Esparta e a educação
Esparta e a educação
Por Claudio Recco – coordenador do Historianet
Uma das principais características da cidade-estado de Esparta, na antiguidade, foi sua educação. A cultura espartana caracterizou-se por três elementos fundamentais que foram responsáveis pela sua formação ideológica: o militarismo, a xenofobia e o laconismo
Situada nas margens do rio Eurotas, na região do Peloponeso, a cidade que na época era denominada de Lacedemônia, é considerada a grande exceção da antiguidade grega, com características peculiares, diferente das demais cidades, diferença essa utilizada ao longo do tempo como contraponto ao desenvolvimento de Atenas. No estudo da História, enquanto a preocupação principal é compreender a formação da democracia e o desenvolvimento da cidadania ao longo do período Arcaico da história grega, entendendo as transformações vividas por Atenas, percebe-se a situação inversa em Esparta, ou seja, a manutenção de suas estruturas tradicionais no mesmo período. Transformações e permanências colocam em oposição as duas cidades.
Se Atenas tornou-se paradigma para outras sociedades e criou modelos ainda hoje valorizados, Esparta tornou-se a antítese dessa situação. Isso significa que, uma das maneiras de valorizar a democracia e a cidadania e seu berço ateniense, é demonizar a situação oposta, aquela que negou esses valores, que ainda hoje – apesar das grandes diferenças – são considerados importantes.
Militarismo
Para o filósofo Aristóteles, em sua obra “Política”, "Todo o sistema da legislação dos lacedemônios visa uma parte das qualidades do homem - o valor militar, por este ser útil nas conquistas; consequentemente a força dos lacedemônios foi preservada enquanto eles estiveram em guerra, mas começou a declinar quando eles construíram um império, porque não sabiam como viver em paz, e não foram preparados para qualquer forma de atividade mais importante para eles do que a militar."
As grandes guerras e conquistas espartanas estão na base da própria formação da cidade. O processo de conquista das terras centrais do sul da Grécia, em particular a planície da Lacônia, implicou em uma sucessão de guerras que exigiam permanente estado de organização militar. Essa situação tendeu a perpetuar-se na medida em que a resistência dos povos dominados foi constante.
O desenvolvimento do escravismo dos povos dominados – ou hilotismo, como muitos preferem – representou uma eterna preocupação para os conquistadores ao longo do tempo, uma vez que a relação numérica entre os grupos era desfavorável aos espartanos, chegando os escravos a um número dez vezes maior do que o de espartanos.
As constantes revoltas dos povos dominados determinou a manutenção do militarismo, como forma de preservar as terras férteis e a exploração do trabalho. Segundo o historiador Arnold Toynbee, “os espartanos tornaram-se escravos dos seus escravos”.
Ao contrário das afirmações mais comuns, que associam o militarismo espartano a sua origem dória, havia uma situação objetiva, material, que determinou as concepções e práticas militares. A idéia de que os dórios invadiram a Grécia no século XII a.C. e provocaram a segunda diáspora reforça uma concepção de “cultura militar” anterior, base da cultura espartana. No século XII a.C. os dórios migraram em direção a Grécia, como outros povos já haviam feito e, caçadores e guerreiros nômades – como todo povo nômade – se enfrentaram com aqueles que já estavam instalados na Grécia e viviam da criação de animais e de pequena agricultura.
O militarismo foi justificado e teorizado ao longo dos séculos pela elite espartana que, para tanto, criou elementos jurídicos e ideológicos, como as tradições de Licurgo e a xenofobia, apoiados no estímulo ao laconismo.
Devido à militarização generalizada dos costumes, desenvolveram uma linguagem peculiar, com a preocupação de expressar-se com o mínimo possível de palavras. Numa sociedade em que não se cultivava a democracia nem o fascínio pela oratória, não era necessário um estudo muito profundo das coisas nem estimulava-se os discursos retóricos, muito menos a especulação filosófica. A idéia final era restringir a comunicação e desestimular os debates e, portanto, as possibilidades de críticas ao sistema predominante
Licurgo
Os espartanos atribuíam a existência da sua severa e abrangente legislação a Licurgo, personagem lendário, que seria um dos fundadores de Esparta, descendente de Hércules. Segundo a lenda, teria sido um dos primeiros governantes da cidade, um estadista, considerado como “pai da nação” e responsável pela implantação de rigoroso código, a Grande Rhetra, famoso em todo o mundo antigo e inspirado pelo deus Apolo.
A Agogê, a educação espartana
Em seu próprio significado, a palavra que os espartanos aplicavam para a educação já dizia tudo: agogê, isto é, “adestramento”, “treinamento”. Viam-na como um recurso para a domesticação dos seus jovens. O objetivo maior dela era formar soldados educados no rigor para defender a coletividade. A educação infantil tinha como objetivo a coletivização. Os jogos realizados tinham por objetivo não a competição e vitória de um sobre os demais, mas a organização em equipe, assim como as histórias e as lendas eram contadas para reforçar o patriotismo dos jovens. Os castigos físicos faziam parte desse adestramento e admitiam o roubo como parte da formação dos jovens que, caso pegos em flagrante, sofriam castigos violentos.
A etapa final da educação, entre os 16 e 20 anos, eram adestrados nas armas, na luta com lanças e espadas, no arco e flecha, preparados para o ingresso no serviço militar da pátria. Já participavam de operações militres simuladas nas montanhas ao redor da cidade. Segundo Plutarco “ andavam como as abelhas que sempre são partes integrantes da comunidade, sempre juntas ao redor do chefe... parecendo consagradas inteiramente à pátria.” Dessa maneira a educação produzia a jovem soldado necessário à Esparta: silencioso, disciplinado , antiintelectual e antiindividualista, obediente aos superiores, vigoroso, ágil, astuto , imune ao medo, resistente às intempéries e aos ferimentos, odiando qualquer demonstração de covardia e dedicado à cidade.
Laconismo
A cidade de Esparta foi fundada na planície da Lacônia e um dos hábitos de seus habitantes é o laconismo; que significa “expressar-se em poucas palavras”. Por um lado esse comportamento é entendido como um desdobramento da educação militarizada, pois as ordens deveriam ser cumpridas e nunca discutidas. Por outro lado, Sabe-se que os homens da elite eram soldados até os 60 anos de idade, quando poderiam participar mais ativamente da vida política. O direito de participação política iniciava-se aos 30 anos, com o direito de voto nas assembléias, porém as votações não eram acompanhadas de discussões e cada cidadão apenas aprovava ou rejeitava as propostas apresentadas.
Essa situação de dedicação quase exclusiva ao militarismo deu à mulher espartana uma situação diferenciada, quando comparada aos demais povos da época. As mulheres espartanas também possuíam uma educação militarizada e, posteriormente, eram incumbidas da administração das terras, do controle sobre o trabalho dos hilotas e da administração da produção, além de participarem da vida política cotidiana em funções administrativas.
Fonte: historianet.com.br
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