variados, como o panis testuatius, cozido num vaso de barro, o pão de Parta era considerado uma especialidade leve - a massa era deixada dentro da água durante muito tempo e só depois cozida. Registros apontam que, em 72 a.C., 40 mil romanos recebiam o cereal gratuitamente do Estado. Com Júlio César, esse número passou para 200 mil e seguiu crescendo. Mas toda essa estrutura ruiu entre os séculos 3 e 4, quando as províncias não puderam mais suportar o peso de Roma e sua estrutura corrupta e inflacionada. E os invasores bárbaros trouxeram um novo gosto alimentar: sopas de legumes, aveia e centeio, que levaram a civilização ocidental para a Idade Média do sabor. À época, boa parte da população adulta era desdentada e a sopa vinha bem a calhar.

Jacob afirma que, por cerca de mil anos, até quase o fim do medievo, os europeus comeram mal. Nas crises de abastecimento, até cascas de árvore eram misturadas a grãos de trigo nas moendas do cereal. A partir daí, o historiador conta como a humanidade teve de se virar em diferentes partes do planeta para alimentar a população. O milho e a batata encontradas na América pelos colonizadores se espalharam para a Europa, a China e a Arábia. Mas, segundo Jacob, a preferência pelo trigo parecia imbatível. "O pão era rico em calorias: 2,4 mil calorias por quilo." Além disso, era um alimento barato.
O livro é um clássico não apenas sobre o trigo mas também sobre a agricultura e as técnicas de produção e conservação de alimentos - essenciais ao avanço das civilizações. E, claro, cita a importância de exércitos bem alimentados em todas as guerras. Napoleão, por exemplo, alimentava suas tropas com "um pão fabricado com duas partes de trigo e uma de centeio", enquanto o restante da população francesa comia uma mistura de farelo de trigo que não matava a fome. Na Revolução Francesa, durante períodos de escassez do cereal, as mulheres foram ao Palácio de Versalhes e à Convenção de Paris exigir das autoridades o essencial. Conseguiram, em 1793, fazer valer uma lei (mesmo que por pouco tempo) que distribuía o pão gratuitamente. Só assim diminuíram os gritos nas ruas: "Queremos pão!" O mesmo apelo dos grevistas egípcios e de qualquer família (faminta ou não) até hoje.


Saiba mais


A obra

Seis Mil Anos de Pão - A Civilização Humana através de seu Principal Alimento.
Heinrich Eduard Jacob, Nova Alexandria, 2003.
 
Fonte:  http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/seis-mil-anos-pao-importancia-pao-humanidade-680769.shtml