UNIVERSIDADE, POLÍTICA E PARTIDOS
Alípio de Sousa Filho [ professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN ]
Pode a Universidade permitir o seu rebaixamento a interesses de partidos políticos? A submissão da Universidade a interesses políticos de partidos é compatível com o ideal de universidade? Desde seu surgimento no século XII, na Europa, tem sido a procura pela autonomia aquilo que distingue as universidades entre todas as outras instituições e que igualmente explica, na história de diversos países, sua longevidade e resistência às investidas, sob diversas formas, para seu fracasso ou destruição.
O ideal de universidade, afirmado na independência acadêmica e na liberdade intelectual, recrutou seu prestígio ao não permitir que currículos, pesquisas, debates, ações de seus integrantes e atuações de seus dirigentes obedecessem a interesses políticos particulares. Continua sendo tarefa de todos e de seus dirigentes manter a Universidade livre de qualquer subordinação que ameace a sua liberdade e independência política. Uma tarefa a ser realizada nas práticas cotidianas e em exemplos concretos, não podendo ser substituídos pela retórica que consagra, em cerimônias e rituais, a dissimulação da verdade: enquanto se permite a prática do aparelhamento político-partidário de universidades, no loteamento de cargos e funções, em tomadas de decisões, e em dirigentes que assumem o papel de ventríloquos de partidos, apregoa-se uma independência que não se verifica em algumas delas.
Dirigentes universitários ou integrantes das mais diversas categorias que aceitam de bom grado ou por fraqueza a subordinação da Universidade a partidos políticos talvez não tenham noção do mal que fazem a um dos mais importantes legados da história humana. Ao se permitir que militantes ou representantes partidários transformem as universidades em "aparelhos" políticos, abandona-se o espaço universitário ao risco de vir a ser o lugar daquilo que Kenneth Monogue chamou "tribalismo acadêmico". Tribalismo que se exprime nas práticas clientelistas, patrimonialistas, do favoritismo, do fisiologismo. Tudo isso mascarado nos jogos de cena, na hipocrisia dos rituais acadêmicos, e mesmo no silêncio cúmplice. E mascarado também retóricas "pragmáticas": "o pensamento adequado", "oportuno", "experiente", "profissional", "válido", "útil", "equilibrado". Discurso de desqualificação e invalidação permanente de tudo aquilo ou de todo outro que seja a ameaça do desvelamento de atores, personagens e scripts que põem em cena os movimentos de "canalhocracias acadêmicas" (Maffesoli) que visam suplantar o mérito intelectual, o prestígio da docência, a exigência de qualidade na produção do conhecimento.
Aparelhamentos político-partidários da Universidade levarão a que esta desça de nível, e como observou Karl Jaspers, "se a universidade baixa de nível, a sociedade e o Estado naufragam juntos". O controle da instituição universitária por partido político - e qualquer que seja a cor de sua bandeira - a conduzirá à vala comum do pensamento político subordinado, para prejuízo do conhecimento livre, autônomo e desinteressado. E como ensina também Schopenhauer (aquí, em fonte direta), "na universidade, a atmosfera de liberdade é indispensável à verdade".
A política que a Universidade deve fazer é outra. É a política de seu compromisso com a transformação social, com projetos de ensino, pesquisa e extensão que pensem os problemas sociais, as questões da vida coletiva de nossa sociedade, da humanidade: desigualdades sociais, violências, misérias, racismo, homofobia, justiça, educação, saúde. Participação no debate político-público: politização sem partidarização.
Dirigentes e integrantes da Universidade não podem, a pretexto de apoios (financeiros ou outros?), tornarem-se reféns de partidos ou admitirem chantagens políticas. E não é demais lembrar os muitos casos na história nos quais os apoiadores de hoje são os traidores de amanhã. E, onde não há sentimentos e propósitos autênticos, não há amizade e confiança possíveis, mas conluio provisório, sempre às vésperas de seu próprio final. Como escreveu La Boétie, "a amizade [...] nunca se entrega senão entre pessoas de bem e só se deixa apanhar por mútua estima [...]. Não pode haver amizade onde está a deslealdade; e entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma companhia; eles não se entre-amam, mas se entre-temem; não são amigos, mas cúmplices." Nas universidades, aliás, deslealdade e mentira se dão as mãos num longo enlace.
O bem social que constitui a Universidade não pode ser ameaçado por inautênticos propósitos de agentes partidários que, entre outras coisas, não têm projetos nem para a universidade nem para a educação. É a sociedade inteira, seus diversos segmentos, setores e representantes que devem ficar atentos para não deixar que a Universidade se torne trincheira de interesses menores, destruindo o próprio sentido para o qual uma Universidade deve existir.
Fonte: Jornal Tribuna do Norte, p. 2, Natal, 15/06/2011
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