domingo, 10 de março de 2013

O Exército de Deus

Sociedades secretas| Os templários
"O Exército de Deus"
A Ordem dos Cavaleiros Templários foi a maior organização militar e religiosa de todos os tempos. Durante quase 200 anos de existência, construiu um império de glórias e riquezas - e essa pode ter sido a principal causa de sua trágica e violenta queda

Por Rose Mercatelli




O dia: 18 de março de 1314. O local: Paris. Jacques DeMolay, grão-mestre da Ordem dos Templários, condenado a queimar na fogueira, pediu, antes de morrer, que suas mãos fossem atadas em posição de oração e que seus carrascos o colocassem de frente para a Catedral de Notre Dame. No caminho, o grão-mestre encontrou o rei Filipe, o Belo, e o papa Clemente V, os dois homens que o tinham condenado. E não resistiu a rogar uma maldição: "Antes de um ano eu os convoco a comparecer perante o tribunal de Deus, malditos!" Esse foi o fim não apenas de DeMolay, mas também de uma extraordinária sociedade secreta da Idade Média, da qual o grão-mestre foi o último símbolo. Entre as que existiram, nenhuma foi mais poderosa do que a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão.

A cruz e a espada
O início da sociedade secreta ocorreu oficialmente no ano cristão de 1119. Mas para entender a história da corporação, é preciso voltar no tempo, para o surgimento das Cruzadas, excursões militares que oficialmente tinham objetivos religiosos, como o resgate da cidade sagrada de Jerusalém que estava em poder dos mulçumanos desde o ano de 638. Porém, mais do que reconquistar territórios, as Cruzadas visavam estabelecer uma rota comercial segura para o Oriente Médio, garantindo o fornecimento dos produtos orientais para um mercado europeu crescente.
Há séculos os mercadores de Veneza lideravam o comércio intercontinental, levando sal para o Oriente e trazendo do Império Bizantino e do Islã madeira, armas e escravos que revendiam no Ocidente com excelentes lucros. O comércio vantajoso, porém cheio de perigos, levou os mercadores a incentivar expedições militares com o objetivo de proteger os fiéis que desde o século 4º peregrinavam a Jerusalém.
Em 1095, o perigo aumentou com os sarracenos às portas de Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), representando uma grande ameaça à Europa Ocidental, o que fez com que a ideia de criar expedições militares tomasse vulto. Mas foi o papa Urbano II quem, no fim do século 11 (1095), partiu para concretização do plano ao proferir um discurso inflamado no Concílio de Clermont, na França, incentivando a todos a se engajarem em uma missão quase impossível: percorrer 3 mil quilômetros até chegar à cidade santa de Jerusalém e expulsar os mulçumanos.
Discorrendo sobre os horrores passados pelos peregrinos cristãos que seguiam à Terra Santa em defesa de sua fé, Urbano II empolgou a plateia. Como maior autoridade da Igreja, o Papa garantia o perdão eterno para seus pecados e, de quebra, um lugar no paraíso a quem se engajasse na luta.

"Non nobis, Domine, non nobis, sed Nomini Tuo ad Gloriam."*
*Não para nós, Senhor, não para nós, mas para Glória de Teu Nome.
(Lema dos templários do livro de Regras escrito pelo patrono da Ordem São Bernardo de Clairvaux)

Os exércitos de Cristo
Segundo os historiadores, a promessa do papa era altamente tentadora e pode ter sido o maior motivo para a adesão em massa ao movimento, principalmente por parte dos camponeses pobres, que não tinham nada a perder a não ser sua alma imortal. As populações da Idade Média viviam aterrorizadas pelo medo de queimar no fogo do inferno para todo o sempre. Daí a promessa do papa ter tocado tantos corações e mentes.
A reação da multidão foi imediata. O primeiro a aderir ao pedido foi o bispo Ademar de Monteil que, ajoelhando-se em frente ao papa, tomou a cruz do pontífice jurando fidelidade à causa. Seu gesto se tornou uma espécie de ritual de alistamento, no qual o voluntário recebia uma cruz de pano para costurar ao uniforme de batalha, um símbolo que identificava os soldados de Cristo ou os cruzados, como passaram a ser conhecidos. A adesão ao movimento tomou tal proporção que as Cruzadas são consideradas pelos historiadores como o maior movimento populacional da Idade Média.

Caminhos perigosos
O entusiasmo dos primeiros cruzados era enorme, mas inversamente proporcional às suas habilidades em organizar a missão de levar centenas de milhares de pessoas à Terra Santa em segurança. Apesar da falta de planejamento, os cruzados conquistaram Jerusalém em 1099, entretanto, a vitória ficou aquém do esperado. O máximo que os soldados cristãos conseguiram foi resgatar algumas poucas cidades (além de Jerusalém), que, mesmo com a derrota dos sarracenos, permaneciam cercadas pelos infiéis por todos os lados.
Segundo relatos de nove viajantes compilados pelo escritor e editor inglês Thomas Wright e publicados no livro Primeiras Viagens à Palestina no século 19, a segurança dos peregrinos e dos comerciantes que seguiam em direção ao Oriente Médio era um dos maiores problemas. Em um dos relatos, o peregrino Seawulf, comerciante anglosaxão que, depois de sua viagem à Jerusalém em 1102, tornou-se monge, alerta: "Os sarracenos (mulçumanos) estão sempre armando ciladas para os cristãos (...) à espreita dos que podem atacar por estarem em grupos pequenos ou daqueles que, por cansaço, ficam para trás. . ."

Os monges guerreiros
Frente ao constante perigo, nobres franceses se prontificaram a empunhar a espada em defesa das Cruzadas. Hugo de Payns, um cavaleiro do norte da França, levou ao rei Balduíno II, de Jerusalém, a ideia de criar uma força militar, subordinada à Igreja, que desse respaldo à multidão de peregrinos. O rei aprovou a novidade. Afinal, até aquele momento, monges e cavaleiros formavam dois grupos distintos. Juntos, quem sabe, seriam capazes de derrotar definitivamente os infiéis sarracenos.
O braço religioso desse exército era formado por padres bons de espada e de briga que, além dos votos de pobreza, castidade e obediência, também juraram liquidar os infiéis para defender os lugares sagrados da cristandade, caso fosse necessário. "Payns inventou a figura do mongecavaleiro", escreve Marion Melville, autora de La Vida Secreta de los Templarios (sem tradução para português).
Naquele mesmo ano, Payns e mais oito cavaleiros pertencentes à nobreza francesa fizeram o mesmo juramento dos monges guerreiros, seus companheiros de armas e de fé. O rei Balduíno II cedeu aos destemidos cavaleiros como alojamento o que ele acreditava ser o lendário Templo de Salomão, em Jerusalém. Daí os componentes do Exército de Cristo receberem o nome de Templários.

Getty images/reprodução
Jacques DeMolay, Mestre 23 e último grão-mestre dos Cavaleiros Templários, foi levado à fogueira para queimar por heresia O Concílio de Clermont-Ferrand, aberto pelo Papa Urbano II, em novembro de 1095, um sínodo católico que concedeu a indulgência plenária aos que fossem ao Oriente para defender os peregrinos


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Fonte:  http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/edicoes/55/artigo271844-1.asp?o=r

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