segunda-feira, 18 de julho de 2011

O Fenômeno Literário Harry Potter e a Apropriação Cultural
Posted: 17 Jul 2011 11:01 AM PDT
Por Norton Makarthu
Semana passada, a mídia televisiva e de entretenimento girou em torno do lançamento do último filme da heptologia de livros do pequeno bruxo Harry Potter, com a segunda parte do filme “Harry Potter e as Relíquias da Morte”.


Com mais de uma década do lançamento do primeiro livro da série, “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (1995), vale notar algumas considerações acerca da apropriação cultural imposta ao público infanto-juvenil de todo o mundo ao consumir a saga da escritora J.K. Rowling. À medida que os adolescentes lêem o mundo fantasioso com elementos da mitologia de outrem, incorporam para si a idéia desses elementos como sendo seus em detrimento de elementos que, muitas vezes, já possuem. Não que ler ficção ou um best-seller comercial e estrangeiro seja abominável, longe disso; acontece que a escritora britânica supracitada reafirmou, quantitativamente, através de sua obra, um fato existente desde sempre, principalmente nos países sul-americanos: o uso eurocêntrico de características culturais/mitológicas como forma multilateral de disseminação de seu folclore, ou seja, no Brasil, por exemplo, o fenômeno Harry Potter serviu, dentre outras coisas, para enraizar ainda mais o folclore estrangeiro em nossa juventude. Na verdade, as lendas inglesas ou irlandesas não possuem nada que nós também não possuamos. As incríveis bruxas, os poderosos dragões, os asquerosos orcs, as singelas fadas e os místicos elfos, com certeza, também existem em função do nosso medonho Saci, do nosso misterioso Negrinho do Pastoreio ou do nosso imponente Tupã, sem falar daqueles mitos existentes em ambas as culturas européia e brasileira, como a feiticeira Cuca ou a Mula-Sem-Cabeça, não menos recheados de violência, mistério e até mesmo sexo em suas versões originais.

Esperta foi a Sra. Rowling – agora segunda personalidade feminina mais rica do mundo – no que se refere à concatenação de elementos folclóricos de sua própria nação com características literárias joviais de temporalidade moderna. “Eureca!”, deve ter pensado a inglesa. Então, nos surge uma pergunta: onde foi que erramos? De fato essa pergunta ficará em aberto até que apareça, entre nós, algum autor que possua como magnum opus, um material que transcenda Monteiro Lobato com sua inocente, sutil e (quase) politicamente correta obra de um sítio que tem o nome de um pássaro de cor amarela. O clássico de Lobato não deve ser menosprezado, mas sim usado em favor das novas tendências. Certamente não pecamos pela falta; a literatura brasileira possui outras obras de ficção como “O Presidente Negro” (Monteiro Lobato, Editora Globo, 1926) – que não alavancou sucesso devido ao seu conteúdo racista e machista; “O Imortal” (conto de Machado de Assis) ou algumas obras de Ariano Suassuna, que retratam bem a realidade nordestina em uma mistura, embora ínfima, de uma representação ou outra do diabo e sua turma. Além de possuirmos a teledramaturgia como massiva representação da ficção no Brasil, mas nada que contemple de forma sincrética o folclore nacional à linguagem moderna e jovem deste mesmo público alvo, como o feito de J.K. Rowling.

Obviamente, há que se levar em consideração o mercado. O que a indústria de entretenimento quer? Manter a certeza de um público fascinado pela cultura do “outro” ou arriscar, inovando e incorporando elementos de lendas brasileiras ao grande mercado típico do século XXI? A indústria do cinema vem, aos poucos, optando pela segunda alternativa. O filme Besouro, de direção de João Daniel Tikhomiroff, lançado em 2009, alcançou números significativos ao contar a história de um capoeirista, filho de escravo, que se envolve em uma amálgama de misticismo africano e realidade brasileira. Outra esfera artística em foco é a recentíssima filmografia espírita que, embora abrace mais a causa religiosa, sem dúvidas, no mínimo, atrai o público curioso pelo sobrenatural.

O que resta ao leitor e ao telespectador é aguardar. A juventude da década de 2000 que consumiu Harry Potter e hoje está, em média, na casa dos vinte, acaba de assistir o último filme da série e entra em outro tipo de leitura: a acadêmica; torcemos para que as próximas gerações de adolescentes tenham acesso não apenas à literatura estrangeira, mas também ao que é nosso de forma dinâmica, com linguagem e enredos atuais e não menos fantasiosa, afinal a literatura abrange o todo.

Fonte: Carta Potiguar

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