Reflexão
Renascimento? Para que serve?
A pergunta pode parecer estranha, mas já explico. Estava, outros tempos, passeando pelas ruas de Florença - e perdoem-me a ostentação involuntária nestes tempos do politicamente correto, mas a contextualização é importante -, e olhando aquelas casas e palácios antigos, os monumentos centenários
Por Ricardo Frantz
Renascimento? Para que serve?
A pergunta pode parecer estranha, mas já explico. Estava, outros tempos, passeando pelas ruas de Florença - e perdoem-me a ostentação involuntária nestes tempos do politicamente correto, mas a contextualização é importante -, e olhando aquelas casas e palácios antigos, os monumentos centenários
Por Ricardo Frantz
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Cobertos de pátina evocativa e/ou de excrementos de pombo e
poluição, e perguntava-me: afinal, por que ainda hoje acorrem a esta
cidade fossilizada hordas diárias de turistas dos quatro cantos do
planeta? Como o Renascimento, do qual Florença foi berço e capital, e
por isso ficou famosa, chegou a adquirir tamanho apelo para o cidadão do
mundo?
Seria apenas um caso exemplar da força da indústria cultural, de
uma propaganda artificiosa orquestrada em escala planetária? Em parte,
até pode ser... mas, andando por aquelas ruas coalhadas de gente
carregando mochilas e máquinas fotográficas, às vezes, até dando
gritinhos de admiração, é difícil acreditar que isso tudo ao redor seja
apenas passado mitificado e modismo. Pelo menos para o homem do
Ocidente, o Renascimento é uma herança inescapável, ele deu fundamento a
grande parte da sua cultura contemporânea, por mais exótica e original
que ela possa parecer.
Porque a influência do Renascimento perdurou após seu
encerramento, e nunca morreu para o mundo. Hoje, para boa parte das
pessoas, dada a grande influência da cultura ocidental sobre o planeta
inteiro. Mas mesmo em seu tempo, teve um impacto transcontinental. Foi
um período, talvez, tão excitante e revolucionário para os que o viveram
quanto é o de hoje para nós, e esse simples fato já nos identifica
imediatamente com ele. Conhecemos diversos relatos históricos em que
artistas, filósofos e outros intelectuais se declaravam entusiasmados
com o que estavam vivendo, com o que estavam fazendo, e com as novidades que apareciam a cada dia vindas de todos os lados, da ciência, das artes, da filosofia, de todo o resto.
O mundo estava mudando, os navegadores daquela época em breve
haveriam até de descobrir todo um novo continente! Esse clima de
efervescência, de descobertas e transformações profundas na cultura e na
arte, já é de conhecimento de todo estudante de nível médio, está no
currículo de todas as escolas. E quem, com uma instrução mediana, nunca
ouviu falar em Michelangelo ou Leonardo Da Vinci? Sobre eles paira uma
aura mágica que recai sobre todo aquele período, do qual eles foram
agentes fundamentais, e tudo isso também explica a perene fama do
Renascimento, que venceu os séculos e só parece crescer.
Basílica di Santa Maria del Fiore, em Florença, Itália. Notabilizada por sua monumental cúpula, obra do celebrado arquiteto renascentista Brunelleschi |
Mas, talvez, o que nos identifique mais com os renascentistas, o
que mantenha mais vivo o apelo do período para a contemporaneidade, é o
fato de que eles, como nós, colocaram o homem no centro do universo como
a medida de todas as coisas. Na religião, na filosofia, nas artes
renascentistas, o homem reassumiu um papel de enorme relevo, como não
possuía desde a Antiguidade Clássica, e que depois dela havia perdido
toda. Por influência direta do cristianismo, com seu conceito do pecado
original e sua doutrina de um fabuloso Reino dos Céus, onde todos os
devotos, após a sofrida e sobressaltada peregrinação pela Terra,
viveriam eternamente em beatitude como espíritos purificados, durante a
Idade Média o mundo passou a ser considerado como essencialmente mau; o
homem, como um pobre condenado à espera de redenção; a vida, como um
purgatório e um exílio, e o corpo humano, como vil e desprezível, um
animal que precisava ser mantido sob estrita disciplina. A representação
do nu, por isso, virtualmente desapareceu e, quando aparecia, era para
ridicularizá-lo.
Uma das maiores novidades que floresceram durante o Renascimento
foi exatamente esta: a redescoberta e revalorização do homem e da vida
na Terra. Daí que a corrente de pensamento dominante na época fosse
chamada de Humanismo. Foi uma escola eclética e, às vezes,
contraditória, que tentava conciliar a tradição da venerada Antiguidade
com o mundo novo em que viviam, reunindo elementos tão diversos quanto o
cristianismo, as ciências, a cultura pagã com sua mitologia e
filosofia, os sistemas de Educação, as ciências ocultas como a
astrologia, o hermetismo e a cabala, entre muitos outros constituintes,
tendo um fundo ético e, como objetivo, a Educação integral e a reforma
da sociedade. Mas, antes de prosseguirmos, coloquemos alguns fatos
essenciais em contexto.
Templo de Bramante, em Roma, um dos exemplos mais significativos de arquitetura renascentista | O Palazzo Vecchio (Palácio Velho), em Florença, acolhe um museu que expõe obras de Agnolo Bronzino Michelangelo Buonarroti e Giorgio Vasari |
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