Então é Natal.
Hoje recebi e-mail de um velho amigo utopiense. Como aqui,
é natal em Utopia. Perguntava se não iria visitá-lo nas comemorações natalinas.
Nesta época, mais do que em qualquer outra do ano, a ilha se alegra. Apressado,
falei que infelizmente não teria como, estava ocupado demais com o trabalho.
Agora lembro como os utopienses ficaram surpresos aos lhes
falar do nosso Natal. A árvore, a neve, as luzes e tantas outras coisas que em
Utopia não existem. Riram por comemorarmos o Natal de forma individual, cada um
em sua casa. Mais ainda quando souberam que nelas havia grades que, segundo
eles, faziam-nos parecer prisioneiros. Acharam interessante também a troca de
presentes, talvez porque eu não tenha conseguido explicar a ligação entre eles
e a data, nem sabido o que dizer às crianças que o Papai Noel todo ano esquecia.
Foi um bom papo, mas lá pelas tantas ficaram enfadados e pediram pra mudar de
assunto, acho que quando falei do sentido dado por nós ao Natal.
Lá em Utopia todos sabem qual o seu real significado e por
isso celebram-no. Até os não-cristãos comemoram a data. Apesar de não
creditarem no menino-Deus, dizem eles existir algo mágico neste dia. De fato, o
ideal de esperança, amor e justiça não tem credo. Interessante como esse tempo
longe de Utopia já tinha me feito esquecer as diferenças que existem entre aqui
a aquela longínqua ilha.
Então é Natal, pelas bandas de cá tempo de enfeitar a
árvore, de trocar presentes e reformar a casa exterior, e só. E só. Não
precisamos de mais nada. Já temos até as luzinhas. Agradecemos ao menino Cristo
por nos emprestar a sua data. Como há dois milênios atrás a história se repete.
O menino, sem–teto, não tem onde nascer. A árvore é muito grande, ocupa muito
espaço, ficaria feio, anti-estético. Imagina só ter que tirar a árvore? Porém, desconfio
seriamente que ele prefira assim, nunca iria conseguir dormir com aquelas
luzinhas piscando sem parar. Acho que lhe agrada mais o escuro de uma marquise
ou de uma ponte. Aqueles brinquedos também o chateiam, eles brincam sozinhos. É
mais afeito aos animais, são mais simpáticos, não precisam de pilhas. Sob a ponte
há vários deles, uns até parecem com gente. Pena que, talvez devido ao escuro, o
velho Noel nunca consiga chegar lá.
Que vivamos então o Natal. Em Utopia Cristo nasce no
coração dos homens. Aqui, qual sem-teto, tem como berço pontes, guetos e
favelas, fazendo com isso uma opção: a de
classe!
Por João Paulo Medeiros - Professor universitário, advogado e militante social.
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