Posted: 09 Dec 2011 11:11 AM PST
Por Igara Dantas (Graduanda em Letras, Língua Portuguesa e Literaturas-UFRN)
Sabemos que o termo barroco dá nome a um estilo de época que se configurou em toda a produção artística do século XVII, marcando um momento de crise espiritual da sociedade europeia, em que o homem se dividia entre duas mentalidades, duas formas diferentes de ver o mundo. De um lado, retornava-se aos valores espirituais tão fortes na Idade Média, com a religiosidade imposta pela Contrarreforma e pela fundação da Companhia de Jesus; de outro, convivia-se com o sensualismo e os prazeres materiais da vida mundana trazidos pelo Renascimento. É exatamente no centro dessa dualidade que o Barroco se equilibra, conciliando duas concepções opostas e resultando num estilo cheio de contradições, pois que refletia a experiência renascentista e o reaviva mento da fé cristã medieval, a um só tempo.
A princípio, o Barroco, considerado indisciplinado e de mau gosto, não era visto dentro de um movimento com leis próprias, de forma que os críticos não o reconheciam como um estilo de época, mas como uma degeneração do Renascimento. Só no final do século XIX, quando o suíço Heinrich Wölfflin, na obra “Renascença e Barroco” (1989), estabeleceu cinco princípios fundamentais que diferenciam o Barroco do Renascimento, é que foi dado o valor devido e reconhecida a autonomia do movimento artístico.
No Brasil não foi diferente, até porque as origens do Barroco se confundem com a origem da nossa própria literatura, haja vista que o que aqui se havia produzido até então não tinha nenhuma intenção literária (a literatura informativa e a literatura jesuítica). Além disso, não havia um pensamento coletivo em torno da reflexão do que seria o nosso primeiro estilo de época, já que a produção literária desse período foi fruto de esforços individuais. Ainda hoje o próprio Alfredo Bosi, na sua História Concisa da Literatura Brasileira (1987), não fala do Barroco como um estilo realizado no Brasil, mas como ecos acontecidos de forma esparsa e precária.
Em meio ao espírito de ganância e aventura da mentalidade colonialista, quem escrevia, encontrava na literatura “um instrumento para criticar e combater essa mentalidade ou para moralizar a população com os princípios da religião ou dar vazão a sentimentos pessoais” (Cereja, 1994).
A descoberta de ouro em Minas Gerais, por exemplo, possibilitou o desenvolvimento de um barroco tardio nas artes plásticas, através da construção de igrejas no século XVIII, o que era uma forma de catarse, pois “o homem do barroco deixou nelas a marca de suas angústias, representadas por uma arquitetura cheia de profunda fé, opulenta em ouro e arroubos plásticos, que marcou esta época frenética da nossa história, perpetuando e como que desmentindo a dura realidade do mundo exterior, o fim da opulência da época do ouro do Brasil” (OP cit.). O termo barroco aos poucos foi tendo sua extensão alargada. Inicialmente designava um estilo das artes plásticas, que em pouco tempo se estendeu ao estilo das letras do século XVII. Logo, barroco passou a significar um tipo de mentalidade, um modo de organização política, uma formação social. Assim, se inicialmente se usava o termo para classificar a pintura, logo passou a significar a literatura, depois a cultura e a sociedade. Hoje, por exemplo, como diz João Adolfo Hansen (1989), fala-se de “época barroca”, “sociedade barroca”, “Estado barroco”, etc. (É, por exemplo, o que se costuma dizer sobre Portugal: “Portugal barroco”, ou seja, o Portugal da União Ibérica (1580) até a morte de D. João V (1750)).
E é bem verdade que barroco configura um estilo de existência, uma visão de mundo, um comportamento. Roger Bastide, quando veio ao Brasil para ministrar uns cursos, resolveu ficar por mais tempo e acabou passando aqui a maior parte de sua vida. Ele exaltava as nossas florestas e dizia ver nelas a continuação de templos barrocos. Já Affonso Romano de Sant’Ana (1997, p.202) tem uma obra intitulada Barroco, a alma do Brasil em que coloca o futebol brasileiro, “com suas improvisações e dribles surpreendentes” como uma representação do barroco e diz que a encenação que resume as contradições da alma barroca do brasileiro é o desfile do carnaval na avenida, que faz a festa da carne e espera a remissão nas cinzas da quarta-feira. O fato é que, por assinalar realidades opostas, o barroco se relacionava com a realidade do homem seu contemporâneo, igualmente dual e contraditória.
No caso da literatura, a própria linguagem já mostra rejeição a uma visão ordenada das coisas, como a refletir os estados de tensão por que passava a sociedade da época, tão indisciplinada como a arte que produzia. Assim, é natural o alargamento do uso da palavra barroco para designar tudo que é pomposo, opulento e contraditório, inclusive o comportamento e o espírito do homem que viveu o século XVII.
Bibliografia
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1987.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1987.
CEREJA, William. A literatura brasileira. Rio de Janeiro: Atual, 1999.
SANT’ANA, Afonso Romano de. Barroco, a alma do Brasil. Rio de Janeiro: Bradesco Seguros/Comunicação Máxima, 1997
WÖLFFLIN, Heinrich. Renascença e Barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989.
Fonte: Carta Potiguar
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