segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Como era a vida na Idade Média

 

Por mil anos, a Europa dividida em feudos foi controlada pela Igreja e por nobres. A Idade Média moldou o continente que dominaria o planeta, mas a vida era dura

Tiago Cordeiro | 01/04/2010 14h46
*Ilustrações Eduardo Schaal

Sábado de um típico camponês na França do século 10 começa às 5 da manhã. Ele, a esposa e os quatro filhos acordam em sua casa de um único cômodo, comem mingau de pão e dão início à labuta. O pai e os mais velhos, de 12 e 14 anos, vão para o campo - a colheita de trigo e cevada está atrasada. A família passou os dois dias anteriores cumprindo o trabalho obrigatório nas terras do senhor feudal. Há muito o que fazer. A mãe e os mais novos, de 6 e 8 anos, vão lidar com a horta e as galinhas. Todos fazem uma rápida pausa para comer (sempre que possível, peixe). O batente só termina quando já está escuro. Eles dormem juntos, sobre um amontoado de palha, iluminados por velas de sebo e aquecidos por uma pequena fogueira no centro do cômodo. Descansam felizes. O dia seguinte é o único da semana em que a rotina árdua muda um pouco: seguem o comando dos sinos e vão à missa. Rezam por suas almas e são orientados mais a temer o diabo que a adorar a Deus.

Assim viveram, durante dez séculos, 90% dos habitantes do Velho Continente. Do ponto de vista deles, a Idade Média foi uma época de contrastes sociais profundos, violência, doenças (a metade dos bebês não chegava aos 2 anos) e tímido avanço tecnológico, à mercê das intempéries da natureza. Nessa era de preces, pão e fuligem, as pessoas mais simples morriam cedo, comiam quando dava e se submetiam às determinações dos senhores e dos padres. Já a nobreza construía castelos, cobrava impostos pesados e devorava até 9 mil calorias diárias. Um singelo botão de ouro no vestido de uma dama equivalia a 140 dias de trabalho de um camponês.

A Idade Média é delineada pouco antes da data oficial de origem: 4 de setembro de 476, quando o imperador Rômulo Augusto é destronado. Desde os anos 300, a falta de controle de Roma sobre as províncias dava margem para as constantes invasões dos bárbaros - os estranhos povos do norte que não falavam latim. Moradores de áreas isoladas estavam sujeitos a ondas de saque permanentes. Na falta de um governo central forte, o jeito foi pedir ajuda aos ricos mais próximos. "No século 4, começa a surgir uma relação de dependência. Os camponeses oferecem tudo o que têm: a força de trabalho. Em troca, conseguem viver com o mínimo de paz", diz Paul E. Szarmach, diretor da Medieval Academy of America. Essas relações são mediadas por códigos de honra, obrigações claras, e acabam disseminadas. Normas de conduta são herdadas da seita judaica que havia se desenvolvido e ocupado corações e mentes do império. Entre os legados romanos incorporados pela Idade Média, o cristianismo é o mais marcante. De reis a agricultores, é mandatório seguir os ditames da Igreja.
Osteiros se espalham pelo continente e logo se configuram como o grande (e único) centro de saber. "Em tempos sem imprensa e de ampla maioria de analfabetos, as bibliotecas dos mosteiros são um instrumento de controle. Mesmo nobres ricos só têm acesso a obras consideradas aceitáveis", afirma Patrick Geary, historiador da Universidade da Califórnia. Rica, aliás, também é a Igreja. Prospera com o dízimo e doações de terra, o que permite a proliferação das construções. As abadias funcionam como abrigo para os desvalidos (veja à dir.). E para os enfermos, claro. As doenças são vistas como uma manifestação do mal. Os tratamentos consistem em emplastros (o mais comum é feito de mel e cocô de pombo), sangrias e orações. A ciência médica é rejeitada, e os conceitos, oriundos dos gregos, não identificam que enfermidades típicas do período - disenteria, ergotismo (envenenamento por cereal contaminado), peste bubônica - resultam das más condições de higiene e saneamento. O camponês medieval toma banhos semanais (mais do que muitos europeus do século 19), mas dorme com os animais dentro de casa e faz suas necessidades ao relento. Mesmo os castelos só têm uma privada; não há tratamento de dejetos.

Os religiosos trabalham em suas próprias plantações. Mas nem o serviço braçal muda certos hábitos. São Jerônimo (347-420) dizia que quem aceitou a fé e se lavou no sangue de Cristo não precisava mais aguar o corpo. Por isso os monges fugiam à regra e não tomavam banho mais que cinco vezes... por ano. São eles os maiores produtores de vinho, cerveja e queijo. Em dias comuns, consomem 1,5 quilo de pão (muitos usam grandes fatias no lugar de pratos), com 200 gramas de carne e queijo, e 1,5 litro de vinho ou cerveja. Essa dieta de 6 mil calorias, sem saladas, não ajuda muito a melhorar a média de vida da época: 35 anos. Nada disso quer dizer que alguém estivesse livre das crises de fome, provocadas principalmente por variações climáticas inesperadas. Um período de aquecimento global atingiu o planeta entre 800 e 1300, o que, no geral, favoreceu a produção de alimentos. Mas o desabastecimento existia e atingia até os abastados. O camponês era mais vulnerável, comia menos. "Por incrível que pareça, entretanto, os pobres comiam muito melhor do ponto de vista nutricional, com maior variedade", diz Ricardo da Costa, medievalista da Universidade Federal do Espírito Santo.
Exceção feita a poucos personagens, como Carlos Magno (747-814) e Luís IX (1214-1270), os reis têm pouquíssimo poder para além dos muros de suas propriedades. Entre os séculos 9 e 12, a Europa se divide em cerca de 60 feudos. São os senhores feudais que controlam a vida dos arredores. A partir de suas casas fortificadas, que evoluem até se tornar castelos no século 10, eles vivem cercados por empregados. O camponês passa a metade de seu tempo útil trabalhando no chamado manso senhorial, a área de plantio do latifúndio. Ele mesmo vive e cultiva seu alimento nos arredores. Tudo o que planta ali é seu, mas não tem direito a manter em casa fornos ou moinhos. Para usá-los, paga aluguel na forma de produtos que colheu nas terras sob seu controle, patrimônio do senhor. É dele, aliás, entre outras benesses, a prerrogativa de desvirginar as filhas recém-casadas de seus súditos. Ele provê a segurança da comunidade; promove o treinamento de cavaleiros, torneios festivos e a organização das tropas para os combates (veja à dir.). "Nas cruzadas, camponeses e nobres combatiam lado a lado, mas os primeiros eram sempre infantes e estavam em geral mal armados, ao passo que os nobres lutavam nas tropas de elite (a cavalaria) e dispunham dos melhores armamentos", diz Marcelo Cândido da Silva, coordenador do Laboratório de Estudos Medievais da USP. Não só as cruzadas tiram o sangue de cavaleiros e camponeses. As guerras entre os feudos são recorrentes.


E todas as muitas vítimas desse sistema, as maiores são as mulheres. Sobre Eva, o teólogo Tertuliano (155-122) já afirmava: "Tu és a porta do diabo, tu consentiste na sua árvore, foste a primeira a desertar da lei divina". Santo Agostinho (354-430) lamenta a forma como as pessoas vêm ao mundo: "Nascemos no meio da urina e das fezes". E o abade Odon de Cluny (878-942) adverte: "Se os homens vissem o que está debaixo da pele, a vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas. Então, quando nem mesmo com a ponta dos dedos suportamos tocar um escarro ou um excremento, como podemos desejar abraçar esse saco de excrementos?" Nada disso, porém, impedia os religiosos de fornicarem. Muitos padres tinham esposas. O celibato só seria obrigatório a partir do século 12 e, mesmo assim, demorou décadas para ser plenamente incorporado.

Limitadas a manter a casa e procriar, as mulheres são orientadas a aceitar os desejos do marido sempre que ele queira. Mas só quando permitido: períodos de abstinência e menstruação restringem o sexo a 93 dias por ano. O coito só deve ser realizado em uma única posição, de preferência com o casal vestido ou com um lençol furado separando-os. A esposa do senhor feudal não tem maiores liberdades. Passa boa parte do dia em quartos fechados, a fiar, acompanhada somente por criadas. As saídas para os jardins são monitoradas de perto. Afinal, é ali que se realizam os encontros furtivos. As escapadas de jovens apaixonados dariam origem à literatura mais famosa do medievo, a do amor cortês.


As últimas décadas, a Idade Média vem sendo reavaliada pelos historiadores. Muitos deles consideram que o quadro de fome, doenças e guerras não elimina suas vantagens relativas. "Se pensarmos no servo, forma típica do camponês atrelado ao solo na Idade Média, veremos que há um ganho para esse indivíduo em relação ao escravo do meio rural na Antiguidade", afirma a historiadora Cybele Crossetti de Almeida, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "Essa visão negativa é uma criação dos autores dos séculos 14 e 15, sobretudo na Itália, interessados em destacar a diferença entre o período em que viviam e o passado imediatamente anterior", diz Marcelo Cândido. Mas isso não significa, como aponta o professor, que faça sentido retomar o conceito que o romantismo do século 19 ajudaria a difundir: o de que aquela época foi marcada por homens fortes e guerreiros, convivendo em harmonia com a natureza e seguindo códigos de honra e ética muito sólidos. Ainda assim, os estudiosos hoje defendem, por exemplo, que algumas normas da Igreja podiam ser dribladas ou ignoradas. "Muitas prescrições simplesmente não eram seguidas, como era o caso da proibição da alquimia e da astrologia e a restrição a consultar médicos judeus, em geral os melhores de então", afirma Cybele. "O filósofo Raimundo Lúlio, por exemplo, se queixa, em pleno século 13, que o mundo é pouquíssimo católico! Em muitos casos, havia um catolicismo de fachada e o povo não tinha muita noção dos dogmas de sua fé", diz Ricardo Costa.
O período medieval deixou, sim, seus legados (veja abaixo, à dir.). Nele se desenharam os contornos dos principais países europeus válidos ainda hoje. A experiência de autonomia política dos feudos, apesar da influência da Igreja, daria origem ao estado moderno laico. A lista de heranças inclui ajustes no direito romano - que abusava da pena de morte, amenizada por influência cristã. De toda forma, algo é inegável: para quem fazia parte da imensa maioria pobre, a vida era dura e as perspectivas de futuro não iam muito além de conquistar, com sofrimento e suor, uma vaga no Paraíso que nunca teriam na Terra.



Saiba mais


LIVROS

Dicionário Temático do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean-Claude Schmidtt, Imprensa Oficial e Edusc (2002)

Em dois volumes de leitura acessível, é o mais completo levantamento sobre a forma como os medievais encaravam o mundo.

A Idade Média: o Nascimento do Ocidente, Hilário Franco Jr., Brasiliense (2001)

Um dos mais respeitados medievalistas brasileiros explica o legado medieval.

Sites

www.ricardocosta.com.br

Um levantamento de cartas, crônicas, poemas e sermões dos séculos 5 a 15. Tudo em português.

www.gtestudosmedievais.ufrgs.br
Fornece uma lista de especialistas brasileiros no assunto e um catálogo de artigos de historiadores.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Amor Proibido

Amor probido
Os amores e desafetos de Dom Pedro I e da Marquesa de Santos
Encontradas em um obscuro museu americano, cartas de Dom Pedro I à sua amada Domitila

Por Rose Mercatelli


Fabiana Neves
Numa quente tarde de primavera em um dos bonitos casarões na Rua do Carmo, bem próximo ao Pátio do Colégio, no centro velho de São Paulo, parentes e escravos assistiam os últimos momentos daquela que, há quase meio século tinha vivido o maior caso de amor da História brasileira, o qual também se transformou no escândalo mais escabroso acontecido na corte de um Brasil recém liberto de Portugal. No dia 3 de novembro de 1867, 54 dias antes de completar setenta anos, morria Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos, que passou para a História como a amante (e o único verdadeiro amor) de Dom Pedro I.

O caso entre os dois durou sete anos. Pelos registros históricos, a ligação amorosa começou em 1822, um pouco antes de ser declarada a Independência do Brasil, até 1829 quando Domitila foi banida da corte no Rio de Janeiro, onde morava antes da chegada de Dona Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais (1812 - 1876), princesa de Leuchtenberg e segunda esposa de Dom Pedro I.

Divulgação
Marquesa de Santos, aos 60 anos
Tida como aventureira, adúltera e interesseira, entre outros adjetivos pouco elogiosos ao seu caráter, é bem verdade que Titília, como era chamada pelo Imperador em seus momentos de intimidade, colecionou propriedades, terras, joias, carruagens brasonadas e títulos nobiliárquicos para si mesma e seus parentes. Mas também foi capaz de inúmeros atos nobres, ainda que não tenham sido levados ao conhecimento público pela maioria dos historiadores.

DIM/DPH/SMC/PMSP
Solar da Marquesa de Santos, comprado em 1834
Nem tudo é o que parece
O escritor Paulo Setubal, autor do célebre romance histórico "A Marquesa de Santos", escrito no início do século passado, só trata da vida de Domitila no período em que foi amante do imperador. Ele não conta em seu livro, por exemplo, que ao saber da prisão de seu segundo marido, Tobias de Aguiar, por seu envolvimento na Revolução de 1842, ela pediu por meio de um ofício ao imperador Dom Pedro II permissão para morar junto com o brigadeiro na Fortaleza de Lajes, numa ilha na baia da Guanabara, para cuidar do militar que sofria de problemas renais causados por um quadro avançado de diabetes, conta o pesquisador e historiador Paulo Rezzutti, autor do livro Titília e o Demonão - Cartas Inéditas de Dom Pedro I à Marquesa de Santos, lançado em 2011 pela Geração Editorial.

Acervo 2D
Dom Pedro I e Dona Leopoldina

"Ela também tinha uma grande consciência política e um orgulho imenso de ser paulista. Em 1827, Domitila doou dinheiro para a causa da Cisplatina e, segundo suas próprias palavras, fez sua doação como "brasileira e paulista". Anos depois, por ocasião da guerra do Paraguai, além de doações em dinheiro, franqueou sua fazenda às margens do Rio Tietê, no Jaraguá, às tropas de voluntários que seguiam para a luta armada com os países vizinhos", relata o escritor. Entusiasta do Partido Liberal, promovia reuniões políticas em seu casarão e participava ativamente das eleições. No fim de sua vida, ela não se esqueceu de seus escravos em seu testamento fazendo doações a alguns e proporcionando a liberdade aos mais chegados. Porém essas facetas de sua personalidade, nunca foram levadas em conta pelos historiadores e biógrafos.

Acervo 2D
D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal
A visão histórica sobre a (mal) falada Domitila parece ter uma razão política para existir, sugere Paulo Rezzutti. Muitos anos depois do romance terminado, o caso entre os dois ainda continuava a servir de combustível para os inimigos da monarquia. "A imagem de D. Pedro em particular, e da família imperial em geral, foi bastante deturpada
Acervo 2D
Domitila, na juventude
pelos positivistas. A proclamação da República, por exemplo, não foi nada mais do que uma quartelada militar desorganizada que possibilitou a mudança do regime. Na Rússia assassinaram o czar para mostrar que não havia possibilidade de volta ao império. Por aqui, demonizaram a monarquia na tentativa desesperada de justificar o novo regime", explica Rezzutti.




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Fonte:  Portal Ciência & Vida 
 http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/48/os-amores-e-desafetos-de-dom-pedro-i-e-da-250121-1.asp

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

As raças não existem... Mas o racismo, sim!

Entrevista | José Costa de Assunção Barros
As raças não existem... Mas o racismo, sim!
Com um vasto currículo, historiador, ao relembrar fatos polêmicos da nossa história, como a da escravidão negra vinda da África, faz declarações polêmicas com relação à desigualdade, violência nas universidades do país e outros temas relacionados às artes e às cidades

Por Flávia Bastos

1 - Montagem Fabiana Neves

Relembrar fatos, contar história, destacar acontecimentos não é tarefa para qualquer um. Mas, para o historiador dono de um doutorado na Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ) não parece ser um grande desafio. José D'Assunção Barros é historiador, professor de História e autor dos livros O Campo da História (2004); O Projeto de Pesquisa em História (2005); Cidade e História (2007); A Construção Social da Cor (2009) – que traz informações preciosas e reveladoras sobre a época da escravidão negra, trazida dos países africanos; e Teoria da História (2011) – em quatro volumes; além do livro Raízes da Música Brasileira (2011).

Entre diversas pesquisas, dissertações e teses, José Barros se aprofundou também em temas como História da Arte, Cultura, e estudos voltados ao Cinema e à Música Erudita. Além disso, é autor de diversos artigos publicados em revistas e jornais especializados, com temas passando por diferenças e igualdades em que demonstra o preconceito como um componente destruidor para a evolução e democracia de um país em busca da evolução. Nas próximas páginas ele comenta questões importantes, como a do sistema de cotas nas universidades, em que defende uma revisão do tema: “a forma de cotas deveria ser pensada mais nos aspectos de divisões sociais geradas pela riqueza e pobreza. E não na questão étnica”, que, segundo ele, “não existe”. José Barros fala, ainda, da história das ideias, poesia e poder – ao qual atribui um forte instrumento capaz de grandes transformações.

Conheça mais sobre seus projetos na entrevista que concedeu, exclusivamente, para a revista Leituras da História:

Leituras da História – O sr. tem um estudo sobre “Desigualdades e Diferenças” transformado em artigo para universidade de Lisboa, sob o título Igualdade, Desigualdade e Diferença: em Torno de Três Noções. Quais seriam essas noções?
José D'Assunção Barros
Nesse estudo, começo a desenvolver uma reflexão conceitual que mais tarde iria possibilitar a elaboração de um dos meus livros: A Construção Social da Cor. O objetivo deste artigo publicado na revista Análise Social, de Lisboa, foi discutir as relações entre as noções de igualdade, desigualdade e diferença, e, sobretudo, mostrar que frequentemente confundimos desigualdades com diferenças, e vice-versa. Principalmente, interessei-me em mostrar que, em diversas ocasiões, essa confusão pode fortalecer violências simbólicas ou efetivas e, às vezes, fazem parte de sofisticados projetos de dominação e opressão a certos grupos sociais.

Por exemplo, homens e mulheres constituem duas “diferenças” básicas relacionadas ao gênero; se pensarmos nessas diferenças como desigualdades, cometemos uma violência. Na Idade Média, a filosofia escolástica de Tomás de Aquino concebia a mulher como um “homem inacabado”. O que essa leitura filosófica fazia era, precisamente, reler uma diferença como desigualdade. A singularidade feminina é, nesse caso, aferida em comparação com especificidades masculinas, sem considerar a mulher como uma diferença. A “escravidão” é, na verdade, uma desigualdade, pois o escravo é o ser humano que perdeu a liberdade – um indivíduo não “estava” escravo, mas “era” escravo. Esse deslocamento de uma categoria que deveria se relacionar a uma circunstância – uma desigualdade –, para uma categoria que se refere a uma essência – o que remete a uma diferença –, era a base imaginária desse cruel sistema de exploração que foi o escravismo.



“Um indivíduo não ‘estava’ escravo, mas ‘era’ escravo. Esse deslocamento de uma categoria que deveria se relacionar a uma circunstância para outra que se refere a uma essência era a base imaginária desse cruel sistema de exploração que foi o escravismo”



José D’Assunção Barros
1,2 e 3 Arquivo pessoal

Nesse sentido, a escravidão moderna foi muito mais violenta que a escravidão praticada nas sociedades antigas. Estas reconheciam a escravidão como uma “desigualdade radical”, enquanto que as sociedades modernas tendiam a ver os escravos capturados na África como uma diferença. O escravo, na maior parte do período colonial, não era apenas o “estrangeiro absoluto” dos antigos gregos, mas perdia até mesmo a sua humanidade mínima. Existe tanto uma violência ao deslocar diferenças para o âmbito da desigualdade, como também ao deslocarmos desigualdades para o campo das diferenças.

LDH – E o problema histórico da escravidão de africanos nos tempos do Brasil Colonial e do Brasil Império?
JDB
– Escrevi alguns artigos sobre a questão do escravismo nas sociedades modernas. Depois, a minha pesquisa em torno desse tema adquiriu maior fôlego e resultou em um livro que publiquei em 2009: A Construção Social da Cor. Neste livro, procuro examinar o problema do escravismo a partir do referencial teórico, que acabei de citar. A escravidão moderna, inclusive no Brasil Colonial e no Brasil Império, ergueu-se sobre a leitura de uma desigualdade radical (a escravidão) como “diferença”. Nesse sistema, passava-se a associar “negro”, “africano” e “escravo”, e a enxergar como uma “diferença” o indivíduo aprisionado por esse entrelaçamento de categorias. Os abolicionistas, nos seus libelos antiescravistas, precisaram desconstruir esse discurso que convertia o escravo em diferença. O africano ou afrodescendente escravizado não “era” escravo, como sustentavam os setores mais opressivos do sistema escravista, mas “estava” escravo.

LDH – Fale mais sobre esse trabalho...
JDB
No livro, procuro mostrar, acompanhando diversos autores recentes, recentes, que a visão da humanidade como se estivesse dividida em “raças” é apenas uma construção social e cultural. As pessoas se acostumaram – e aprendem isso todo o tempo – a enxergar, no conjunto dos seres humanos, raças baseadas em critérios relacionados à aparência física, dos quais o mais marcante é a cor da pele. Contudo, falar em homens brancos e negros é mera construção, não é um dado natural. As raças, na verdade, não existem – nem no sentido biológico, nem no sentido antropológico. Em contrapartida, o racismo existe! Esse é um dos paradoxos mais impressionantes das sociedades. O racismo é uma realidade social, uma vez que as pessoas se acostumaram a enxergar a sociedade como sendo dividida em raças e isso acaba estruturando as suas maneiras de se relacionarem uns com os outros. Na obra, procuro mostrar como foi se estabelecendo, historicamente, essa maneira de ver as coisas – e quais as contradições daí decorrentes.

LDH– Qual a lógica dos termos “diferença negra” e “diferença escrava” – utilizada pela elite senhorial?
JDB
A “diferença negra” é uma construção, pois, na época em que foi implantado o tráfico negreiro, os africanos não se viam como negros; eles se viam reciprocamente como zulus, ibos, tekes, nuers, e centenas de outras identidades africanas que são bem vivas ainda hoje no continente africano. Todavia, para o sistema escravista funcionar, era preciso superpor a essas várias identidades africanas uma identidade maior, a “diferença escrava”.

LDH – Em sua opinião, ainda existe preconceito dessa forma no país? Como ele atrasa a evolução das pessoas e da comunidade?
JDB
Claro. Acreditar que existem raças, e, mais, que existe uma hierarquia de raças, umas mais capazes que outras, não pode, senão, atrasar ou prejudicar o desenvolvimento de uma sociedade como a nossa, cuja maior virtude é a diversidade e a riqueza genética. O talento, a capacidade, o caráter, a inteligência, a criatividade – nada disso está atrelado ou hierarquizado de acordo com a aparência física, com o sexo, com a procedência. Quando agimos orientados pelo preconceito, prejudicamos o livre afloramento daquilo que há de melhor em cada um dos diversos seres humanos; reduzimos as possibilidades de esse ser humano atuar livremente e em um regime de plena igualdade. O preconceito bloqueia talentos, tolhe as oportunidades de indivíduos que poderiam prosperar mais, conduz sempre as mesmas pessoas ao poder político, perpetua desigualdades.



“Os filmes brasileiros produzidos nas últimas décadas têm conseguido partilhar as salas de exibição com os filmes estrangeiros, em especial os americanos, que possuem toda uma máquina de apoio por trás de sua produção e divulgação”


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Fonte: Portal Ciência & Vida

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A sustentabilidade é possível...


No mundo contemporâneo, tudo muda a cada momento.  Diante de um modelo de desenvolvimento, completamente, atrasado torna-se difícil a sobrevivência dos homens que constituíram hábitos, costumes, tradições e que resistem a formas diferentes de vida.

Portanto, é necessário uma educação (ambiental) para um mundo em transformação. Se o homem não for educado (mediante o conceito de mudança) para corrigir seu comportamento terá dificuldade em responder aos desafios contemporâneos.

Diante do exposto, nos cabe um questionamento. Essa modernidade, amparada nos pilares do processo e da tecnologia, criou condições para que o ser humano aprofundasse a consciência de si mesmo e do outro?

Assim sendo, tal incerteza, exposta acima, nos remete ao pensamento da historiadora Janice Thedoro (Karnal. Leandro (org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2010) quando diz que:
"Diante de tantos desafios o nosso papel enquanto educadores, é auxiliar os jovens a compreender melhor esse  mundo repleto de tantas variáveis." ( p.51)

Janice, ainda, acrescenta que "para que possamos vencer os desafios da vida contemporânea temos que problematizar a realidade que nos cerca." Como bem pensou Paulo Freire, "a aprendizagem vem quando o aluno problematiza. Portanto, é por meio do conhecimento que podemos transformar a realidade.

Com o mundo em contínua transformação é imprescindível supor a educação ambiental como algo útil e aplicável ao cotidiano dos educandos. Pensando assim, tenho a certeza que a sustentabilidade é possível.

A partir de análises sobre a realidade brasileira, ou seja, a partir da constatação da necessidade de discutir questões presentes no cotidiano dos brasileiros, como, por exemplo, a degradação ambiental, o descarte dos resíduos sólidos de maneira indevida, a poluição dos rios, as queimadas, etc., visíveis em diversas regiões do país, e na necessidade de preservação dos recursos naturais e da contenção da degradação do meio ambiente, como forma de assegurar a própria sobrevivência são temas que devem ser referências constantes na prática escolar dos alunos de ensino fundamental (I e II) e ensino médio.

Desse modo, o que se busca é um conhecimento aplicável à realidade que não se trata de apontar fórmulas e soluções, mas de identificar procedimentos e visualizar, possibilidades, caminhos que nos direcionem a uma vida sustentável.

Por conseguinte, na sociedade de consumo, a qual estamos inserido, somos "reconhecidos, avaliados e julgados" por aquilo que consumimos ou possuímos. Portanto, é absolutamente preciso fazer com que o aluno visualize a importância do saber dentro de sua realidade. Isto é, educar para transformar.


José Lima Dias Júnior, professor da E. M. Genildo Miranda, zona rural de Mossoró.