sábado, 16 de julho de 2011

O novo dino brasileiro


Já foram encontradas 18 espécies no País, mas só recentemente foi descoberto um exemplar com o crânio preservado. Isso permite saber qual era a “cara” desse dinossauro que foi chamado de tapuiassauro.


Este é o tapuiassauro, descoberto no norte de Minas Gerais. Ilustração: Leandro Sanches

A Paleontologia estuda a vida do passado da Terra e sua transformação ao longo do tempo geológico. O que a torna tão interessante é que ela permite investigar e, de certa forma, especular, sobre os seres que viveram muito tempo atrás. Engloba obrigatoriamente conceitos de diferentes áreas do conhecimento, principalmente da Geologia e da Biologia, para entender a biodiversidade do passado, e sua característica multidisciplinar permite diferentes abordagens, viabilizando o processo de investigação científica. Assim, inúmeras são as áreas de atuação de um paleontólogo, desde o estudo de microfósseis, passando pela paleobotânica, paleoecologia etc.

O principal objeto de estudo em -Paleontologia é o fóssil. Eles podem ser parte de um esqueleto, carapaça ou concha, pegadas, ovos e aí por diante. Os fósseis constituem importante evidência do processo evolutivo e são ferramentas essenciais para a Paleoecologia e reconstrução dos ambientes antigos, além de contribuírem para o reconhecimento da distribuição dos antigos mares e continentes (Deriva continental). Do ponto de vista econômico, são importantes na indústria do petróleo e do carvão.

Encontrar um fóssil não é uma tarefa fácil. Os fósseis ocorrem, na grande maioria dos casos, em terrenos específicos formados por rochas sedimentares. Além disso, para que um organismo se fossilize são necessárias condições muito particulares.

Então, como se encontra um fóssil? Certamente, um paleontólogo não sai por aí “cavando” aqui e ali até encontrar algo. Antes de sair à procura de fósseis, o paleontólogo precisa pesquisar a idade das rochas em mapas geológicos e verificar se existem registros de fósseis encontrados naquela localidade. Mas existe outra forma de encontrá-los: por meio do contato com moradores de áreas potencialmente fossilíferas. E foi dessa forma que o tapuiassauro foi descoberto.

Dinossauros do Brasil
Em 2005, um dos membros da equipe de Paleontologia do Museu de Zoologia da USP, através de seu perfil em uma rede social (Orkut) foi contatado por um aluno de Biologia, morador do município de Coração de Jesus (MG). O mesmo comentou que já havia visto alguns ossos petrificados nas fazendas da região. A partir dessas informações e algumas fotos, a equipe de Paleontologia do Museu de Zoologia da USP, coordenada pelo professor Hussam Zaher, montou uma expedição de reconhecimento da área, sem imaginar o que estaria por vir.
Quando falamos de Paleontologia, é difícil não lembrar um de seus temas mais cativantes: dinossauros.

Dinossauros são vertebrados exclusivamente terrestres que viveram durante a Era Mesozoica. Sua história evolutiva é longa, com cerca de 160 milhões de anos, e teve início há aproximadamente 230 milhões de anos atrás, no Período Triássico, estendeu-se durante o Período Jurássico e, no fim do Período Cretáceo, perto de 65 milhões de anos atrás, um grande evento de extinção eliminou da face da Terra a maioria de seus representantes.


Esse grupo de sucesso viveu e diversificou-se em formas, tamanhos e hábitos variados por mais de 150 milhões de anos na face da Terra, inclusive onde hoje está localizado o território brasileiro.


Mas pouco se fala em dinossauros brasileiros. Com 18 espécies descritas atualmente esses nunca foram tão famosos e nunca chegaram a “protagonistas” de filmes, como o tiranossauro ou velociraptor. Mas, do ponto de vista da relevância científica, o Brasil tem ótimos representantes. Saturikosaurus pricei, Saturnalia tupiniquim, Guaibasaurus candelariensis, Amazonsaurus Maranhensis são alguns deles.

Titanossauro na Bacia São-franciscana
Recentemente, o Brasil ficou em destaque no meio paleontológico internacional com a apresentação para a comunidade científica de um novo dinossauro: o Tapuiasaurus macedoi.
Seu esqueleto fossilizado foi encontrado em rochas sedimentares nos arredores do município de Coração de Jesus, ao norte de Minas Gerais. Essas rochas fazem parte da Bacia São-franciscana e datam do Período Cretáceo Inferior, com idades em torno de 120 milhões de anos.

O nome científico do tapuiassauro – Tapuiasaurus macedoi – é uma composição em latim que faz referência aos índios que viviam no interior do Brasil na época do descobrimento, chamados na linguagem Gê de “tapuias”; e “sauros”, do grego, que significa lagarto. O nome da espécie, “macedoi”, homenageia Ubirajara Alves Macedo, um dos pioneiros a descobrir os depósitos fossilíferos da região de Coração de Jesus.

Os primeiros fósseis do tapuiassauro foram encontrados em 2005. À medida que seus fósseis eram achados, foi possível ver com mais clareza que se tratava de um novo dinossauro. Mas a surpresa maior viria na expedição realizada em 2008.

A cara do dino
Em termos gerais, o tapuiassauro não se diferencia tanto do padrão anatômico corporal dos titanossauros conhecidos no mundo. O grande diferencial nessa espécie é a cabeça.


O tapuiassauro é o primeiro titanossauro brasileiro encontrado com a anatomia de seu crânio totalmente preservada. No mundo só existem outros dois crânios quase completos: Nemegtosaurus, encontrado na Mongólia (Ásia) e Rapetosaurus, em Madagáscar (costa leste da África). O crânio do tapuiassauro possui um formato alongado, semelhante ao crânio de um cavalo. Esse padrão já era comum entre titanossauros do Cretáceo Superior (90 milhões de anos), sendo também semelhante à de outros saurópodes sem parentesco direto, como o Diplodocus. Dessa forma, os pesquisadores concluíram que esse formato de cabeça aparecera mais cedo, no Cretáceo Inferior, muito antes dos titanossauros avançados se tornarem um grupo dominante. Crânio do Tapuiasaurus macedoi Zaher et al. 2010.


A forma de sua cabeça também permite inferir e entender vários aspectos da Biologia desses animais. Seus olhos, posicionados lateralmente na parte posterior do crânio, davam a esses animais uma visão mais ampla do que acontecia no ambiente ao seu redor. Assim, quando o animal se alimentava ou bebia água, podia notar facilmente a presença de outros animais ou predadores.

Outra característica interessante do crânio do tapuiassauro são seus dentes. Como a maioria dos Saurópodes, ele era herbívoro, ou seja, alimentava-se de vegetais. Os dentes em forma de lápis indicam que o tapuiassauro devia alimentar-se usando-os como um rastelo, puxando as folhas nos galhos das arvores ou mesmo pastando plantas flutuantes à beira de corpos d’água. Essa última ideia nos leva a outra característica do crânio: a narina posicionada na parte superior da cabeça.

Essa característica também era comum entre os Saurópodes e, possivelmente, estava relacionada com o hábito alimentar do animal. Uma narina na parte superior da cabeça, entre os olhos e associada a um crânio alongado, permitia que esse animal se alimentasse enfiando a cabeça entre arbustos ou na água sem atrapalhar sua respiração.

O tamanho e a constituição do crânio do tapuiassauro também chamam a atenção. Comparado com o tamanho do corpo, o crânio é desproporcionalmente pequeno e formado por ossos muito finos. Mas existe uma explicação para isso. Sua cabeça precisava ser pequena e muito leve para que seu pescoço longo pudesse sustentá-la de maneira adequada.
Do ponto de vista biogeográfico, o tapuiassauro contribui para o entendimento da distribuição global desse grupo de Saurópodes avançados nos continentes durante o Cretáceo Superior (África, Américas e Ásia).

A descoberta do tapuiassauro é sem duvida um marco na Paleontologia. Seu crânio completo e em excelente estado de preservação – algo muito raro – nos dá uma boa ideia da “cara” desses animais. Mas esta ainda é uma pequena peça do grande quebra-cabeça da diversidade de vida pretérita. Ainda há muito que se “escavar” até compreendermos como era a vida na Terra no passado e como podemos usar esse conhecimento para melhorar as condições da vida no futuro.

Fonte: Revista Capital

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