segunda-feira, 25 de abril de 2011

A palavra "História"

A raiz da palavra “História”, na língua grega, é weid-, ou wid-, raiz que, sintomaticamente, também se encontra no verbo latino “videre” (ver). O imbricamento de “ver”, “investigar” e “narrar” é surpreendentemente significativo na formação desta nova palavra. Hannah Arendt (2009, p.69) chama atenção para o fato de que istor significava originalmente ‘testemunha ocular’, “e posteriormente aquele que examina testemunhas e obtém a verdade através da indagação”. Por fim, o gesto de expor o resultado da investigação através do relato termina por compor a tríade de sentidos, de modo que, na História escrita por Heródoto em torno de 450 a.C, podemos surpreender pelo menos dois destes dois sentidos da palavra – “pesquisa” e “relato” – com especial clareza. De fato, no Prefácio desta obra, “história” se refere a uma “pesquisa” conduzida sistematicamente e com o uso da razão; ao mesmo tempo, em diversas passagens do livro, aparece o sentido de “relatório”, “relato”, “narrativa”; em uma palavra: de “exposição dos resultados de uma pesquisa realizada”. Ver por exemplo o livro VII da Historia, de Heródto, item 96 (1988, p.365).

É oportuno lembrar que, na época dos antigos gregos – muito antes de se relacionar a uma investigação específica sobre o passado vivido, ou de trazer para a centralidade de suas operações a noção de temporalidade – a História esteve simultaneamente associada às noções de (1) "investigação", (2) "relato" e (3) "testemunho ocular". Essa tríade de sentidos, intimamente imbricados no termo grego istorie, antecipa surpreendentemente a complexidade futura da palavra História, uma vez que desde então a nova prática parecia querer se referir simultaneamente a um tipo de pesquisa, a um modo de escrita, e às fontes deste tipo de conhecimento. A ‘pesquisa’, para Heródoto, deveria se dar em forma de um "inquérito" com "intenção de verdade"; a ‘escrita’ assumiria o gênero narrativo, e as ‘fontes’, para os historiadores gregos, ainda deveriam ser preferencialmente oriundas de testemunhas oculares dos próprios acontecimentos.

Apenas mais tarde as idéias de "tempo" e de "temporalidade" vão sendo trazidas para a centralidade do fazer historiográfico, incorporando-se à sua identidade mínima. Aos poucos, o Tempo irá se incorporar como uma instância fundamental do fazer histórico quase como uma consequência do campo de interesses deste novo pensador/pesquisador que passaria a se apresentar como historiador. O mundo das ações humanas realizadas, esse universo sublunar de investigação que se diferencia radicalmente das preocupações supralunares da Filosofia, passa a se afirmar como o campo de interesses essencial para os historiadores. É a perspectiva de que somente o finito humano pode ser conhecido que se reforça em Heródoto a partir da sua eleição, para objeto de investigação, do ‘Passado’, ou melhor, da experiência já realizada, isto é, do "campo da experiência humana" – para retomar aqui um conceito proposto por Koselleck (1979). A única fatia da experiência humana que poderia ser efetivamente conhecida seria na verdade o Passado, que rigorosamente é a "duração realizada". É aqui, o "Tempo", este elemento que hoje quase que imediatamente associamos à idéia de História, começa a se insinuar discretamente como um elemento imprescindível para se estabelecer a identidade deste novo campo de expressão que seria a História
.__________________________________________________________________________________________________

Este trecho foi extraído do primeiro capítulo do 'Volume II' de Teoria da História. (item: "A História antes da História"). O item discorre sobre a historiografia que precede a instatalçaão de uma historiografia científica na passagem do século XVIII para o século XIX, e remonta às origens gregas da História,ou mesmo as relativas a outras civilizações. No item seguinte, adentra-se o período em que os historiadores passam a postular para o seu campo de saber um estatuto científico. O 'volume II' tem por objetivo central discutir os dois primeiros paradigmas que surgem com a Historiografia Científica: o Positivismo e o Historicismo, contrastando estes dois paradigmas historiográficos a partir das respostas que cada um deles dá à questão da relação entre Objetvidade e Subjetividade no fazer histórico. O volume encerra-se com uma discussão sobre o Relativismo.

Referências:
ARENDT, Hannah. "O Conceito de História – antigo e moderno" in: Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2009. p.69-126 [original: 1957].
BARROS, José D'Assunção. Teoria da História, volume II: os primeiros paradigmas - Positivismo e Historicismo. Petrópolis: Editora Vozes, 2011.
HARTOG, François. Le XIX siècle et l’histoire: le cas des Fustel de Coulanges. Paris: PUF, 1988.
HERODOTO. História. Brasília: editora Universidade de Brasília, 1988.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado – contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006 [original: 1979]. 
 
Fonte: Rede Histórica

Nenhum comentário:

Postar um comentário