sábado, 2 de maio de 2009

CANUDOS: o desafio da miséria II

Canudos representa o conflito entre o bem e o mal. Antônio Conselheiro estava isento de partidarismos, procurou mostrar algo por trás da face do homem do campo, preocupado com a realidade social existente, cuja imagem foi distorcida e difamada pelas elites dirigentes.

No sertão nordestino, a luta do sertanejo era a única forma de modificar essa intensa contradição. Conselheiro, expressava o desejo, a busca do arraial de Canudos por redenção, justiça e liberdade. Suas pregações religiosas, fundamentadas nos textos sagrados da Santa Escritura é superada pelo discurso politico-social inflamado. Conselheiro deixou uma péssima impressão nas autoridades políticas e nos proprietários de terras. As classes poderosas temiam as revoltas, porque elas poderiam colocar em "questão" as bases de sustentação do seu poder: latifúndio, servidão e submissão.

Pragmático, o "velho beato" usa a religião para levar a comunidade à ação. Transformação essa, engajada por idéias políticas e sociais. Antônio Conselheiro estabeleceu uma política apoiada no trinômio: oração-trabalho-disciplina. Preso a um relativo messianismo, Conselheiro acreditava no surgimento de uma era de plena felicidade espiritual e social.

O movimento de Canudos, aborda a problemática social existente na época, expondo a anatomia da sociedade nordestina. Que nos revela um país e uma região dominada pelas idéias políticas das elites. Evidencia a distância entre o sonho (a posse da terra) e a realidade (opressão e miséria). Canduos foi o primeiro grito pela reforma agrária. Antônio Conselheiro era a voz que clama no sertão, que denuncia o preconceito social e a máquina burocrática do governo republicano.

O governo afastava-se cada vez mais das massas, principalmente, da massa rural. Conselheiro era contrário a escravidão e ojeriza contra a Igreja Católica. Considerado como doente mental e simpatizante da monarquia, Conselheiro foi capaz de dominar e vencer generais em quatro expedições militares. Canudos fora antes de tudo, o partido dos oprimidos numa região onde a classe política se fazia ausente.
Euclides da Cunha, correspondente de guerra do jornal "O Estado de São Paulo" e autor de "Os Sertões", apresenta Antônio Conselheiro como um ser doentio e transmite em sua obra uma forte impressão da realidade. Se não tivesse mergulhado no etnocentrismo, talvez seu trabalho literário servisse como instrumento de denúncia social. Mas, Euclides foi um homem do seu tempo. O erro do jornalista foi não ter se comprometido da defesa da massa campesina, mas ter ficado preso ao posivitismo republicano. Suas idéias não tiveram o propósito de uma literatura empenhada no engajamento social, "no registro objetivo e simples da realidade brasileira", visível em "Triste Fim de Policarpio Quaresma" de Lima Barreto, publicado em 1915, destacando os contrastes e as desigualdades sociais de dois "Brasis", o rico e o pobre.

Ele, Euclides, não transpõe para as páginas da sua célebre obra, o cotidiano dos camponeses, a burocracia e a política da época. Esqueceu de questionar o mandonismo dos "coronéis", senhores do poder político-econômico e responsável pelo modo de vida de milhares de sertanejos. Ao caricaturar o "velho beato" e o sertanejo, descreve um velho asceta e um bando de fanáticos atordoados a sua volta. Procurou observar as práticas de devoção e penitências, a vida contemplativa. Porém, não viu Conselheiro, como um ser político, capaz de questionar a ordem vigente. Captada em diversos níveis, a vida cotidiana do sertanejo foi ridicularizada, visto como famintos vivendo num ambiente infecundo e precário.

Na comundiade do Belo Monte, como era chamada Canudos, agitam-se as várias camadas da população sertaneja: escravos, ex-escravos, trabalhadores rurais, ex-soldados, vaqueiros, donas de casas etc. O conjunto dessas pessoas forma uma sociedade igualitária contra as condições imposta pelo governo republicano, pelos proprietários rurais e pelo Clero. A imprensa traça um vasto painel da sociedade sertaneja de Canudos a partir do retrato impiedoso de um velho beato, louco e anti-republicano com seus aspectos repugnantes e grotescos. Rui Facó, em sua obra "Cangaceiros e Fanáticos", descreve a visão do jornal "O País", do Rio de Janeiro, a respeito do Conselheiro: "(...) E o testa-de-ferro asceta (Antônio Conselheiro) tem em torno de si criminosos de todos os Estados e malfeitores de toda ordem, e com eles arrebata fazendas, estabelecimentos rurais, grandes propriedades, abrigando nelas a sua gente depois de trucidar os donos e suas famílias".

O sertanejo esperava surgir nesse sertão devastado um salvador da pobreza, um D. Sebastião, por isso elege o "velho beato" como guia e redentor. Aquele que imbuído e uma "religiosidade singular" e um "messianismo fanático" seria o porta-voz dos oprimidos.

Na poeira, no sol forte e escaldante, e, na inóspita caatinga nasceu o ódio ao Conselheiro e sua gente. A "matadeira", termo utilizado pelos sertanejos aos canhões do Exército, surge para derruba-lo. Ao terminar 1897, o governo republicano podia orgulhar-se da notável vitória. Acabava a "revolução dos fanáticos", Canudos cai sob terra.

O pensamento de Darcy Ribeiro expressa o verdadeiro motivo, pelo qual era necessário destruir Canudos. "Os ensinamentos de Antônio Conselheiro pregava uma ordem social nova, sem fazendeiros, sem autoridades". As elites brasileiras temiam que às sementes desse ensinamento germinassem em outras regiões do país. A ordem era aniquilar com o arraial.

Destruir Canudos era uma "questão de honra", o acabou acontecendo, em 5 de outubro de 1897, após um verdadeiro genocídio. Designar a "Guerra de Canudos" como um levante feito por simpatizantes da Monarquia, equivale ver a História a partir do ponto de vista do dominador. Esse procedimento caracteriza-se num estilo de compreensão e análise dos fatos históricos sempre pautado na ótica da historiografia oficial.

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