terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Psicologia de massas do neoliberalismo

 Por Anderson Soares, educador e psicopedagogo.


Em 1932 o psicanalista Wilhelm Reich publicou o livro “Psicologia de Massas do Fascismo” enquanto assistia a ascensão do fascismo e adesão das massas às ideias de Hitler, nesta obra faz sérios questionamentos psicossociais sobre este contexto. Mas, em relação aos dias atuais, poderíamos utilizar ferramentas atualizadas deste autor para entendermos a relação das massas com desígnios do capital e com as estruturas reacionárias que são sustentadas por seus hábitos cotidianos, bem em dias de plena pós-modernidade.

Reich, que naquele contexto já era considerado um discípulo dissidente de Sigmund Freud (ambos tiveram seus livros queimados pela “inquisição” nazista), em sua análise argumenta que, racionalmente seria de se esperar que os trabalhadores miseráveis desenvolvessem uma consciência de sua condição social o que os levaria a se livrarem da miséria social. Mas, conforme este autor, foram justamente as massas miseráveis que contribuíram com obediência e submissão para ascensão do fascismo e demais forças autoritárias.
Em plena contemporaneidade podemos usufruir de inúmeras outras ferramentas para entender o que seria nos dias atuais uma “Psicologia de massas do neoliberalismo”. A própria psicanálise, política do corpo, a análise micropolítica de cada contexto, o papel da subjetividade e um exame cuidadoso das relações de poder e jamais uma visão reducionista e empobrecida de entender a sociedade do capital apenas como a simples divisão entre ricos exploradores algozes e pobres vitimados.

Em plena década de trinta, Reich tentava explicar os mecanismos políticos e os processos psíquicos a que os indivíduos eram submetidos através de instituições que foram muito importantes para ascensão do fascismo, como a família patriarcal, a Igreja, o Exército. Num processo de massificação, supressão das individualidades, enrijecimento das emoções e do fluxo energético (principalmente no que tange a sexualidade), fazendo com que os mesmos estivessem embrutecidos, insatisfeitos e vulneráveis à obediência aos carrascos, charlatões e lideranças fascistas como o Führe, Dulce ou o “Pai dos pobres”.

Numa oportuna contextualização poderemos analisar o mercado e o consumismo como reguladores e controladores das massas, mas sem fascismos, sem exércitos sanguinários e sem déspotas praguejando frases de ordem de ódio aos “inimigos da nação”. Na contemporaneidade está em evidência uma complexa cadeia de poderes interligados, que mais se aproxima do panoptismo problematizado por Michel Foucault, do sistema que vigia e controla sem ser visto ou percebido pelos vigiados, que acabam internalizando os hábitos neuróticos que reproduzem o poder, sem a presença efetiva de algum carrasco.

A sexualidade abordada por Reich na década de trinta, não mais necessita, em dias atuais, de controle e vigilância estreitos e permanentes. Mas, controles que são efetivados e introjetados em forma de saberes e hábitos, em regimes liberais, “democráticos” onde a “liberdade” pode ser exercida. Estéticas padrões imperam e geram estereótipos doentios, assimilados pelas massas teleguiadas, que sacrificam-se para se adaptar, serem bem aceitos e valorizados conforme as referências de beleza e comportamento do contexto. O “sarado”, a “piriguete”, a “magra do cabelo bom que parece uma princesa” a “gostosa” da novela…estes são os padrões atuais a serem “seguidos” (em estética e comportamento) doentiamente pelas massas.

Primordial para o controle à distância em dias atuais: geração e reprodução de seres massificados e a supressão das individualidades, tão evidente em nosso cotidiano. Aquele que ousa preservar sua singularidade em dias atuais, logo é posto na marginalidade interpessoal e adjetivado no mínimo de “alguém muito estranho”, em que hábitos, tradições e preconceitos intoxicam as percepções individuais, que ressumem-se em falas tacanhas repetidas freneticamente pelos serviçais: “O Brasil inteiro é assim”, “as mulheres devem ser assim”, “os ricos são assim”, “os africanos são assim”…e vai.

O passo inicial de Wilhelm Reich (que teve sua teoria deturpada e difamada) nos orientar no entendimento dos aspectos psicossociais das relações de poder na contemporaneidade. A couraça muscular cronificada que impede a autorregulação e o livre fluxo energético, impossibilitando uma vida psíquica sadia, citada pelo mesmo, está em evidência. O hábito, cultura e massificação cristalizam as experiências emocionais negativas, que são vivenciadas no cotidiano como naturais (“todo mundo vive assim”).

As pessoas comuns continuam bastante insatisfeitas com a vida medíocre e esvaziada (repleta de poderosas camuflagens e condutas artificiais) que levam. Sem a capacidade emocional de reagir na defesa de suas singularidades, fomentada pela justificativa da própria infelicidade diária e defesa ferrenha do mesmo sistema que os adoece e escraviza.

Em 1932 Wilhelm Reich alertou: “O medo da liberdade das massas humanas manifesta-se na rigidez biofísica do organismo e na inflexibilidade do caráter”. Mas suas conclusões mal interpretadas fizeram com que fosse expulso não só da Sociedade Internacional de Psicanálise como também do Partido Comunista (com argumento de que as discussões sobre sexualidade afastariam a juventude da luta “revolucionária”). As mesmas nos servem com ferramenta valiosa para refletir as relações de poder na contemporaneidade e ainda como instrumento de libertação das singularidades ofuscadas e cerceadas pela cultura de massas.

Fonte: Carta Potiguar

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