sábado, 2 de maio de 2009

CANUDOS: o desafio da miséria I

Antônio Conselheiro 

O final do século XIX foi marcado por um dos mais importantes movimentos sociais pela luta da posse da terra no Brasil. Época onde o país era "constituído por vários brasis".

Às margens do Rio Vaza-Barris, no sertão baiano, surge das ruínas de uma velha fazenda a comunidade do arraial de Canudos. Era uma sociedade moldada no 'comunismo primitivo' (segundo a visão de alguns historiadores), onde a produção era coletiva, não havendo a exploração do homem pelo homem. Lá, não havia fome e desemprego. Liderado pelo "beato" Antônio Conselheiro, milhares de sertanejos migravam para a comunidade do Belo Monte em busca de melhores condições de vida. Para àqueles desesperados ele era a voz da esperança, observa Rui Facó.

Nesta sociedade igualitária, os sertanejos se consideravam membros de uma comunidade, cujo trabalho é o fio condutor pára as relações sociais. Em Canudos não havia uma diferenciação entre ricos e pobres, e nem uma estratificação social. A relação entre o sertanejo e a terra tinha uma dimensão sagrada e não era vista como um recurso meramente econômico.

Para os latifundiários, a grande extensão de terra significava riqueza, poder econômico. Para os sertanejos, a posse da terra significaria, ser homens livres, isto é, longe do julgo das elites agrárias. Talvez, o interesse de Antônio Conselheiro fosse o de não representar os interesses das classes dominantes e sim representar o anseio e os interesses de todos os membros da comunidade. Portanto, o sentiimento anti-republicano expresso nas idéias do velho beato, nos possibilita observar que a ideologia dominante não deveria ser vistas como as "únicas racionais e válidas".

As idéias de Antônio Conselheiro provocaram nas elites brasileiras uma reação de repúdio e de aversão aos habitantes de Canudos. O arraial do Belo Monte seria o caos, diziam os senhores rurais. Do ponto de vista das elites agrárias, Canudos poderia colocar em ruína muitos senhores de terra, uma vez que o trabalhador rural necessário em suas fazendas estava desviando-se par a "Jerusalém brasileira". Antônio Conselheiro, incitava no povo campesino idéias de justiça. Pelas suas andanças no sertão nordestino, Conselheiro pode observar que os sertanejos poderiam transformar a sua realidade.

Percebendo que era possível alterar às condições de vida da classe camponesa, o 'velho beato' viu que era necessário modificar a ordem social existente para transformar em uma sociedade mais justa, onde não houvesse o poder político-econômico dos poderosos interferindo nos interesses da coletividade.

Preso a um forte misticismo e calcado no mesianismo e no sebastianismo (crença segundo a qual, acreditava-se na volta do rei português D. Sebastião morto pelos mouros em 1578, e que voltaria para salva-los da opressão, trazendo-lhesa redenção), Antônio Conselheiro procurou fazer de Canudos um movimento pela luta da terra e não um, especificamente, movimento religioso. A religiosidade deve ser observada como instrumento para obtenção da terra.

No sertão nordestino, havia o antagonismo entre as classes existentes. O conflito entre a classe que explora e a que é explorada, evidencia a expressão de lutas entre as classes sociais. No entanto, Canudos foi um conflito entre os possuíam terras e aqueles que não tinham.

A idéias de não pagar impostos e a queima dos editais de cobrança em via pública provocaram uma reação no governo republicano, que busca nesta desobediência um subterfúgio para combater Antônio Conselheiro. O não pagamento dos impostos implicaria prejuízo ao erário público estadual e federal. O ato de desobediência civil do 'velho beato', causou a ira nas autoridades. Tal atitude foi considerada uma afronta ao novo regime. Seu discurso era uma crítica mordaz ao autoritarismo paternalista das elites brasileiras. Para as autoridades políticas, Canudos era visto como uma vergonha nacional, um mal que deveria ser extirpado.

Considerado como místico, louco e monarquista, Conselheiro era tido como profanador de idéias subversivas. Para o 'velho beato', o monopólio da terra nas mãos de um minoria signficava a escravidão, o atraso e a degradação dos sertanejos.

Para o governo republicano não haveria porque a sociedade, sobretudo, Canudos discutir política, de opinar sobre a direção do país. Caberia a ela, aceitar os "valores democráticos" do governo sem o direito de questiona-los. Na história da humanidade perpassa a idéia do governante superior. Contudo, a opressão e a miséria, ainda latente e enquadrada nas comunidades campesinas era fruto do centralismo autoritário do presidente Prudente de Morais (1894-1898).

Era evidente no Brasil da época, uma dicotomia existente na sociedade brasileira. De um lado, encontra-se um Brasil rústico, interiorano e rural, inteiramente atrasado, um país mergulhado na pobreza, na fome e na miséria. Do outro lado, um Brasil urbano, burguês e integrado ao capitalismo agrário e ao modismo europeu. As massas de sertanejos que compunha a comunidade de Canudos e que viviam interiorizadas nos lugares mais longínquos desse país, encontravam-se marginalizados pelo progresso da sociedade urbana-litorânea, onde o capital acumulado promoveu o desenvolvimento e a urbanização dos grandes centros.

A massa rural sempre esteve sob o domínio político-econômico das elites agrárias. Há bastante tempo que a política dos Estados é a política dos "coronéis", portanto, o sertão baiano não estava longe desta realidade.

Para destruir Canudos foi necessário quatro expedições militares, composta por cerca de 11.000 soldados, provenientes das forças federais e estaduais. Assim sendo, o governo procurou asfixiar a voz dos opositores e impedir a reação revolucionária dos conselheiristas.

No centro do Arraial surge a palavra liberdade, gravada com o sangue do sertanejo. Canudos não foi uma sublevação de camponeses, foi antes de tudo o desafio de milhares de camponeses que lutaram contra a miséria, a fome e a servidão imposta pelas elites dirigentes. Segundo Conselheiro, a República significaria outra forma de cativeiro para o povo.

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