sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Renascimento? Para que serve?


Reflexão
Renascimento? Para que serve?
A pergunta pode parecer estranha, mas já explico. Estava, outros tempos, passeando pelas ruas de Florença - e perdoem-me a ostentação involuntária nestes tempos do politicamente correto, mas a contextualização é importante -, e olhando aquelas casas e palácios antigos, os monumentos centenários

Por Ricardo Frantz


Cobertos de pátina evocativa e/ou de excrementos de pombo e poluição, e perguntava-me: afinal, por que ainda hoje acorrem a esta cidade fossilizada hordas diárias de turistas dos quatro cantos do planeta? Como o Renascimento, do qual Florença foi berço e capital, e por isso ficou famosa, chegou a adquirir tamanho apelo para o cidadão do mundo?


Seria apenas um caso exemplar da força da indústria cultural, de uma propaganda artificiosa orquestrada em escala planetária? Em parte, até pode ser... mas, andando por aquelas ruas coalhadas de gente carregando mochilas e máquinas fotográficas, às vezes, até dando gritinhos de admiração, é difícil acreditar que isso tudo ao redor seja apenas passado mitificado e modismo. Pelo menos para o homem do Ocidente, o Renascimento é uma herança inescapável, ele deu fundamento a grande parte da sua cultura contemporânea, por mais exótica e original que ela possa parecer.
Porque a influência do Renascimento perdurou após seu encerramento, e nunca morreu para o mundo. Hoje, para boa parte das pessoas, dada a grande influência da cultura ocidental sobre o planeta inteiro. Mas mesmo em seu tempo, teve um impacto transcontinental. Foi um período, talvez, tão excitante e revolucionário para os que o viveram quanto é o de hoje para nós, e esse simples fato já nos identifica imediatamente com ele. Conhecemos diversos relatos históricos em que artistas, filósofos e outros intelectuais se declaravam entusiasmados com o que estavam vivendo, com o que estavam fazendo, e com as novidades que apareciam a cada dia vindas de todos os lados, da ciência, das artes, da filosofia, de todo o resto.
O mundo estava mudando, os navegadores daquela época em breve haveriam até de descobrir todo um novo continente! Esse clima de efervescência, de descobertas e transformações profundas na cultura e na arte, já é de conhecimento de todo estudante de nível médio, está no currículo de todas as escolas. E quem, com uma instrução mediana, nunca ouviu falar em Michelangelo ou Leonardo Da Vinci? Sobre eles paira uma aura mágica que recai sobre todo aquele período, do qual eles foram agentes fundamentais, e tudo isso também explica a perene fama do Renascimento, que venceu os séculos e só parece crescer.
Reprodução
Basílica di Santa Maria del Fiore, em Florença, Itália. Notabilizada por sua monumental cúpula, obra do celebrado arquiteto renascentista Brunelleschi
Mas, talvez, o que nos identifique mais com os renascentistas, o que mantenha mais vivo o apelo do período para a contemporaneidade, é o fato de que eles, como nós, colocaram o homem no centro do universo como a medida de todas as coisas. Na religião, na filosofia, nas artes renascentistas, o homem reassumiu um papel de enorme relevo, como não possuía desde a Antiguidade Clássica, e que depois dela havia perdido toda. Por influência direta do cristianismo, com seu conceito do pecado original e sua doutrina de um fabuloso Reino dos Céus, onde todos os devotos, após a sofrida e sobressaltada peregrinação pela Terra, viveriam eternamente em beatitude como espíritos purificados, durante a Idade Média o mundo passou a ser considerado como essencialmente mau; o homem, como um pobre condenado à espera de redenção; a vida, como um purgatório e um exílio, e o corpo humano, como vil e desprezível, um animal que precisava ser mantido sob estrita disciplina. A representação do nu, por isso, virtualmente desapareceu e, quando aparecia, era para ridicularizá-lo.
Uma das maiores novidades que floresceram durante o Renascimento foi exatamente esta: a redescoberta e revalorização do homem e da vida na Terra. Daí que a corrente de pensamento dominante na época fosse chamada de Humanismo. Foi uma escola eclética e, às vezes, contraditória, que tentava conciliar a tradição da venerada Antiguidade com o mundo novo em que viviam, reunindo elementos tão diversos quanto o cristianismo, as ciências, a cultura pagã com sua mitologia e filosofia, os sistemas de Educação, as ciências ocultas como a astrologia, o hermetismo e a cabala, entre muitos outros constituintes, tendo um fundo ético e, como objetivo, a Educação integral e a reforma da sociedade. Mas, antes de prosseguirmos, coloquemos alguns fatos essenciais em contexto.
Reprodução Shutterstock
Templo de Bramante, em Roma, um dos exemplos mais significativos de arquitetura renascentista O Palazzo Vecchio (Palácio Velho), em Florença, acolhe um museu que expõe obras de Agnolo Bronzino Michelangelo Buonarroti e Giorgio Vasari

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