quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Projeto Leitura e Escrita — Ensino Religioso

A leitura deve estar presente em todas as atividades escolares. Torná-la hábito é um dever de todos. Vemos a grande dificuldade de nossos alunos em compreender e interpretar um texto em História, Geografia e Ensino Religioso, disciplinas, com as quais leciono. 

Revista Caminho da Paz, OneHope/AMME.

Anderson Dias, aluno do 8º Ano 


Partindo deste pressuposto, a leitura enquanto hábito leva o ser humano a se transportar para o desconhecido, descobrir outros mundos. Através da leitura podemos entender a realidade que nos cerca e acrescentar vida ao sabor da existência. 

Alunos do 8º Ano em momento de leitura e exercício da escrita.


Foi pensando nesta perspectiva, que passei a adotar a leitura intensiva em minhas aulas sempre inciando e contando com a participação dos educandos. Para que o processo de ensino-aprendizagem solidifique é necessário uma relação mais próxima e efetiva de todas as disciplinas existentes na grade curricular. 

 A cada disciplina ministrada por mim foram inseridos textos complementares que tem como objetivos:

  • Despertar o prazer da leitura e aguçar o potencial cognitivo e criativo do aluno;
  • Promover o desenvolvimento do vocabulário, favorecendo a estabilização de formas ortográficas;
  • Possibilitar o acesso aos diversos tipos de leitura (imagens, textos, vídeos etc) na escola, buscando efetivar enquanto processo a leitura e a escrita;
  • Estimular o desejo de novas leituras;
  • Possibilitar a vivência de emoções, o exercício da fantasia e da imaginação;
  • Possibilitar produções orais, escritas e em outras linguagens;
  • Proporcionar ao indivíduo através da leitura, a oportunidade de alargamento dos horizontes pessoais e culturais, garantindo a sua formação crítica e emancipadora.

José Lima Dias Júnior, professor de História, Geografia (8º e 9º Ano) e Ensino Religioso (8º e 9º Ano).




quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Aula de campo


Na Trilha do Mangue – Educação Ambiental


Grossos/RN

Disciplinas envolvidas: Geografia, Ciências e História
Público alvo: alunos do 6º, 7º, 8º e 9º Anos
Tempo estimado: Cinco aulas de 50 minutos
Professores: José Lima Dias Júnior e Margareth Rejane

Alunos e professores na Trilha do Mangue — Grossos/RN


            1 .         Introdução

Parte da cidade de Grossos é cercado por manguezais - ecossistema rico em matéria orgânica - refúgios naturais para reprodução, alimentação e proteção de muitas espécies da fauna e da flora. Também contribuem para sobrevivência de aves, répteis e mamíferos, muitos deles em risco de extinção.

Devido a sua importância, o ecossistema manguezal possui legislação própria. No entanto, sofre diversos tipos de impactos que diminuem sua integridade e capacidade produtiva. O grande volume de lixo lançado nos manguezais é um dos principais problemas enfrentado por esse ecossistema.

           1.1.        Aspectos histórico-geográficos:

Grossos é um município no estado do Rio Grande do Norte (Brasil), localizado na microrregião de Mossoró. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ultimo censo, sua população está estimada em 9.393. Área territorial de 126 km².
Localização do município de Grossos no RN
Suas principais praias são Barra, Pernambuquinho e Areias Alvas, populares em virtude da gastronomia (mariscos, peixes e camarões), tranquilidade que oferecem e da prática de esportes, como o kitesurf entre outros.

Vista do centro de Grossos-RN

Moinho, símbolo da cidade de Grossos

O ponto forte da economia desta pacata cidade é a indústria salineira, grande parte da produção é fornecida para as grandes indústrias alimentícias do Brasil e até exportado para outros países, apesar de uma grande parcela deste sal ser industrializado no próprio município, Grossos também transporta sal para ser industrializado em Mossoró.

Cristalização do sal em tanques

O comércio é de pouca expressão, mas já mostra um relativo avanço nos últimos anos. Nota-se também a presença de artesanato de figuras decorativas criadas com areia colorida em pequenas garrafas como também objetos decorativos feitos com búzios e outros materiais reciclados.


Extração do sal marinho
Na comunidade de Areias Alvas existe o segundo maior cajueiro do mundo, e um pequeno sitio arqueológico de sambaquis, onde podemos encontrar pequenos arbustos fossilizados e indícios de uma população primitiva que ocupou esta região num passado remoto.


Salina mecanizada
Nas comunidades Carro Quebrado e Córrego existem, talvez, a maior concentração de salinas não mecanizadas do Brasil. Nestas salinas a extração do sal é realizada com utilização de pás, picaretas e carros de mão trilhados sobre pedaços de madeiras chamadas de "pranchas" (Fonte: Wikipédia).


             2. Justificativa

A geografia de Grossos “resultou” em um estreito relacionamento dos cidadãos com o mar e o aparecimento de diversas comunidades de pescadores e catadores de mariscos que sobrevivem dos recursos naturais do mar e manguezal.

Manguezal
Mangue

As áreas dos manguezais são de extrema importância para as populações tradicionais e populações carentes residentes no entorno, uma vez que delas provém boa parte das proteínas (mariscos e peixes), tão essenciais para sua alimentação e renda.


Ecossistema de manguezal poluído
Para garantir a sobrevivência dos manguezais é necessária uma nova cultura de preservação. Não basta, por exemplo, realizar uma ação de limpeza, se a fonte causadora do problema não for eliminada. Essa ação pontual se justifica uma vez que, por meio dela, será possível demonstrar na prática que limpezas no ecossistema não resolvem o problema da degradação ambiental proveniente do lixo, se a fonte poluidora não for trabalhada.


Poluição atinge área de mangue

Dessa forma, a ação de limpeza do manguezal  demonstra a necessidade de se desenvolver trabalhos no âmbito da educação ambiental, criando possibilidades para população transformar esses conhecimentos em novas atitudes.


Pescador

À medida que compreendermos que o problema do lixo só se resolverá a partir de uma nova mentalidade que eduque e modifique os hábitos, e que as pessoas possam ir além do discurso, relacionando-se de forma mais responsável e saudável com o meio ambiente, conseguiremos minimizar os efeitos provenientes desse impacto.


Água extraída do mar para abastecer os tanques
Tanques abastecidos com água retirada do mar

           O que é um Mangue (manguezal)?

O Mangue, ou Manguezal, é um ecossistema típico de áreas costeiras alagadas em regiões de clima tropical ou subtropical.

Mesmo com uma variedade pequena de espécies o mangue ainda é considerado um dos ambientes naturais mais produtivos do Brasil  devido às grandes populações de crustáceos, peixes e moluscos existentes.
O manguezal desenvolve-se nos estuários e na foz dos rios sendo um berçário para muitas espécies de animais.
O mangue é composto por apenas três tipos de árvores (Rhizophora mangle – mangue-bravo ou vermelhoAvicena schaueriana – mangue-seriba ou seriúba – e Laguncularia racemosa– mangue-branco) que podem chegar a até 20 metros de altura em alguns lugares do país. Esse tipo de ecossistema se desenvolve onde há água salobra e em locais semi abrigados da ação das marés, mas com “canais” chamados gamboas que permitem a troca entre água doce e salgada. Seu solo é bastante rico em nutrientes e matéria orgânica com características lodosas e, composto por raízes e material vegetal parcialmente decomposto (turfa).

Manguezal - Grossos/RN

O Brasil possui a maior faixa de mangue do planeta com cerca de 20 mil km² que se estendem desde o nordeste (Cabo Orange – Amapá) até o sul do país (Laguna – Santa Catarina). Os manguezais também são encontrados na OceaniaÁfricaÁsia e outros países da América (Fonte:http://www.infoescola.com/geografia/mangues-manguezal/).



Alunos do 6º e 7º Anos (aplicação dos conceitos de ecossistema, mangue, degradação ambiental e poluição).

          4. Objetivos

    ·         Expor para o aluno a problemática do lixo no ecossistema manguezal.
    ·          Visualizar o grau de degradação dos manguezais de Grossos provenientes da ação do lixo e seus      impactos negativos nesse ecossistema com relação à fauna e flora.
    ·         Intensificar por meio dos pressupostos teórico-metodológicos em Educação Ambiental ações educativas para alunos possam compreender as noções de consciência e sujeito ecológico.
    ·         Divulgar a necessidade de cuidados no acondicionamento e disposição do lixo a fim de minimizar o problema de poluição.


Após a demonstração dos conceitos estudados, alunas do 9º Ano em momento de descontração.

             5. Metodologia

O projeto de educação ambiental “Na Trilha do Mangue” contemplará três etapas para sua implantação. A primeira etapa iniciará com os professores envolvidos oferecendo aos alunos subsídios para trabalharem os conceitos de educação ambiental, ecossistema, manguezal, sustentabilidade e degradação ambiental. Na segunda etapa, ocorrerá a realização de palestras e atividades lúdicas para que o aluno compreenda a importância do ecossistema manguezal, além de promover a reflexão da ação humana neste ecossistema. A terceira etapa terá como meta aula de campo nos manguezais do litoral de Grossos/RN. A referida aula teve dois momentos onde os alunos foram divididos em grupos. As aulas ocorreram nos dias 10/08/13 (turmas do 6º e 7º Anos) e 17/08/13 (turmas do 8º e 9º Anos). Nesta etapa os estudantes observaram espécies da fauna e flora e as características físicas da região, relacionando o conhecimento teórico ao prático.

Pequenas embarcações utilizadas para pesca.

             6. Resultados alcançados

Se tudo que diz respeito ao ser humano é produto de sua vida em sociedade. Contudo, a produção do humano é resultado de sua humanidade, enquanto organização social. Nesse sentido, busca-se como resultados esperados nessa proposta de educação ambiental despertar na população escolar uma consciência ambiental e a edificação de um novo sujeito ecológico fundamentado na ética da responsabilidade. A finalização do projeto se dará com a produção dos alunos mediante a elaboração de textos, ilustrações, gráficos e tabelas, além do uso de estratégias como jogos, cruzadinhas, ligue-pontos, atividades de recorte e colagem, contornos para preencher e colorir, “você sabia?”, poesias e roteiros orientadores para saídas a campo, listas de espécies animais e vegetais no ambiente estudado.

Ancoradouro das balsas — Grossos/RN

Quanto a equação ou um caminho para que possa solucionar o problema de poluição do ecossistema manguezal, os alunos foram unanimes ao afirmarem que a preservação dos manguezais só depende de nossas ações e que para garantir a sobrevivência dos manguezais é necessário o entendimento de que a responsabilidade é de todos.

Voo das gaivotas

Nesse contexto, segundo as alunas Flaviane e Larissa (9º Ano) "caberia as autoridades políticas do município de Grossos, juntamente com as escolas criarem um projeto de preservação dos recursos naturais, onde fosse implantadas ações coordenadas e permanentes de limpeza dos manguezais da região da "prainha", além das comunidades rurais.  Alertar a população para o problema, envolver o poder público e as comunidades que retiram sua renda dos manguezais da região e incentivar uma nova cultura de  preservação seria a solução, enfatiza as alunos."



Por José Lima Dias Júnior, prof. de História na E. M. Genildo Miranda, zona rural, Mossoró-RN

domingo, 28 de julho de 2013

Aventuras na História

Veja a história do judeu polonês que sobreviveu a sete campos de concentração

Judeu polonês sobreviveu a sete campos de concentração nazistas em quatro países. Conheceu Stalin, virou paraquedista e instrutor militar em Israel e acabou imigrando para o Rio de Janeiro, onde foi taxista até dois anos atrás

Flávia Ribeiro | 25/04/2012 12h37
"É cobra. Pode jogar no bicho que dá cobra", diz, com um sorriso largo, o taxista aposentado Alexander Liberman sobre o número marcado em seu antebraço esquerdo: A18.534. O bom humor certamente o ajudou a chegar aos 80 anos e não dá pistas do que a vida lhe reservou até aqui. Aos 9 anos, levou um tiro e passou por sete campos de concentração na Polônia, Alemanha, Áustria e Bósnia. Perdeu pai, mãe e três irmãos, mortos pelos nazistas. Com o fim da Segunda Guerra, foi levado para a Rússia e conheceu Josef Stalin. Soldados soviéticos ficaram tão impressionados com seu precário estado de saúde que decidiram mostrá-lo ao ditador. Em 1947, embarcou no navio Exodus para Israel, que levava ilegalmente refugiados judeus, mas acabou preso na ilha de Chipre após confrontar tropas inglesas que interceptaram o navio. Mais tarde, já sargento do Exército israelense, foi atingido por estilhaços de duas granadas durante a Guerra de Independência do país. Uma delas o deixou surdo de um ouvido. Tudo isso até os 21 anos de idade.
Foto: Marcos Pinto

Aos 25, veio para o Brasil, onde foi motorista de táxi até cerca de dois anos atrás nas ruas do Rio de Janeiro. E só recentemente ganhou coragem para contar sua história: "Antes eu me revoltava... Agora conto porque já estou no final... É lógico que me emociono lembrando, já tive muito pesadelo com isso. Mas não tenho mais. O que tinha que passar, passei. Perdi tanta coisa na minha vida... Mas agora estou tranquilo."

Como era sua vida antes da guerra?


Tive uma infância tranquila até os 9 anos. Meu pai era comerciante de material de sapateiro, com meu tio. Nasci na Polônia, em 1930. Eu tinha três irmãos: um de 7 anos, uma de 3 e uma bebê de 6 meses.

O que houve com sua família após a invasão da Polônia, em 1939?

Os alemães logo caíram em cima dos judeus. Primeiro, foram à loja e levaram meu pai e meu tio para Treblinka. Soubemos que os dois foram mortos na guilhotina lá. A gente se escondeu no forro de casa por dois meses, vivendo do que havia na cozinha. Fomos descobertos, nos levaram para um polígono da cidade e botaram a gente na fila para morrer. Vi pessoas sendo fuziladas. Aí pegaram minha irmãzinha de 6 meses, jogaram para o alto e atiraram, como se fosse uma brincadeirinha. Gritei na hora para minha mãe: "Vou fugir. Não vou dar minha cabeça!" Fugi, me desviando das balas, mas uma pegou aqui (mostra uma cicatriz no abdômen). Consegui sumir na floresta que havia ali perto.

Alguém da sua família sobreviveu?

Não sei quando morreram. Não achei nada. Mas morreram, ou eu teria achado. Procurei, mas nunca tive notícia. Descobri um tio em Israel. Depois, achei uma tia na Argentina e um tio no Uruguai.

E o tiro no abdômen?

Essa bala não caiu num lugar para me matar, né? Encontrei seis ou sete pessoas escondidas na floresta. Tinha que entrar naquele grupo que estava lutando com os alemães. Eu era o mais novo, mas era bem desenvolvido e acharam que eu podia ajudar em alguma coisa. Arrumamos gaze e iodo para o ferimento. E não inflamou.

Como era a vida na floresta?

Vivíamos em cima das árvores para não sermos vistos. Os outros tinham fuzis. Me arranjaram um revólver pequeno e me ensinaram a atirar. Fiquei uns dois meses com esse grupo. Éramos partisans. Íamos às casas próximas pegar comida, mas não tinha muito. Uma vez me mandaram à cidade comprar comida, achando que, porque eu era criança, não desconfiariam de mim. Quando eu estava saindo da loja, dois soldados me viram e perguntaram: "Você é judeu?" Eu disse que não, mas me levaram para um quarto e abaixaram minha calça. Fui levado para um campo de trabalho em Budzyn, onde plantávamos batatas. Fui escolhido várias vezes para morrer, mas me escondia nos barracões lotados. No dia seguinte, saía para trabalhar normalmente. Alguns meninos conseguiram se esconder, outros foram achados e morreram. Passei por sete campos de concentração. Em alguns, fiquei só um período de quarentena antes de ser mandado para o que deveria ficar mesmo. Com a guerra já braba, os russos se aproximaram e os alemães levaram a gente para o campo de Majdanek, com sete câmaras de gás. Os nazistas me escolheram para arrancar os dentes de ouro dos judeus mortos usando alicates. Tinha gente que sobrevivia e pedia: "Arranca os dentes, mas não conta que estou vivo!" Tirei dentes de ouro de pessoas vivas. Não doía, não gritavam. Depois, fomos levados embora, a pé.

Quando?

Eu não sabia mais do tempo. Sabia que estava no galinheiro com as outras galinhas e que precisava arranjar um jeito de sobreviver. A guerra é uma confusão danada.

Como o senhor lidava com tudo isso?

Só pensava em viver. Vi um tio morrer e não chorei. Encontrei o irmão do meu pai num dos campos - morreu de tifo. Não dava tempo de chorar. Chorei uma só vez, quando fui pego, aos 9 anos. Achava que ia morrer, mas nunca pensei em entregar os pontos.

Mas o senhor não sentia revolta?
Claro! Quando pedi ajuda a Deus, não fui atendido. Eu disse então: "Sou ateu!" E eu me revoltava comigo mesmo por ter nascido judeu. Se eu não fosse judeu, não estaria passando por tudo aquilo. Era o que eu pensava. Perdi tanta coisa na vida... e era uma criança. Eu não entendia.

E depois de Majdanek?


Fui levado para Birkenau, em Auschwitz. Foi lá que me marcaram, botaram o número no meu braço: A18.534. Pode jogar no bicho que dá cobra! Foi um dos campos em que estive de passagem. Lá me ensinaram a ser ferramenteiro. Para não morrer, tinha vontade de aprender tudo. Me levaram para trabalhar numa fábrica de aviões e canhões. Fui para um lugar chamado Laurahütte (um subcampo do complexo Auschwitz-Birkenau). O engenheiro de lá gostava do meu serviço, tinha pena de mim e me dava, escondido, uns sanduíches. Mas os americanos se aproximaram e tive de me mudar de novo. Fomos para vagões de trem superlotados. Levaram a gente para Mauthausen-Gusen (Áustria) e depois para Dachau (Alemanha). Ficamos também pouco tempo. De lá, fomos para o campo de Gradiska (Bósnia). Quando cheguei, em 1945, eu já estava tão magro que parecia um esqueleto vivo. Estava com 14 anos e com tifo, mas eu ainda não sabia.

Como foi sua libertação?

Os russos chegaram e libertaram o campo (em 23 de abril de 1945). Eles me viram daquele jeito, ficaram impressionados por eu estar vivo e disseram: "Temos de mostrar esse aqui para alguém!" Então me limparam e me botaram num avião para Moscou. Me levaram ao Kremlin. Encontrei Stalin e ele me perguntou se eu sabia falar russo. Eu falava um pouquinho. Stalin me disse que eu seria bem tratado e mandou me botarem num internato em Moscou. Eu estava muito fraco e tinha um grupo de garotos vagabundos. Eu estava com uma roupa boa, que os russos me deram. Quando dormi, veio um mais forte e levou minha roupa. O que eu ia fazer? Roubei a roupa de um menino ainda mais fraco e fui embora. Achei a Cruz Vermelha e pedi para ir para a Polônia.

O senhor conseguiu?

Voltei, mas estava muito fraco. Estava bem doente, com febre e manchas no corpo: era tifo. Fiquei meses no hospital. Quando saí da cama, não conseguia andar. Chegou um avião dos Estados Unidos para levar uma turma para lá, mas eu não quis ir.

Por que não?
Tinha medo de que me matassem. Queria ir para Israel, mas acabei indo para a Alemanha. Me levaram para um internato para sobreviventes de guerra em Landsberg am Lech, onde fiquei dois anos. Já tinha um grupo de Israel lá, o Haganah Palmach (uma milícia). Aprendi hebraico - antes, falava polonês, alemão, iídiche e um pouco de russo. Fizemos treinamento de táticas de guerra. Em 1947, eu estava com 16 anos, chegou o Exodus (navio que levava refugiados para Israel). Eu queria ficar com os que sofreram como eu. Não queria me afastar dos judeus. Sabíamos que iríamos lutar lá e já tínhamos aprendido a lutar na Alemanha. Já tivemos que lutar no navio, com os ingleses (em 1947, a Inglaterra proibiu a imigração clandestina para Israel. O Exodus, com 4515 sobreviventes do Holocausto, foi o primeiro navio a receber a ordem marítima policial, em 18 de julho. Houve combate a bordo e três pessoas morreram). Fui mandado para uma prisão no Chipre, onde fiquei uns dois meses. Primeiro tentei fugir dentro de um caminhão de lixo, mas me pegaram. Com 17 anos, fui solto e consegui ir para Israel. Fui direto para um kibutz trabalhar na terra e aprender coisas do Exército. No Exército, fui treinador de recrutas e paraquedista. Lutamos contra os árabes, participei da Batalha do Egito. Isso foi em 1948, por aí. A gente libertou Israel. Fiquei nas Forças Armadas até 1951.

Como foi sua participação na guerra?

Saltei de paraquedas em lugares perigosos. Uma vez, nosso helicóptero desceu no deserto de Negev. Teve tiroteio e fui atingido, atrás da orelha esquerda, por estilhaços de uma granada. Fiquei três meses no hospital e sou surdo desse ouvido. Também tenho uma cicatriz na perna direita por causa de outra granada. Em Israel, me casei. Tenho duas filhas lá, seis netos e sete bisnetos. Trabalhei em construção, em muita coisa.

Por que o senhor veio para o Brasil?

Eu achava que tinha direito a alguma coisa lá (uma indenização), mas eu não tinha pistolão. Pensei: "Depois de tudo o que eu fiz, ainda preciso de pistolão?" Aí me aborreci, quis ir embora, em 1958. Vim com uns amigos. Depois, minha mulher veio com minhas filhas, uma com 3 anos e a outra com uns 9 meses. Moramos em Ramos (no Rio de Janeiro), mas ela não aguentou a umidade. Tinha bronquite, quis voltar para Israel. Mas eu não podia, né? Trabalhava como vendedor.

O que o senhor fez aqui?
Eu não falava português. Vendia roupas de porta em porta lendo um texto. Me naturalizei brasileiro em 1963. Tive uma loja de modas em Ipanema, depois um salão de cabeleireiro e uma butique na Gávea. Nessa época, arranjei uma úlcera. O doutor Gazzola, um médico que alugava um quarto na minha casa quando era estudante, me operou. Nessa operação, ele tirou aquela bala do abdômen! Depois, a butique não andava bem. Comecei a trabalhar como motorista de táxi nos anos 1960 e foi assim até dois anos atrás. Uma vez, fui sequestrado. Me deram uma injeção de gasolina, me roubaram, mas não levaram o táxi. Isso foi há uns 30 anos. Outra vez, escapei de um assalto no Flamengo me jogando debaixo do carro. Hoje, tem uma pessoa que dirige meu táxi. Recebo uma indenização dos alemães, uma mixaria, e outra mixaria de aposentadoria. Mas me casei de novo aqui (com a católica Lenice, 60 anos), tive dois filhos: o Anderson (engenheiro, 30) e a Alexandra (designer, 25).

O senhor tem algum contato com suas filhas em Israel?
Eu não tinha nenhum contato. Ela (aponta para Alexandra) é que achou minhas filhas e foi à casa delas lá. Quando elas saíram daqui, tentei me comunicar, mas não consegui. Fui ao consulado, pedia ajuda a quem ia para Israel e nada. Falei com minhas filhas (Hedva, 55 anos, e Yocheved, 53) por telefone. Fico feliz de saber que estão bem. Um dos meus netos já veio me visitar (Alexandra explica que, na verdade, foram elas que os encontraram com a ajuda do Museu do Holocausto de Washington).

Por que o senhor demorou tanto para contar sua história?
No táxi, jornalistas viam esse número no meu braço e queriam que eu contasse a minha vida. Mas o meu advogado, na época, achava melhor não para não atrapalhar as coisas com a indenização dos alemães. E antes eu não conseguia nem contar porque me revoltava. Agora conto porque já estou no final... Lógico que me emociono lembrando, já tive muito pesadelo com isso. Mas não tenho mais. O que tinha que passar, passei. Perdi tanta coisa na minha vida... Agora estou tranquilo.


Saiba mais

LIVRO

O Holocausto - História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial, Martim Gilbert, Hucitec, 2010.
O historiador, biógrafo de Winston Churchil, analisa as raízes do antissemitismo europeu e fala da resistência judaica.